08 Novembro 2025
Líderes religiosos colocam flores de cempasúchil (usadas no altar durante a missa) na cerca ao redor do centro do ICE em Broadview, Chicago, durante uma missa ao ar livre observada por líderes inter-religiosos, membros da comunidade e voluntários. O evento ocorreu após o presidente Donald Trump ordenar o aumento da presença de forças federais de segurança para auxiliar na prevenção do crime. A missa foi presidida pelo bispo auxiliar de Chicago Dom José María García-Maldonado.
A informação é de Kevin Clarke, publicada por America, 06-11-2025.
O bem-estar espiritual dos homens e mulheres detidos pelo Centro de Imigração e Controle de Alfândega (ICE) dos EUA tornou-se uma preocupação documentada entre líderes religiosos nas últimas semanas — do Papa Leão XIV em Roma a Dom Robert Barron, bispo de Winona-Rochester, membro da Comissão de Liberdade Religiosa do governo Trump. Tudo isso é positivo.
Mas, à medida que relatórios sobre superlotação, má higiene, falta de supervisão e comida estragada nas instalações do ICE continuam a circular na mídia e entre defensores de imigrantes, o bem-estar físico dos detidos também passou a ser questionado. Uma ação judicial coletiva emergencial foi aberta em 31 de outubro, alegando condições desumanas e violações de direitos civis no Centro de Processamento Broadview, próximo ao aeroporto Midway, em Chicago.
De acordo com a ação, o centro Broadview deveria funcionar como um local de detenção temporária, com limite de 12 horas. “No entanto, [o ICE e o Departamento de Segurança Interna] mantêm pessoas presas por vários dias e até semanas, negando-lhes alimentação, água, banho, produtos de higiene e cuidados médicos adequados. Não há camas nem cobertores, e os detidos são forçados a dormir no chão frio e sujo.”
“Todos, independentemente de seu status legal, têm direito a acesso a advogados e a não serem submetidos a condições horríveis e desumanas”, disse Alexa Van Brunt, diretora do escritório de Illinois do MacArthur Justice Center, ao anunciar a ação. “Membros da comunidade estão sendo sequestrados nas ruas, amontoados em celas, privados de comida, atendimento médico e necessidades básicas, e forçados a assinar renúncias de seus direitos legais. É um abuso de poder brutal e uma violação grosseira dos direitos humanos fundamentais. Isso precisa acabar agora.”
Um juiz federal ordenou em 5 de novembro que o ICE e o Departamento de Segurança Interna melhorassem as condições em Broadview.
Prisões e mortes em alta
Cresce a preocupação com o aumento do número de mortes sob custódia do ICE no ano fiscal de 2025 (encerrado em 30 de setembro). O ICE relatou 18 mortes, mas o American Immigration Council (AIC) contabilizou 23, após revisar comunicados oficiais, e acredita que o número real possa ser ainda maior.
“O modo como o ICE define uma morte sob custódia é muito restrito”, explicou Rebekah Wolf, advogada do AIC. “Se o detido adoece gravemente e morre em um hospital fora da instalação, o ICE às vezes não conta esse caso.”
Huabing Xie, cidadão chinês, foi o último a morrer sob custódia em 29 de setembro, após sofrer uma convulsão no Centro Regional de Detenção Imperial, na Califórnia. Seu caso não entrou na contagem oficial.
Mesmo com 18 mortes, o número é bem superior às 12 registradas em 2024 e muito acima das médias dos anos do governo Biden (4 em 2023, 3 em 2022 e 5 em 2021). O último ano com número semelhante foi 2020, durante a pandemia de Covid-19, com 21 mortes. Segundo o AIC, 2025 é o ano com mais mortes desde 2004, quando 32 pessoas morreram sob custódia.
Kevin Appleby, pesquisador do Center for Migration Studies of New York, vê o aumento como resultado inevitável da desumanização promovida pela Casa Branca. “Este governo desumanizou os imigrantes e, consequentemente, os trata de forma desumana. O respeito pelos direitos humanos e pela dignidade humana se perdeu”, afirmou.
Dom Mark Seitz, bispo de El Paso, uma das vozes mais ativas da Igreja em defesa dos imigrantes, expressou espanto: “Vinte e três pessoas. Meu Deus.” Ele relatou casos de dependentes químicos detidos sem tratamento e mulheres grávidas sem atendimento adequado. “Por que não estão sendo tratados? Isso não é nossa responsabilidade?”, perguntou.
