04 Fevereiro 2019
“A energia social emancipadora não desaparece, nem se esfumaça. Transmuta-se, transforma-se e torna-se algo diferente, capaz de promover novos movimentos, sem perder suas características básicas”, avalia Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 01-03-2019. A tradução é do Cepat.
A energia social emancipadora não desaparece, nem se esfumaça. Transmuta-se, transforma-se e torna-se algo diferente, capaz de promover novos movimentos, sem perder suas características básicas, ainda que seja apresentada de maneiras novas e inéditas. Algo como isso está acontecendo em países onde as pessoas precisam lutar, dia a dia, com algumas direitas de um novo tipo, tão demagógicas como autoritárias.
Gostaria de apresentar brevemente três casos que acontecem atualmente no Brasil e na Argentina, em resistência frontal a seus respectivos, que ensinam que sim é possível, que apesar da correlação desfavorável de forças, podemos tomar iniciativas e avançar.
O primeiro é o Movimento Passe Livre (MPL) de São Paulo, que em janeiro realizou cinco manifestações contra o aumento das passagens de metrô e de ônibus. O MPL nasceu durante o Fórum Social Mundial de 2005, fruto de uma nova camada de militantes, se expandiu pelas principais cidades brasileiras e teve um protagonismo decisivo em junho de 2013, precipitando a saída às ruas de 20 milhões de pessoas em 353 cidades, em resposta à repressão da polícia militar.
Quando a nova direita ganhou as ruas naquele mesmo mês, deslocando os movimentos populares, o MPL retirou-se do centro e concentrou-se nos bairros. Seus membros se dispersaram por um tempo, mas seguiram ativos nos anos seguintes na luta contra a reforma educacional, impulsionando as ocupações de mais de 2.000 centros, durante a gestão conservadora de Michel Temer (2016-2018).
Nas convocações para janeiro, participaram entre 500 e 15.000 jovens, perseguidos por centenas de policiais, mas foram capazes de retomar as ruas, com poucos recursos, enquanto as grandes organizações sociais perderam a iniciativa. Não é fácil sair à rua durante o primeiro mês do governo de Jair Bolsonaro, mas com essa ofensiva estão assinalando o caminho para os próximos anos, que passa por enfrentar a extrema direita, que não pode mais convocar milhões como fez anos atrás.
O segundo caso ilustra a potência do movimento de mulheres, capaz de ingressar até nos recônditos mais ocultos do patriarcado. Um grupo de mulheres policiais de toda a Argentina emitiu um comunicado onde assinalavam que queriam frear os abusos e violações dentro da instituição e também pedir para não ser enviadas para as marchas de mulheres, porque não é um crime se manifestar por segurança e erradicação de violência contra as mulheres.
Acrescentam que em de comparecer a uma manifestação de mulheres, será para levantar o cartaz “Ni una menos”, acompanhando, nunca reprimindo. Como trabalhadoras que se sentem, decidiram formar uma rede e afirmam que são totalmente contra a repressão às organizações feministas e advertem que diante de qualquer ato de violência estaremos sempre do lado das mulheres que foram reprimidas, e pedimos que denunciem os abusos de poder.
A força do movimento feminista e a luta antipatriarcal na Argentina estão envolvendo uma ampla gama, de atrizes a policiais. Nunca havíamos imaginado que ocorreriam fatos como os mencionados, em corpos repressivos onde se exerce um meticuloso e férreo controle hierárquico/patriarcal.
O terceiro caso acontece também na Argentina, onde a União dos Trabalhadores da Terra (UTT) acaba de sofrer uma repressão estúpida, mas intensa repressão da polícia de Buenos Aires a suas feiras, vendas de produtos agrícolas em praças e ruas. A UTT agrupa em torno de 10 mil famílias de produtores rurais de todo o país, cuja produção é vendida em pelo menos três grandes armazéns da capital argentina. Cultivam cerca de 120 hectares e vendem a preços abaixo dos grandes níveis.
Há duas semanas, a venda de legumes em Constitución (terminal de transporte) foi duramente reprimida por ordem do governo da cidade, mas esta semana retornaram com outra feira na central Praça de Maio, reivindicando melhorias para os pequenos produtores. A UTT mobilizou 5.000 trabalhadores rurais e anunciou a doação de 20.000 quilos de hortaliças frescas para combater a fome.
A UTT é a filha do movimento ‘piquetero’. Proveniente da Frente Darío Santillán e talvez seja por isso que 80% estão nas periferias de Buenos Aires, formando um inédito e criativo movimento rural-urbano. Uma parte das famílias que integram a organização são migrantes da Bolívia, especialistas em produção agrícola. Ocupam terras para produzir, são orientados para a agroecologia e são organizados territorialmente em grupos de base.
Haveria muito mais a dizer. Os movimentos estão se rearticulando, criando as condições de impulso e organização para resistir e lançar novas ofensivas. Só resta estar atento e confiar mais nos de baixo.
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Os movimentos que disputam com a nova direita. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU