16 Agosto 2025
Em junho de 2013, um tuíte de Vincent Bevins (Santa Mônica, EUA, 1984) sobre a repressão policial em São Paulo contra manifestantes pacíficos viralizou na Turquia. Poucos dias depois, outro tuíte da Turquia manifestava solidariedade: "Resiste Brasil! A Turquia está ao seu lado!" As manifestações do Movimento Passe Livre (MPL) no Brasil e do Gezi Park em Istambul se irmanaram digitalmente, apesar das diferenças em suas causas e pautas. Vincent Bevins, que na época cobria o Brasil para o Los Angeles Times, sentiu-se diante de um novo tipo de revolução, mediada pelas redes sociais.
Após cobrir as revoltas árabes no Egito e na Tunísia e o levante estudantil no Chile, o jornalista continuou sua cobertura de protestos em massa no Brasil, Turquia, Hong Kong, Indonésia, Coreia do Sul, Bahrein e Ucrânia, entre outros, para o Financial Times, Los Angeles Times e The Washington Post. Uma década depois, ele decidiu publicar um livro para apresentar sua perspectiva.
Para escrever "If We Burn: The Mass Protest Decade and the Failed Revolution" (Se ardermos: A década de protestos em massa e a revolução que não aconteceu), Bevins entrevistou alguns dos protagonistas das revoltas de massa da década anterior em uma dúzia de países. Ele concluiu que a maioria dos levantes sociais estudados foi um fracasso. Eles não apenas não conseguiram atender às demandas da sociedade civil, como em alguns casos abriram as portas para governos de extrema-direita.
Vincent Bevins agora reconhece que seu tuíte viral na Turquia foi irrelevante, e que quase toda a cobertura da mídia ocidental foi tendenciosa e superdimensionou o papel das redes sociais digitais. "Nós, na mídia, estávamos tentando mediar a explosão através de nossos próprios aparatos conceituais, experiências e preconceitos inconscientes", ele escreve. Bevins conversou com este meio de comunicação por videoconferência.
A entrevista é de Bernardo Gutiérrez, publicada por CTXT, 15/08/2025
Em "If We Burn", você se pergunta o que teria acontecido no Egito se, após a ocupação da Praça Tahrir no Cairo em 2011, as pessoas envolvidas naquele levante social tivessem tomado o poder. O que teria acontecido?
Muitos levantes, até mesmo revoluções, não têm um plano. As repercussões de janeiro de 2011 no Egito ressoaram durante o resto da década e ainda são relevantes em 2025. Em alguns levantes, só é possível perceber pequenas consequências. Mas no caso do Egito, era possível imaginar uma revolução completa. Um cenário possível seria que forças social-democratas ou de centro vencessem as eleições de 2012 e criassem algo parecido com um governo Lula no mundo árabe. Mas, em janeiro de 2011, as pessoas na praça exigiram uma mudança de governo. Os militares tomaram o poder durante um tipo de período de transição. Outro tipo de cenário seria o classicamente revolucionário. Ao se criar o vácuo de poder, uma parte da própria praça ocupa esse centro de poder. E foi isso que aconteceu em 1917 na Rússia e em 1959 em Cuba. As pessoas que ajudam a derrubar o regime não ficam sentadas esperando que algo melhor seja criado, mas preenchem esse vácuo de poder e se envolvem na criação do sistema de transição.
Em um momento, você escreve, sobre o acampamento de Tahrir: "A vida lá parecia lendária, mítica, como se pertencesse a um universo diferente, inesquecível, mas difícil de acreditar." As formas de vida e de organização coletiva dos acampamentos que surgiram em meio mundo após Tahrir não eram pontos centrais daquela onda de protestos, uma demanda em si mesma? O que você descreve no livro como "política prefigurativa" dos acampamentos, sua micropolítica, foi relevante ou, pelo contrário, nos levou aos tempos sombrios e autoritários?
