10 Dezembro 2025
Palantir e Dataminr, uma startup com estreitos vínculos com o X, controlam o novo complexo militar dos Estados Unidos em Israel. Estão ansiosas por acumular dados e aperfeiçoar novas tecnologias em condições reais.
A informação é de Sophia Goodfriend, publicada por CTXT, 05-12-2025.
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Desde meados de outubro, cerca de 200 militares norte-americanos estão trabalhando em um enorme armazém no sul de Israel, a aproximadamente 20 quilômetros do extremo norte da Faixa de Gaza. O Centro de Coordenação Civil-Militar foi criado, ao que tudo indica, para facilitar a aplicação do “plano de paz” de 20 pontos de Donald Trump, cujos objetivos declarados são “desarmar o Hamas”, “reconstruir Gaza” e estabelecer as bases para “a autodeterminação e a criação de um Estado palestino”, que em meados de novembro recebeu o respaldo do Conselho de Segurança da ONU.
No entanto, embora nenhum organismo palestino tenha participado das conversas sobre o futuro de Gaza, ao menos duas empresas privadas de vigilância dos Estados Unidos se infiltraram nos planos da Casa Branca para a Faixa no pós-guerra.
Segundo um mapa de assentos ao qual a revista +972 Magazine teve acesso, um “representante do Maven Field Service” esteve presente no Centro. Criada pela empresa tecnológica norte-americana Palantir, cujo logotipo era visível nas apresentações realizadas dentro do centro, a Maven coleta e analisa dados de vigilância obtidos em zonas de guerra para acelerar as operações militares dos Estados Unidos, incluindo ataques aéreos letais. A plataforma extrai informações de satélites, aviões-espiões, drones, telecomunicações interceptadas e da internet, e “empacota tudo em um aplicativo comum e com capacidade de busca para comandantes e equipes de apoio”, segundo a imprensa especializada em defesa.
O Exército dos Estados Unidos chama a Maven de sua “plataforma de campo de batalha impulsionada por inteligência artificial”. Ela já foi empregada para orientar ataques aéreos norte-americanos no Oriente Médio, incluindo no Iêmen, na Síria e no Iraque. A Palantir comercializou sua tecnologia como uma forma de encurtar o processo de identificação e bombardeio de alvos militares — algo que o diretor de tecnologia da empresa descreveu recentemente como “otimizar a cadeia de destruição”. No verão, a Palantir obteve um contrato de 10 bilhões de dólares para atualizar e aperfeiçoar a plataforma Maven para as Forças Armadas dos Estados Unidos.
A Palantir também vem colaborando estreitamente com o Exército israelense desde janeiro de 2024, quando ambas as partes assinaram uma “aliança estratégica” para “missões relacionadas à guerra”. A empresa tem recrutado ativamente funcionários para seu escritório em Tel Aviv, inaugurado em 2015 e significativamente ampliado nos últimos dois anos. Para justificar seu firme compromisso com Israel, apesar das crescentes acusações de crimes de guerra e genocídio, o diretor executivo da empresa, Alex Karp, afirmou recentemente que ela foi a primeira a ser “completamente anti-woke”.
Além da Maven, da Palantir, nas apresentações recentes do Centro apareceu o nome de outra empresa de vigilância com sede nos Estados Unidos: a Dataminr. Essa startup de inteligência artificial aproveita seus estreitos vínculos com plataformas de redes sociais como o X (antigo Twitter) para permitir que Estados e empresas vigiem os usuários da internet: “inteligência em tempo real sobre eventos, ameaças e riscos”, assim a empresa anuncia seus serviços.
A Dataminr começou, em meados da década de 2010, oferecendo ao FBI acesso a todas as informações dos usuários do Twitter para monitorar e alertar as forças de segurança sobre “atividades criminosas e terroristas”. Embora se apresentasse como uma ferramenta para acompanhar incidentes violentos em grandes cidades em tempo real, a empresa oferecia às forças policiais e aos governos a possibilidade de vigiar a “atividade digital passada” de qualquer usuário das redes sociais e “descobrir a interconectividade e as interações de uma pessoa com outras nas redes sociais”. Na época, o Twitter se referia à empresa como “parceira oficial” e detinha uma participação de 5%. O fundo de capital de risco da CIA, a In-Q-Tel, também foi um dos primeiros investidores.
Ao longo da década seguinte, a Dataminr colaborou estreitamente com o Exército dos Estados Unidos e com forças policiais de todo o país. Durante a primeira administração Trump, a empresa se associou às polícias locais para rastrear os protestos do Black Lives Matter, enquanto sob a presidência de Joe Biden, agentes norte-americanos utilizaram seus serviços para vigiar ativistas que protestavam contra a redução das proteções ao aborto. Em março deste ano, o Departamento de Polícia de Los Angeles utilizou a Dataminr para vigiar manifestantes que pediam um cessar-fogo em Gaza e para sinalizar discursos pró-palestinos na internet.
A presença da Palantir e da Dataminr no Centro sugere que, apesar da vaga menção à autodeterminação palestina no plano de Trump, o controle de Israel sobre Gaza continuará profundamente enraizado, com sistemas de vigilância e armamento baseados em inteligência artificial como eixo central da arquitetura de segurança do pós-guerra.
Para os palestinos no terreno, as primeiras seis semanas do chamado cessar-fogo oferecem uma visão do que os aguarda. Oficiais militares norte-americanos no amplo Centro estão monitorando as tropas israelenses em tempo real. Ainda assim, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, soldados israelenses mataram mais de 340 palestinos desde que o acordo entrou em vigor em 10 de outubro — alguns esmagados em ataques aéreos, outros mortos a tiros por se aproximarem da chamada “linha amarela”, o perímetro flutuante de 58% da Faixa que ainda está sob ocupação direta israelense.
“Não há muita diferença em relação ao período anterior ao cessar-fogo”, declarou Mohammed Saqr, diretor de enfermagem do Hospital Nasser, em Khan Yunis, ao jornal The Guardian no início desta semana. “Infelizmente, os bombardeios continuam.”
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