12 Novembro 2025
"A mensagem é clara e impiedosa: a universidade não é mais necessária, a educação é uma perda de tempo, o que importa é saber fazer. É um gesto disruptivo, mas também uma jogada política. A Palantir, que vive de dados e inteligência artificial, não se limita a recrutar: molda o futuro da educação como um campo de batalha entre liberdade e poder econômico. O modelo proposto pela Palantir, com um programa intensivo que combina uma rápida revisão humanística com uma imersão técnica imediata, reflete uma visão que prioriza a formação funcional em detrimento da educação liberal, um pilar da tradição universitária ocidental".
O artigo é de Antonio Spadaro, jesuíta e ex-diretor da revista La Civiltà Cattolica, publicado por La Repubblica, 10-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
No Vale do Silício, a palavra "meritocracia" é o evangelho da eficiência, o mito do self-made man. Mas agora, uma das empresas símbolo desse culto, a Palantir Technologies, reescreveu sua liturgia. Seu CEO, Alex Karp, e seu presidente, Peter Thiel, lançaram o programa Meritocracy Fellowship, um experimento que convida vinte e dois estudantes do ensino médio a pular a faculdade. "Pule a dívida. Pule a doutrinação. Obtenha o diploma da Palantir", proclama o slogan.
Sem dívidas, sem doutrinação: apenas quatro semanas de seminários sobre a civilização ocidental — de Platão a Tocqueville — e depois um lugar entre os algoritmos da empresa. O programa, voltado para estudantes excepcionais que se empenham a não se matricular em uma universidade credenciada no semestre seguinte, oferece uma bolsa mensal estimada em 5.400 dólares, evidenciando como a velocidade e a competência específica se tornaram a moeda que vale na economia tecnológica, superando o valor percebido da formação acadêmica tradicional.
A mensagem é clara e impiedosa: a universidade não é mais necessária, a educação é uma perda de tempo, o que importa é saber fazer. É um gesto disruptivo, mas também uma jogada política. A Palantir, que vive de dados e inteligência artificial, não se limita a recrutar: molda o futuro da educação como um campo de batalha entre liberdade e poder econômico. O modelo proposto pela Palantir, com um programa intensivo que combina uma rápida revisão humanística com uma imersão técnica imediata, reflete uma visão que prioriza a formação funcional em detrimento da educação liberal, um pilar da tradição universitária ocidental.
O objetivo é criar figuras imediatamente operacionais, "engrenagens" de alto desempenho capazes de contribuir para os produtos e resultados dos clientes da Palantir, geralmente organizações governamentais e de segurança. Esse é um desafio enorme. Nos Estados Unidos, a ideia de que a educação possa se tornar um serviço privado, regulamentado pelo mercado, já foi lançada e vem ganhando força. Os golpes devastadores do governo Trump contra o meio acadêmico são um sintoma, mais que uma causa. As universidades estadunidenses estão sob pressão devido ao aumento dos custos, à enorme dívida estudantil que ultrapassa US$ 1,7 trilhão e às acusações de excessiva "doutrinação" ou, inversamente, de irrelevância em relação às necessidades do mercado de trabalho. Essa conjuntura cria terreno fértil para alternativas radicais como a Meritocracy Fellowship, que prometem uma saída rápida e econômica da "armadilha da dívida". A resposta do mercado, liderada por essas empresas, é oferecer um programa de aquisição de competências (skill acquisition) em vez de um programa de desenvolvimento da pessoa (person formation).
É nesse contexto que outra voz tem se manifestado nos últimos dias. Em Roma, o Papa estadunidense Leão XIV publicou a carta apostólica Desenhar novos mapas de esperança para o Jubileu da Educação. Suas palavras, de fato, soam como um contraponto ao Vale do Silício. O pontífice quis relançar com força o Pacto Global para a Educação de seu antecessor, Francisco, focando em três novas prioridades: vida interior, tecnologia e paz. O educador não é um técnico da aprendizagem, mas uma testemunha de humanidade. O aluno não é uma engrenagem, e a educação é uma "constelação" que une coração, mente e mãos, escreve o pontífice.
A educação é outro nome para paz porque leva à compreensão das diferenças e ao crescimento na capacidade de diálogo.
Em suma, por um lado, o brilhante atalho do “aprender fazendo”, a promessa de ganhos e sucesso imediato; por outro, a confiança em um processo que amadurece com o tempo, através do erro, através do encontro. E aqui entra em cena São John Henry Newman, proclamado em 1º de novembro passado por Leão XIV Doutor da Igreja e copadroeiro dos educadores, ao lado de São Tomás de Aquino. Newman já havia compreendido o equívoco moderno. Em sua obra-prima, The Idea of a University, ele alertava que reduzir a universidade a uma oficina de competências significava trair seu espírito. O conhecimento, dizia, não serve porque "produz" algo, mas porque treina a liberdade humana. Sua concepção de conhecimento liberal não é um fim em si mesmo, mas serve para dar ao homem uma visão clara, para desenredar pensamentos confusos e ver as coisas como elas são, preparando-o não para um ofício, mas para viver plenamente. Para criar o “gentleman”, como ele dizia. Não o “businessman”, portanto.
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