14 Julho 2011
Mubarak pode ter ido embora, mas a nova ordem ainda está patinando. No Cairo, a fúria retorna enquanto as pessoas ainda exigem mudanças.
A reportagem é de Robert Fisk, publicada no sítio do jornal The Independent, 12-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Algo de muito errado aconteceu com a revolução egípcia. O Conselho Supremo das Forças Armadas – ninguém sabe exatamente o que o "Supremo" significa – está bajulando os medievais Irmãos Muçulmanos e salafistas: os generais conversam com os pseudoislamistas, enquanto os jovens, os liberais, pobres e ricos que derrubaram Hosni Mubarak, estão sendo ignorados. A economia está entrando em colapso. A anarquia rasteja pelas ruas das cidades egípcias todas as noites. O sectarismo floresce na escuridão. Os policiais estão voltando aos seus hábitos sujos.
Está tudo realmente muito ruim. Você só precisa andar pelas ruas do Cairo para entender o que está errado, vagar novamente pela Praça Tahrir e ouvir aqueles que insistem sobre democracia e liberdade, enquanto os velhos homens do regime de Mubarak se agarram a cargos como primeiro-ministro, subministros, à própria figura do Marechal de Campo Mohamed Tantawi, a cabeça daquele "supremo" conselho, amigo de infância e leal a Mubarak – embora ele tenha forçado o velho homem a ir embora.
A cabeça igualmente idosa de Tantawi agora está enquadrada em cartazes em torno da Praça Tahrir e o antigo grito de janeiro-fevereiro está de volta: "Queremos o fim do regime".
Nas rótulas, os pequenos grupos da revolução agora têm suas barracas individuais com os pequenos tapetes e cadeiras de plástico sobre a terra, debatendo nasserismo, secularismo, a união cristã dos direitos civis. A Irmandade Muçulmana, é claro, está ausente, juntamente com os salafistas.
"Estamos cheios do Conselho Militar, que está usando as mesmas ferramentas que Mubarak", disse Fahdi Philip, 26 anos, estudante de veterinária da Universidade do Cairo. "Os julgamentos dos culpados são lentos para chegar ao fim. O estado de insegurança ainda entre nós".
Volta ao passado
Muito verdadeiro. Quase 900 civis foram mortos pela polícia de segurança do Estado do Egito e por franco-atiradores durante a revolução, e apenas um policial foi julgado – à revelia – por ter matado manifestantes. Quando um protesto em massa pelas famílias dos mártires saiu às ruas no mês passado, os policiais voltaram a agir da mesma forma.
Na frente das câmeras de televisão, eles atiraram pedras contra os manifestantes, agrediram-nos com cassetetes e – em um incidente extraordinário – foram ao encontro deles agitando espadas. O chamado Conselho Nacional pelos Direitos Humanos culpou ambos os lados – os manifestantes, disseram, jogaram coquetéis molotov, a polícia respondeu com gás lacrimogêneo –, enquanto caminhões de pedras foram trazidas para a Praça Tahrir no dia 28 de junho para serem jogadas por jovens vestindo camisetas idênticas.
Mais de 1.100 civis, soldados e policiais ficaram feridos. Com medo de mais violência, o "supremo" conselho de Tantawi anunciou o estabelecimento de um novo fundo de capital de 10,5 milhões de libras para compensar as famílias dos que foram mortos ou ficaram feridos durante a revolução.
Mas assim que eu abro os jornais matinais no Cairo – francos, eles estão, sem restrições, em grande parte falidos – eu espio uma fotografia colorida do Marechal de Campo Tantawi nomeando um novo "Ministro da Informação", um ex-político de oposição, mas mesmo assim ministro da Informação – apenas alguns meses depois que o mesmo Tantawi havia anunciado o total desmantelamento do Ministério da Informação.
Não tem problema, disseram as autoridades, isso foi apenas para ajudar a imprensa a cumprir seus deveres "democráticos" antes que o ministério fosse novamente fechado. Assim como o jovem veterinário cristão copta – veem como agora notamos a religião dos egípcios de novo? – disse, Tantawi estava usando as antigas ferramentas de Mubarak.
