O latim retorna ao Vaticano, o passo para o lado do Papa. Artigo de Paolo Rodari

Foto: Vatican Media

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03 Novembro 2025

"O retorno ao rito antigo não aparece como um passo para trás, mas sim como um passo para o lado: não uma restauração, mas sim uma abertura para aqueles que ainda estão ancorados no passado", escreve Paolo Rodari, jornalista, em artigo publicado por Il Manifesto, de 01-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Causou alvoroço a celebração na Basílica de São Pedro, pelo Cardeal tradicionalista Raymond Burke, de uma missa no antigo rito romano (a chamada Missa Tridentina), pessoalmente autorizada pelo Papa Leão. O evento, parte da 14ª peregrinação da Summorum Pontificum, marcou o retorno da liturgia tradicional ao altar da Cátedra após uma ausência de dois anos. Mais de dois mil fiéis participaram, incluindo jovens famílias e seminaristas, em uma atmosfera que lembrava as celebrações pré-conciliares, legado de um tempo que se pensava definitivamente superado.

Não por acaso, foi a imprensa internacional a notar de imediato a singularidade do gesto. O New York Times escreveu: "Um cardeal estadunidense de alto perfil celebrou uma missa tradicional em latim... entusiasmando os católicos tradicionalistas que se sentiram abandonados depois que o Papa Francisco havia limitado ao extremo o rito antigo." O Newsday observou, no entanto, que "a celebração foi interpretada por muitos como um sinal tangível de que Leão poderia estar mais próximo das instâncias dos tradicionalistas." Mas será que uma restauração está realmente em curso? Ou se trata de um gesto de reconciliação?

Um dia antes da celebração de Burke, o Cardeal Matteo Maria Zuppi presidiu as Vésperas em rito romano antigo na Basílica de San Lorenzo in Lucina, também angariando algumas críticas dos setores mais progressistas da comunidade eclesial. Será que Matteo Maria Zuppi também está abrindo as portas a um retorno da tradição? Na realidade, sua presença, assim como a aprovação de Leão a Burke, deve ser interpretada de forma diferente. O próprio Zuppi explica isso no prefácio do interessante livro do jornalista Francesco Lepore, "Bellezza antica e sempre nuova. Il latino nel mondo di oggi" (Beleza antiga e sempre nova. O latim no mundo de hoje, em tradução livre, Castelvecchi): "Na temível polarização generalizada, por vezes cômica e certamente ignorante, o latim não é prerrogativa de ninguém. É uma riqueza e um bem comum", escreve o presidente da CEI, indicando uma visão que não opõe tradição e inovação, mas as integra. Uma visão que, aliás, é defendida por Zuppi não de agora. Desde o início de seu ministério em Bolonha, o cardeal romano tem procurado apaziguar as polarizações incluindo o antigo sem marginalizá-lo, como muitos foram tentados a fazer desde o fim do pontificado de Joseph Ratzinger.

É isso que Lepore também explica em seu livro, mais precisamente no parágrafo específico com o título provocativo "Igreja e latim: uma história de amor que chegou ao fim?", que conclui: "Portanto, não há repúdio ao latim por parte da Igreja: em meio a altos e baixos, apesar de tudo, continua uma longa 'história de amor' que abrange dezessete séculos’". Leão XIV também foi explícito em sua primeira entrevista ao site estadunidense Crux: "Não quero fomentar as polarizações na Igreja", disse ele. E mais: "Minha tarefa é salvaguardar a unidade." Essas palavras confirmam como seu pontificado está voltado a superar as fraturas deixadas por anos de contraposições entre os guardiões da tradição e os inovadores, sem renegar o caminho sinodal e sem marginalizar ninguém. Não é coincidência que Leão tenha endereçado uma carta em latim a Burke para celebrar seus cinquenta anos de sacerdócio, agradecendo-lhe por sua "fidelidade à Igreja e ao ministério sacerdotal".

Um gesto que surpreendeu muitos, considerando as tensões entre Burke e Francisco nos anos anteriores. E considerando também as imagens, que circulam aos montes online, das celebrações litúrgicas do cardeal estadunidense, com o longo manto vermelho cerimonial tradicional, e turistas tirando fotos entre divertimento e incredulidade. Mas que, em todo caso, ainda assim se inscreve na praxe pontifícia de enviar cartas congratulatórias ou escritas à mão a cardeais e bispos que celebram aniversários importantes. Nesse contexto, o retorno ao rito antigo não aparece como um passo para trás, mas sim como um passo para o lado: não uma restauração, mas sim uma abertura para aqueles que ainda estão ancorados no passado. Sinaliza que, com Leão, a Igreja não deseja escolher entre antigo e futuro, mas habitar ambos. Reconhecendo que uma minoria que ama o antigo ainda tem cidadania na comunidade eclesial.

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