Falta de supervisão e política de detenção quase universal
Autoridades do ICE e do Departamento de Segurança Interna não responderam aos pedidos de comentário. A Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB) declarou estar “profundamente preocupada com o aumento das mortes”, e reiterou sua posição contra detenções desnecessárias, defendendo alternativas comunitárias mais humanas.
A advogada Rebekah Wolf explicou que o número elevado de mortes está ligado à política atual de “detenção quase universal”, que levou à média de 60 mil pessoas detidas por mês em 2025 — mais do que o dobro do período anterior. Antes, agentes tinham discricionariedade para liberar menores, gestantes e pessoas doentes sob monitoramento domiciliar ou liberdade condicional.
Agora, essa prática praticamente acabou: em dezembro de 2024, último mês do governo Biden, cerca de 5 mil pessoas foram libertadas sob fiança; em 2025, esse número caiu para cerca de 70 por mês.
“O regulamento que permite essas liberações não mudou”, disse Wolf. “O que mudou foi a diretriz política: o governo decidiu não libertar mais ninguém.”
O fechamento temporário do Escritório de Direitos Civis e Responsabilidades Civis (CRCL) do Departamento de Segurança Interna — reaberto apenas após pressão judicial — agravou a falta de fiscalização.
Com mais detidos, há menos supervisão, menos profissionais de saúde e mais negligência: medicamentos não são administrados corretamente, crises médicas passam despercebidas e suicídios ocorrem sem intervenção.
“Essas mortes não são coincidência”, afirmou Appleby. “São consequência direta da política de deportações em massa.”
“São 23 vidas humanas”
Anna Marie Gallagher, diretora executiva da Clinic, o ministério jurídico da Igreja para imigrantes, lembrou: “Vinte e três mortes não são uma estatística — são 23 vidas humanas. A doutrina social católica nos chama a proteger a vida e cuidar dos vulneráveis. A detenção nunca deve ser o padrão quando existem alternativas humanas e comunitárias que funcionam.”
Seitz concluiu: “Cruzar a fronteira sem documentos é um delito menor. Mesmo para quem o considera grave — vale arriscar vidas humanas? Onde está o valor da vida aqui? Especialmente para nós, católicos, que acreditamos na sacralidade da vida desde a concepção até a morte natural? Suspendemos essa convicção só porque se trata de imigrantes?”
Leia mais
- O ICE de Trump-Vance impede bispo católico de entregar a eucaristia em centro de detenção
- O cardeal Cupich, de Chicago, denuncia a hipocrisia na aplicação das leis imigratórias nos EUA
- Em meio a batidas do ICE em Chicago, uma Missa popular é um exemplo de "santidade política"
- Ativistas em Chicago, impedidos de dar Comunhão a detidos do ICE, planejam próximas ações
- Eu estava na prisão… e não deixaram me visitar
- Chicago, transformada em uma "zona de guerra" pelo terror imigratório de Trump
- 'Nosso povo vive com medo': bispos dos EUA defendem migrantes em meio à repressão de Trump
- EUA: com poderes ampliados, agentes da polícia anti-imigração de Trump espalham terror
- Bispos da Califórnia se esforçam para atender católicos que se sentem "perseguidos" por agentes do ICE
- O que vimos durante uma audiência do tribunal de imigração e prisão do ICE: o colapso da justiça na América
- Fissuras na máquina de deportação de Trump? Entrevista com Dara Lind e Omar Jadwat
- Como os bancos de alimentos e abrigos religiosos de Nova York estão se adaptando ao medo do ICE
- Trump está usando a imigração no reduto democrata da Califórnia para promover sua agenda ultra-autoritária. Artigo de Andrés Gil
- Trump exige que as tropas entrem em Los Angeles, enquanto a Califórnia denuncia a mobilização "ilegal" da Guarda Nacional
- Bispos da Califórnia se esforçam para atender católicos que se sentem "perseguidos" por agentes do ICE
- O Arcebispo de Washington rejeita a política de imigração de Trump
- Deportações, pânico e perseguição: a crise dos imigrantes sob Trump. Entrevista com Gabrielle Oliveira