No entanto, o que pode os jornais egípcios podem noticiar a não ser o colapso da lei que a revolução jurou conservar? Eu vou para o hospital Qasr el-Aini, que só atende um pequeno setor da capital, perto do antigo câmpus da Universidade Americana, apenas para descobrir que o seu registro de emergência mostra que em um dia médio – apenas nesse pequeno distrito – 30 homens e mulheres chegam feridos por tiros ou por facadas.
Todas as quintas/sextas-feiras, os números sobem para uma média de 50 vítimas. Entre os jovens da Praça Tahrir, isso parece ser uma conspiração. Esvazie as ruas de policiais e dê às pessoas um sabor do caos que elas trouxeram sobre si mesmas – e logo elas vão querer os homens da segurança de Estado de novo. O país é seguro para os turistas, dizem os ministros às agências de viagem. Sério? A Egyptair, a companhia aérea estatal – que anuncia corajosamente o "novo Egito", com propagandas das manifestações da Praça Tahrir do início de fevereiro – acabou de anunciar uma perda em quatro meses de 104 milhões de libras.
O hotel Marriott de Gezira – o antigo palácio do Nilo com seus leões de mármore e tetos de estuque – tem 1.040 quartos e apenas 24 turistas. "A revolução costumava ser boa", conta-me um amigo lojista em sua loja de camisas. "Agora, a revolução não é boa".
Pouco mais de uma semana atrás, os manifestantes que planejavam o início da manifestação de sexta-feira foram atacados por vendedores de rua com facas e pedras. Foram ouvidas as histórias comuns: foi tudo planejado pelos poderes dominantes. Em nenhum dos recentes protestos pelos "mártires" da revolução houve a presença de um grupo islamista.
Motim civil
Encontro-me com um antigo amigo jornalista egípcio. O pessoal do café vem cumprimentá-lo, para se apresentarem como seus fãs, para lhe dizerem que ele não deixe de expor a corrupção da vida egípcia. Ele está preocupado. Fala-se de um "motim civil", diz ele. De pessoas que querem queimar as delegacias novamente, assumir o governo ou tomar a lei em suas próprias mãos matando policiais específicos. Há histórias difundidas – eu mesmo as ouvi na Praça Tahrir – de que grupos de jovens vão tentar fechar o Canal de Suez, a menos que as autoridades de segurança que mataram inocentes em janeiro e fevereiro sejam levados a julgamento. As vozes mais cruéis agora pedem a pena de morte para Mubarak.
Estranhamente, há também uma convicção, de acordo com meu amigo jornalista, de que o "supremo" conselho militar egípcio não pode continuar com o trabalho de governo e começar os julgamentos a menos que Mubarak morra. "Eles gostariam que ele morresse. Querem que ele fique fora do caminho para lhes dar um espaço de respiro antes de lidar com seus filhos. Tantawi está preocupado pelo fato de que as mobilizações chegarão até ele. Mas ele sabe que, se Mubarak morrer, os egípcios são um povo gentil e, em grande parte, irão perdoá-lo porque ele era um soldado e estava muito velho, e haverá um período de calma".
Há relatos de que Mubarak, pelo menos uma vez desde a sua prisão domiciliar em Sharm el-Sheikh, foi levado à Arábia Saudita para uma tratamento médico secreto, e há muitas revelações agora sobre como ele foi destronado. Uma delas, do altamente respeitado escritor egípcio Abdul Qader Choheib, diz que Mubarak concordou em renunciar depois de ter sido confrontado por Tantawi, pelo seu vice-presidente Omar Sulieman – o ex-chefe da inteligência e amigo de Israel – e pelo general Ahmed Chafiq.
Mubarak aparentemente insistiu com eles para que não divulgassem a sua declaração de renúncia até que seus filhos, Gamal e Alaa, estivessem a caminho de Sharm el-Sheikh – não para salvá-los da prisão (o que mesmo assim fracassou), mas porque ele temia que Gamal iria fazer alguma coisa "irracional", já que ele já havia objetado quando Mubarak indicou Sulieman como vice-presidente durante os últimos dias da revolução.
A vantagem da revolução, ao que parece, foi que ela não teve nenhum líder, ninguém para ser preso. Mas a sua desvantagem, também, foi que ela não teve nenhum líder, ninguém que assumisse a responsabilidade pela revolução, assim que ela acabasse.
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Praça Tahrir: onde está a revolução pela qual as multidões lutaram? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU