21 Novembro 2025
A agitação social em decorrência do assassinato de Carlos Manzo eclode em protestos que encontram eco na extrema-direita regional, mas sem uma ideologia clara.
O artigo é de Elena San José, jornalista, publicado por El País, 18-11-2025
Eis o artigo.
O assassinato do popular prefeito de Uruapan, Carlos Manzo, gerou um efeito dominó que o governo de Claudia Sheinbaum não previu. Em um país onde a violência assola partes do território, o brutal assassinato do prefeito de Michoacán desencadeou uma onda de agitação social que parecia administrável para um governo que apresentava uma estratégia de segurança bem-sucedida. A incapacidade de prevenir o crime abalou a narrativa triunfalista do gabinete presidencial e serviu de terreno fértil para manifestações que reuniram cerca de 17 mil pessoas na capital mexicana neste sábado. Esses manifestantes tinham agendas muito diferentes, mas compartilhavam um objetivo claro: a rejeição ao governo Morena. Todo o resto — quem está por trás deles, quais ideias os motivam e quais são suas reivindicações específicas — permanece um mistério, forçando a prefeita a confrontar um novo adversário sem rosto, mas com muitos interesses que ressoam na extrema direita regional.
Sheinbaum, experiente na luta contra uma oposição política tradicional e arraigada, que ela descarta com pouco esforço em suas coletivas de imprensa matinais, agora enfrenta um movimento sem forma definida ou líder a quem recorrer. Os protestos, inicialmente atribuídos à Geração Z, que engloba os menores de 28 anos, revelaram que o grupo era muito mais diverso do que se previa, incluindo jovens, adultos mais velhos e idosos: alguns ligados a partidos de outros campos políticos e outros diretamente alinhados com as correntes trumpistas que varrem o continente. Assim, as demandas legítimas por um país mais seguro e com menos corrupção coexistem nesse turbilhão com aquelas daqueles que se posicionam fora do espectro político mexicano, não conhecido pelo extremismo, mas agora permeável às dinâmicas regionais, que observam atentamente o que acontece nos Estados Unidos. Nenhum fenômeno é mais puramente local.
O presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou na segunda-feira ter testemunhado os eventos na Cidade do México durante o fim de semana. "Há alguns problemas sérios por lá", comentou. "O governo mexicano está à beira do colapso", ecoou Alex Jones, o conhecido radialista de extrema-direita e teórico da conspiração, que possui mais de quatro milhões de seguidores na plataforma de mídia social X, figura-chave na organização do protesto.
A agenda pouco clara do movimento levou todos os setores críticos a tentarem cooptá-lo, e isso não é coincidência: esta é a primeira iniciativa a ganhar força na agenda política de um governo que controla todas as alavancas do Estado e é liderado por um político com índices de popularidade esmagadores. Entre aqueles que tentaram romper essa barreira está o empresário mexicano Ricardo Salinas Pliego, com quem o governo trava uma longa batalha política e jurídica por dívidas tributárias acumuladas há mais de uma década.
O presidente o acusou de incitar os protestos e financiar a campanha anti-Morena. O magnata, por sua vez, rebateu as acusações e aderiu à onda de descontentamento social. “Lamento que a chefe interina do Palácio Nacional esteja tentando deslegitimar e minimizar cidadãos críticos. É vergonhoso vê-la inventando planos para desacreditar a juventude”, escreveu o quinto homem mais rico do México, que na semana anterior se reuniu com o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, a quem elogia como um potencial futuro presidente.
Na órbita das autodenominadas marchas da Geração Z, encontra-se a presença de outras figuras da direita mexicana, como Lilly Téllez e Xóchitl Gálvez, que resgatam a Maré Rosa, movimento que uniu a oposição contra o então presidente Andrés Manuel López Obrador. As acusações de um “narcogoverno”, termo pejorativo usado pelos partidos PAN e PRI para se referir ao governo Morena, ancoram pelo menos um pé das mobilizações na linguagem e na agenda da oposição, que tem se concentrado em recuperar parte do terreno perdido.
“São as mesmas caras de sempre”, disse Claudia Sheinbaum nesta segunda-feira, numa tentativa de definir e desacreditar um adversário que parece mais esquivo do que o habitual. De fato, são algumas das mesmas caras de sempre, mas não só elas. A própria investigação apresentada pelo governo apontou para a participação de bots e influenciadores que acrescentam o seu toque pessoal a uma disputa já marcada por conflitos nacionais e pelo contexto internacional.
O emblema dos organizadores, a caveira com o chapéu de palha do anime One Piece, ilustra a complexidade de um movimento que se inspira em outros, mas não chega a ser exatamente igual a eles. Esse mesmo símbolo foi usado em outras partes do mundo, como no Nepal, onde o descontentamento da geração mais jovem conseguiu derrubar o governo que havia decretado um bloqueio às redes sociais. Apesar da semelhança estética, o México não é o Nepal. A presidente do país norte-americano goza de amplo apoio popular, inclusive entre os jovens, um dos grupos sociais aos quais ela dedica especial atenção, juntamente com os idosos.
A única coisa clara nessas mobilizações é a enorme confusão, onde o sentimento original — a indignação com o assassinato do prefeito de Michoacán — foi diluído e ofuscado pela enxurrada de imagens que documentam a violência que encerrou o dia, deixando 120 feridos: 100 policiais e 20 civis. Essas imagens gráficas, desprovidas de contexto, circulam pelo mundo, servindo a diversas agendas que preenchem o vazio deixado por protestos sem uma mensagem clara ou com mensagens demais disputando espaço em meio ao caos. A presidente agora precisa responder a todas elas, já que não tem outro público a quem recorrer.
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