18 Novembro 2025
"Importa articular na Igreja o serviço assistencial e promocional com a luta pela transformação das estruturas da sociedade. Certamente, os carismas são diversos e isso é um bem na Igreja e na sociedade", escreve Francisco de Aquino Júnior, presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte, Ceará, professor de Teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
Eis o artigo.
A Exortação Apostólica de Leão XIV Dilexi Te (eu te amei) “sobre o amor para com os pobres” fala de “compromisso em favor dos pobres e pela transformação das causas estruturais da pobreza” (DT 2), de “mudança de mentalidades que tenham incidências culturais” (DT 3) e de “solicitude religiosa privilegiada e prioritária” para com os pobres (DT 114). São aspectos ou dimensões fundamentais do cuidado dos pobres na Igreja: serviço assistencial e promocional, transformação das estruturas da sociedade, mudança de mentalidade e solicitude religiosa.
De todas essas dimensões e formas de cuidado dos pobres, a mais exigente e que encontra mais dificuldade e até oposição na Igreja é a “erradicação das causas sociais e estruturais da pobreza” (DT 10). O mais comum é o serviço assistencial (socorro imediato). Há também muitas obras de caráter promocional (casas de recuperação, geração de renda, cultura etc.). Mas quando se trata da luta pela “transformação da sociedade” (DT 97), as dificuldades, resistências e oposições são muitas. Se o serviço assistencial e promocional é mais simples e fácil de realizar e é menos conflitivo, podendo ser realizado até mesmo por pessoas e grupos que defendem e promovem políticas que concentram riqueza e produzem pobreza e miséria; a luta pela transformação da sociedade é muito mais difícil e complexa, exige mobilização e organização popular e enfrenta conflitos com os grupos e setores dominantes. Não se deve esquecer que muitos grupos na Igreja que desenvolvem um serviço assistencial e promocional admirável, estão vinculados ou apoiam grupos e projetos políticos que atentam contra os direitos humanos e a casa comum, destroem os direitos trabalhistas, promovem políticas que concentram renda e aumentam a pobreza.
Daí a importância e necessidade de considerar com atenção essa dimensão do cuidado dos pobres na Igreja que é a luta pela transformação da sociedade e superação das causas estruturais da pobreza. Isso exige tanto o reconhecimento da pobreza como fato social, fruto de estruturas sociais injustas, quanto emprenho social pela transformação dessas estruturas que produzem pobreza e miséria no mundo.
É preciso reconhecer que a pobreza não é um dado natural, fruto do destino nem muito menos vontade de Deus: “Os pobres não são pobres por acaso ou por um cego e amargo destino [...]. Entre os pobres há também, obviamente, aqueles que não querem trabalhar, talvez porque os seus antepassados, que trabalharam toda a vida, morreram pobres. Mas há muitos homens e mulheres que trabalham de manhã à noite, recolhendo papelão, por exemplo, [...] embora saibam que este esforço servirá apenas para sobreviver e nunca melhorar verdadeiramente as suas vidas. Não podemos dizer que a maioria dos pobres estão nessa situação porque não obtiveram ‘méritos’, de acordo com a falsa visão da meritocracia, segundo a qual parece que só tem mérito aqueles que tiveram sucesso na vida” (DT 14). A causa mais fundamental da pobreza é de ordem estrutural. Leão fala aqui com o episcopado latino-americano de “pecado social” ou de “estruturas de pecado que criam pobreza e desigualdades extremas” (DT 90-98).
E é preciso enfrentar as “causas estruturais da pobreza”. Isso exige denunciar a “ditadura de uma economia que mata” e as “ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira” (DT 92). Exige empenho na transformação das estruturas injustas “com a força do bem, através da mudança de mentalidades e também, com a ajuda da ciência e da técnica, através do desenvolvimento de políticas eficazes na transformação da sociedade” (DT 97). Exige “reconhecer que a realidade se vê melhor a partir das periferias e que os pobres são sujeitos de uma inteligência específica, indispensável à Igreja e à humanidade” (DT 82). Exige partir dos “lugares, espaços, casas e cidades onde os pobres vivem e caminham” (DT 96), reconhecer os “pobres como sujeitos” (DT 99-102) e atuar com os movimentos populares (DT 80-81) na luta “contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra e de casa, a negação dos direitos sociais e laborais” (DT 81).
Importa articular na Igreja o serviço assistencial e promocional com a luta pela transformação das estruturas da sociedade. Certamente, os carismas são diversos e isso é um bem na Igreja e na sociedade. Mas é uma contradição se dedicar ao serviço assistencial e promocional aos pobres e, ao mesmo tempo, defender políticas e ideologias que justificam e promovem destruição dos direitos sociais e trabalhistas, preconceitos e violências, concentração de renda e destruição da casa comum. A luta pela justiça é uma dimensão e uma exigência fundamental da fé cristã!
Leia mais
- “Dilexi Te”: implode a estrutura metodológica da teologia. Artigo de Jung Mo Sung
- Dilexi te. A Exortação Apostólica foi publicada, mas quais serão as nossas ações como cristãos? Artigo de Orlando Polidoro Junior
- “Dilexi te”: uma primeira leitura. Artigo de Vinicio Albanesi
- Dilexi te: “Não é caridade, mas Revelação.” Leão XIV e o 'magisterium pauperum'. Artigo de Andrea Grillo
- “Dilexi te”: o prólogo do Papa Leão. Artigo de Lorenzo Prezzi
- ‘Dilexi te’: Leão surpreende com puro evangelho. Artigo de Alberto Roseli
- Papa Leão assina primeira exortação, 'Dilexi te', focada no amor aos pobres
- O Papa pede aos bispos que resistam a Trump: "Devemos apoiar os migrantes"
- O título e o conteúdo da primeira encíclica do Papa Leão XIV
- Uma encíclica sobre os pobres e as primeiras viagens. O verdadeiro início do pontificado de Leão XIV
- Encíclica, viagens, nomeações para a Cúria: os três "deveres" de Leão XIV durante as férias em Castel Gandolfo
- Os pobres e a inteligência artificial: os temas dos primeiros documentos papais de Leão XIV? Artigo de José Lorenzo
- Dois novos livros sobre o Papa Leão olham em 2 direções diferentes. Artigo de Kat Armas
- Leão XIV: cidadão do mundo, missionário do século XXI. Prevost concede sua primeira entrevista a Elise Ann Allen
- Leão XIV e a ilusão conservadora: o fim de um espelho?
- Leão XIV: diretrizes semelhantes às de Francisco e um estilo diferente
- Análise do primeiro mês do pontificado de Leão XIV: “Na Igreja Católica conta cada detalhe”, diz vaticanista italiano Marco Politi
- Aqui está o programa do Papa Leão XIV: paz, unidade e uma estocada nos ultraconservadores. Artigo de Marco Polit
- As armadilhas de uma fé alicerçada na promessa e a emergência da opção pelos pobres. Entrevista especial com Flavio Lazzarin
- Cadê a Opção da Igreja pelos Pobres?
- À Luz do Evangelho Dominical. Coragem e humildade por uma opção preferencial pelos mais pobres
- Opção pelos Pobres
- O Concílio Ecumênico Vaticano II e a opção preferencial pelos pobres
- A opção pelos pobres “não é uma opção sociológica, não é a moda de um pontificado. É uma exigência evangélica”, atesta o Papa Francisco