Foi muito relevante, claro. Os protestos alcançam muitas coisas. Eles permitem que as pessoas se unam e criem outras formas de organização, de resistência, que podem ser cruciais, flexíveis e eficazes a longo prazo. Mas, uma vez que o protesto atinge magnitude suficiente para derrubar um governo, alguns participantes da revolta devem se envolver na criação de uma nova ordem, ou acabam tragicamente como na década de 2010: outro grupo ocupava o vácuo de poder, finge representá-los e depois faz exatamente o contrário do que eles pediam.
No livro, você deixa de fora o 15M espanhol, os movimentos anti-austeridade da Grécia e o Occupy Wall Street. No caso espanhol, o 15M se expandiu por todo o país, construiu assembleias e redes de ação social em muitos bairros das capitais e localidades menores. Ajudou a mudar os imaginários de uma alta porcentagem da população. Posteriormente, surgiu uma "nova esquerda" e apareceram dispositivos de representação política que acabaram conquistando o poder nas prefeituras das principais capitais do país. Além disso, surgiu o Podemos, que chegou a ter 71 deputados e a ostentar a vice-presidência do governo, inclinando o PSOE para a esquerda. O caso espanhol poderia ser considerado uma exceção no inventário de insurreições fracassadas do livro?
Meu critério para incluir um protesto no livro é que ele tenha atingido uma magnitude tal que possa derrubar um governo existente ou desestabilizá-lo. Na Espanha e nos Estados Unidos, vimos pessoas se unindo e criando novas iniciativas. Em ambos os casos, vimos organizações que surgiram a partir de 2011 influenciando a política, e o resultado foi positivo para a política progressista. Provavelmente, a Espanha seria considerada um caso de sucesso moderado. O 15M impulsionou as coisas em uma direção e as coisas melhoraram ligeiramente. No caso do Occupy Wall Street, ele acabou desempenhando um papel crucial para as forças progressistas com um tipo particular de política do qual muitas pessoas da minha geração nem sequer tinham ouvido falar. Nos Estados Unidos, a reintrodução da política social-democrata é um resultado a longo prazo do Occupy Wall Street.
Ainda assim, mesmo na Espanha, caso de "sucesso moderado" da onda de protestos, a partir de 2018, a extrema-direita se apropria do discurso contra as elites. Aconteceu nos Estados Unidos com Trump em 2016; no Brasil com Jair Bolsonaro, em 2018. A extrema-direita sequestrou parte do discurso daqueles protestos e se autoproclama como "gente comum". Como eles sequestraram parte do imaginário e do discurso daquela onda insurgente?
O sequestro ou roubo tanto do discurso quanto das táticas elaboradas pelos movimentos progressistas na primeira parte da década de 2010 é um elemento comum daqueles protestos. As forças progressistas levantaram uma crítica à representação e às elites, empregaram um conjunto de formas de resistência muito inovadoras e aparentemente eficazes para pressionar as elites, mas não criaram um novo sistema para substituir o que estavam criticando.
No caso do Brasil, os participantes dos protestos de 2013 e os de 2015 foram diferentes. Nas primeiras, os convocantes e os principais atores eram autonomistas e de orientação progressista. A partir de 2015, novos atores de direita. Além disso, após a derrota do candidato conservador Aécio Neves no final de 2014, a mídia brasileira aumentou as hostilidades contra a presidenta Dilma Rousseff. Que papel a mídia desempenhou no Brasil na onda de protestos de 2015 que resultou no governo de Bolsonaro?
Eles usaram as mesmas táticas da esquerda antiautoritária. O Movimento Passe Livre (MPL) se transforma no Movimento Brasil Livre (MBL) [Bevins faz referência a que o novo movimento MBL nasceu com a vontade expressa de se apropriar das siglas e confundir], que se autodefinia como autônomo e não partidário. Mas os jovens do MBL não foram apenas treinados por grandes atores neoliberais nos Estados Unidos, mas por especialistas em criar grandes campanhas de mídia e nas redes sociais e como chamar a atenção. Por outro lado, o juiz Sergio Moro estudou a Mani Pulite ("Mãos Limpas") na Itália para aprender como uma cruzada anticorrupção pode ser eficaz. Então, o MBL e Sergio Moro conseguiram que a mídia os ajudasse a espalhar sua mensagem.
Na primeira parte da década de 2010, as redes sociais pareciam revolucionárias. De fato, algumas não tinham algoritmos. Prevalecia o diálogo horizontal e de baixo para cima. Por volta de 2015, as coisas mudam. O Vale do Silício muda as regras das redes sociais. O que aconteceu exatamente? Eles sentiram medo e reagiram?
O debate que acontecia entre indivíduos e iguais entre 2005 e 2011, que era bastante horizontal, foi substituído por um modelo em que um par de influenciadores explica as coisas para o resto. As redes sociais surgiram como uma tecnologia incrivelmente poderosa para as pessoas se comunicarem entre si de uma maneira mais livre e transparente. A pergunta não é a tecnologia em si, mas quem a controlava e com que fins. Levamos muito tempo para chegar à trágica conclusão de quem realmente controlava essas tecnologias. Em meados de 2010, ficou claro que são empresas capitalistas que te mostram, por meio de softwares e algoritmos, uma seleção particular de coisas para que você fique viciado o maior tempo possível. Os algoritmos reproduzem naturalmente as mensagens com mais impacto emocional e as moralmente mais escandalosas. Os donos das plataformas de redes sociais não querem que você pense e escreva. Há algo errado com este modelo.
O quê?
Neste último ano, ficou muito claro que os atores economicamente poderosos podem manipular essas redes em seu próprio benefício. Elon Musk usou seu poder econômico para mudar as regras do Twitter e implantar sua agenda de extrema-direita. Jeff Bezos disse que, já que sou o dono do The Washington Post, vou defender os princípios do livre mercado. Tivemos aquela ideia utópica de que a internet deveria pertencer às pessoas. Mas hoje em dia, o controle das redes sociais é um elemento do poder imperial dos Estados Unidos, e qualquer país que tente controlar essas redes terá uma resposta do governo americano. O controle dessas redes é geopolítico e os Estados Unidos punirão os países que tentarem regulá-las. É um reminiscência do século XX, em que existia uma reação violenta dos Estados Unidos se países do Sul Global tentassem controlar os recursos naturais.
A esquerda costuma culpar as 'fake news' da extrema-direita por seus maus resultados. No entanto, ao lado dos usuários de redes sociais de extrema-direita, os de esquerda parecem gente sonolenta tentando reagir. Há algo que a esquerda pode aprender com o uso das redes sociais da extrema-direita?
Não se trata apenas de usar as redes, mas de criar uma espécie de infraestrutura. Bolsonaro conta com uma infraestrutura digital de influenciadores, de empreendedores de redes sociais. Existe uma rede hierarquicamente organizada e bem coordenada. O filósofo Rodrigo Nunes relaciona o auge dos influenciadores com o neoliberalismo de baixo para cima, a ideia de que cada pessoa se vê como uma empresa e que maximizará sua contribuição para as redes para obter o máximo de benefício possível.
Falemos de Euromaidan, os protestos na Ucrânia no final de 2013. No livro, você relata como a extrema-direita foi se infiltrando no movimento. Alguns ativistas decidiram permanecer na luta e outros ir embora. Você previu a guerra entre a Rússia e a Ucrânia naquela praça de Kiev ocupada?
A guerra é consequência da resposta a 2013. Euromaidan teve três fases muito diferentes. As pessoas nas ruas e suas demandas são distintas. No início, tínhamos um pequeno grupo de atores políticos que frequentemente trabalhavam para ONGs financiadas pelo Ocidente. As pessoas pediam que Víktor Yanukóvich assinasse um acordo de associação com a União Europeia, mas a maioria dos ucranianos não apoiava isso. Em uma segunda fase, a ideia era que na praça era possível apresentar mais reivindicações. Pouco a pouco, surgem grupos nacionalistas de direita bem organizados. Alguns são explicitamente neonazistas, mas outros são simplesmente nacionalistas ucranianos extremistas, que vão estabelecendo sua hegemonia sobre a praça. Assim, uma pequena minoria de pessoas de extrema-direita acaba criando os meios para lutar violentamente. Então, o novo governo que assumiu o poder já não era o conjunto multifacetado, diverso e heterogêneo das reivindicações iniciais. É um grupo minoritário de homens.
Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, não tem problema em se relacionar com forças de extrema-direita. Ele as tolera e até colabora com elas contra seu inimigo, a Rússia. A União Europeia faz vista grossa para isso...
Zelensky assume o poder com a antipolítica que vimos em muitos outros países do mundo. Ele é um comediante com uma agenda muito ampla...
Parece que a democracia deixou de ser "sexy" para as novas gerações. Alguns estudos apontam que há pessoas que começam a preferir governos autoritários, como o caso de Bukele em El Salvador. O que está acontecendo?
Existe uma crise de representação global desde o início do neoliberalismo. Uma solução, a clássica da esquerda, é reconstruir uma representação mais sólida e melhor, uma democracia mais real e duradoura. Agora, a solução clássica da extrema-direita é jogar tudo no lixo e dizer "eu representarei o povo". Alguns estão adotando claramente posturas antidemocráticas que têm afinidade com os interesses de nossa nova classe de oligarcas. O teórico antidemocrático mais importante dos Estados Unidos é Peter Thiel, bilionário fundador do PayPal. Não é casualidade que a rejeição à democracia surja após 30 anos de ataques neoliberais às condições econômicas. O pensamento antidemocrático é promovido nas redes sociais desses oligarcas. A eles foi concedido um status quase absoluto. É neofeudalismo.
E Donald Trump exerce o papel de rei de todos esses senhores neofeudais...
Trump não quer governar. Ele quer ser exaltado. Ele quer estar na televisão o dia todo e que as pessoas o aplaudam. Ele quer ser o centro das atenções e ter poder. Nessas circunstâncias, alguns simplesmente descartam os democratas e dizem "vamos procurar os mais poderosos e inteligentes e colocá-los no comando". Mas os gênios não surgem das Filipinas. Acontece que todos são americanos com acesso ao capital.
O que você salvaria da onda de protestos da década passada, especialmente da primeira parte, mais progressista? O que poderia ser útil nos próximos anos?
Algumas coisas. Em primeiro lugar, existia um desejo generalizado e real no sistema global de melhorá-lo. Milhões de pessoas em todo o mundo estavam dispostas a agir e a fazer algo para tentar transformar o sistema global em algo melhor. Em segundo lugar, vimos que a aplicação de pressão gera mudanças. É possível derrubar governos, forçar concessões. Agora, a trágica terceira parte da história é que as mudanças não foram escolhidas pelas próprias ruas. Faltaram um conjunto de organizações ou atores da sociedade civil com uma teoria para transformar as coisas. Lenin disse que não há movimento revolucionário sem uma teoria revolucionária. O que faltou foi um conjunto de atores que pudessem agir coletivamente em momentos de crise e oportunidade. E a organização desses atores se tornou mais difícil do que nunca. Há muito menos gente em sindicatos, em partidos ou em organizações da sociedade civil do que nunca. Mas vimos que mesmo forças muito pequenas e organizadas, que pareciam muito fracas em comparação com as do século XX, alcançaram resultados neste contexto individualizado e atomizado. Nesta sociedade civil incrivelmente fraca, é possível conseguir muito com um pouco de ação coletiva.
Lutar contra as plataformas digitais capitalistas e os supostos gênios do Vale do Silício é a batalha do século?
Não acho que tenhamos que lutar contra as plataformas, porque somos as plataformas, certo? 99,8% é o conteúdo que publicamos, que é instrumentalizado e monetizado para fins alheios. Temos que lutar contra o controle oligárquico das plataformas, e isso deveria ser mais fácil do que lutar pelo controle de hardware militar ou industrial.