06 Junho 2025
Pelo menos 31 palestinos foram mortos no domingo pelas forças israelenses no centro de distribuição de alimentos em Rafah, Gaza, segundo testemunhas. Outros três foram mortos na segunda-feira, de acordo com uma testemunha e profissionais de saúde. E na terça-feira, tropas israelenses mataram novamente mais 27 pessoas, segundo autoridades de Gaza.
A reportagem é de Archie Bland, publicada por El Diario, 05-06-2025.
Esses eventos reforçaram as críticas ao novo sistema de distribuição de suprimentos em Gaza, administrado pelo Fundo Humanitário de Gaza (GHF), administrado por Israel e apoiado pelos EUA, em vez da ONU e de organizações humanitárias respeitáveis. O Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, afirmou na terça-feira que os palestinos enfrentam um dilema impossível: "Morrer de fome ou correr o risco de serem mortos enquanto tentam acessar os escassos alimentos disponíveis". Ataques contra civis são um crime de guerra, acrescentou.
Os três incidentes ocorreram na mesma área, perto da rotatória de Al-Alam, a aproximadamente um quilômetro do centro de distribuição do GHF em Rafah. O exército israelense não estava presente no local — que é administrado por empreiteiros americanos —, mas controla as áreas vizinhas.
Equipes de resgate e testemunhas relataram no domingo que as forças israelenses começaram a atirar enquanto as pessoas se reuniam para coletar os pacotes de comida. Israel negou ter atirado "perto ou dentro" do local, mas uma fonte militar israelense reconheceu posteriormente que "tiros de advertência foram disparados contra vários suspeitos" a cerca de um quilômetro de distância. O GHF negou quaisquer "ferimentos, baixas ou incidentes" durante suas operações. A Agência de Defesa Civil de Gaza informou que 31 pessoas foram mortas e 176 ficaram feridas.
O exército israelense reconheceu na segunda-feira que disparou novamente tiros de advertência contra "suspeitos que avançavam em direção às tropas e representavam uma ameaça a elas". Três pessoas foram mortas pelos tiros, segundo a Cruz Vermelha, e dezenas ficaram feridas.
Testemunhas disseram na terça-feira que o tiroteio começou por volta das 4h, quando a multidão começou a se reunir na esperança de conseguir comida antes que acabasse. Mohammed al-Shaer disse à AFP que "o exército israelense atirou para o ar e, em seguida, diretamente contra as pessoas", e que um helicóptero e drones estavam em uma área onde uma barreira separava a multidão das forças israelenses.
As Forças de Defesa de Israel (IDF) afirmaram que os "suspeitos" não recuaram após disparar tiros de advertência e "atirar em alguns suspeitos específicos que avançavam em direção às tropas". Em um comunicado, a fundação defendeu o fato de esses indivíduos não estarem seguindo "as rotas de acesso designadas" para o local do GHF. A fundação afirmou que os civis só deveriam chegar ao local por uma estrada costeira, uma rota que, segundo um especialista à BBC, "não era segura nem eficaz".
Profissionais de saúde locais relataram 27 mortes, das quais pelo menos três eram crianças. Mohammed Saqr, diretor de pediatria do Hospital Nasser, que recebeu os corpos, disse ao The Guardian que eles apresentavam ferimentos de estilhaços, compatíveis com disparos de tanque ou artilharia.
Relatos do local sugerem que, além das ações das forças israelenses, outros fatores estão agravando a situação.
Segundo relatos, a comida acaba rapidamente todos os dias, criando ainda mais caos entre as pessoas que tentam desesperadamente garantir suprimentos para si e suas famílias. Mesmo que todos os centros do GHF fossem abertos, ainda haveria grandes grupos de pessoas amontoados em um espaço muito pequeno. Como apenas um centro está aberto e só pode ser acessado por uma única rota, o efeito é agravado.
E há também a enorme dificuldade física da viagem para quem mora longe. "Chegar ao ponto de distribuição daqui leva de três a quatro horas", explicou Amjad al-Shawa, diretor da Rede de Organizações Não Governamentais Palestinas na Cidade de Gaza.
"Há milhares de pessoas para um número muito limitado de pacotes de alimentos, então há uma correria. Não há um sistema; eles apenas abrem as portas e mandam as pessoas seguirem seu caminho. O mecanismo exclui idosos, mulheres com crianças, doentes e deficientes", acrescentou.
O GHF afirma ter distribuído mais de sete milhões de refeições até o momento e continuará a aumentar o volume nos próximos dias. Mas, na terça-feira, anunciou que os centros de distribuição fechariam na quarta-feira para "trabalhos de atualização, organização e eficiência". O exército israelense alertou que, enquanto os locais estivessem fechados, as áreas de acesso seriam consideradas "zonas de combate".
A rápida escassez de alimentos é um sinal do descompasso desesperador entre oferta e demanda. Quase toda a população da Faixa de Gaza, cerca de 2,1 milhões de pessoas, corre o risco de fome aguda, segundo a UNICEF. Uma em cada cinco pessoas corre o risco de morrer de fome, e cerca de 71.000 crianças e 17.000 mães precisam de tratamento urgente para desnutrição aguda.
Por mais que o GHF enfatize a quantidade de alimentos que já distribuiu, há razões para duvidar que ele consiga administrar os centros de maneira mais organizada.
Seu fundador e diretor executivo, Jake Wood, renunciou na semana passada, alegando que a organização não poderia operar de maneira consistente com os "princípios humanitários"; ele foi substituído na terça-feira pelo reverendo Johnnie Moore. O substituto havia sido nomeado comissário para a liberdade religiosa internacional por Donald Trump, mas Moore não tem experiência conhecida em operações complexas de ajuda humanitária. Separadamente, o Washington Post noticiou que o Boston Consulting Group, que ajudou a elaborar o programa, retirou sua equipe de Tel Aviv. Fontes próximas à administração disseram ao Post que "a fundação teria dificuldades para continuar operando sem os consultores que ajudaram a criá-la".
À medida que a situação se agrava, Israel enfrenta crescente pressão diplomática de países europeus e do Canadá. Mas o governo Trump continua a oferecer total apoio, como evidenciado pelo veto de quarta-feira à resolução do Conselho de Segurança da ONU que exigia acesso irrestrito à ajuda.
Dadas essas circunstâncias, é difícil imaginar que a situação no local melhore. "As pessoas não têm escolha a não ser continuar vindo", reconheceu Shawa, alertando: "Amanhã voltarão para buscar comida. Mas pagarão um preço por isso: suas vidas".