Preso sem provas, torturado e deportado. A história do palestino Mourad em Israel

Foto: Moslem Daneshzadeh/Unplash

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23 Outubro 2025

Dos 1.950 prisioneiros palestinos libertados por Israel em troca dos reféns israelenses, 154 foram transferidos para o Egito. Entre eles, Mourad Abu Al Rob, que passou 19 anos nas prisões do Estado judeu. O relato da irmã: "Os agentes israelenses o espancavam todos os dias. Uma hora de espancamento, uma breve trégua e depois recomeçavam. Apesar da libertação, talvez nunca mais o vejamos."

A reportagem é de Jacopo Mocchi, publicada por Domani, 21-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Na semana passada, Aida e sua família foram ao Palácio da Cultura em Ramallah, aguardando a libertação de seu irmão, Mourad Abu Al Rob, após 19 anos de prisão. Para a ocasião, Aida decidiu levar sua mãe, paralítica e confinada a uma cadeira de rodas. Aquele dia também era o aniversário de seu pai, que havia morrido apenas dois meses antes. O fato é que dois dias antes, Aida havia recebido um telefonema de seu irmão, da prisão. Ele havia lhe dito que seria libertado em breve, mas para não organizar nenhuma celebração nem convidar pessoas para sua casa. O exército israelense poderia destruir a casa da família e prendê-lo novamente. Não só isso. Ficaram sabendo por um vizinho que as IDF haviam invadido a antiga casa da família em Jenin, onde não moravam há tempo, e haviam colocado panfletos nos muros proibindo explicitamente qualquer forma de festejo.

Surpresas ruins

Na manhã marcada para a libertação dos prisioneiros palestinos, o nome de Mourad aparece na lista oficial, a libertação prevista na Cisjordânia. Naquele dia, Aida e sua mãe esperam por um longo tempo: o primeiro ônibus de prisioneiros chega, depois o segundo, e assim por diante. Elas procuram o rosto de Mourad na multidão, mas não o encontram. Até que outro ex-detento palestino se aproxima, explicando à família que Mourad não estava naqueles ônibus: ele havia sido levado durante a noite, de sua cela, junto com outros prisioneiros. Ele provavelmente havia sido deportado para o Egito. "Só na segunda-feira à noite, por volta da meia-noite, nos ligaram do Egito dizendo que Mourad havia chegado ao Cairo pela passagem de Rafah. Ele estava com os outros detentos palestinos em um hotel, sem possibilidade de sair e sem documentos", explica Aida. Mourad Abu Al Rob tinha 26 anos quando foi preso e condenado à prisão perpétua por um tribunal militar israelense sob a acusação de ter participado de um atentado terrorista que matou quatro israelenses. Ele nunca teve um verdadeiro julgamento, nem a oportunidade de se defender. Durante todos os anos de detenção, só conseguiu contatar seu advogado em raras ocasiões. Sua família continua afirmando que Mourad é inocente. Ele nunca teve vínculos com grupos armados.

Durante os primeiros cinco anos de detenção, sua família não pôde visitá-lo. "Nunca sabíamos onde ele estava. O exército israelense o transferia de uma prisão para outra. Em 19 anos, o vimos apenas algumas vezes, sempre através de um vidro, falando ao telefone da prisão. Nunca pudemos tocá-lo. A última vez que o vimos foi antes da pandemia."

Dos 1.950 prisioneiros palestinos libertados nos últimos dias por Israel em troca de 40 reféns israelenses — 20 vivos e os corpos dos demais — 154 foram deportados para o Egito. Entre eles, também dois escritores de renome internacional: Bassem Kandaqji e Nasser Abu Srour.

Assim que conseguiu ligar para Aida, Mourad relatou as torturas que sofreu na prisão. "Os agentes israelenses o espancavam todos os dias. Uma hora de espancamento, uma breve pausa e depois recomeçavam. As luzes da cela estavam sempre acesas, mesmo à noite. Os cuidados médicos eram negados e o abuso psicológico estava na ordem do dia. Mourad gostava de treinar na academia, mas durante sua detenção chegou a perder 30 quilos. A comida era sempre insuficiente." Apesar das violências, Mourad conseguiu se formar em Ciências Políticas, especializando-se em política israelense. "Quando foi libertado, teve que se reacostumar com as cores. Em sua cela, só havia cinza, branco e preto. Assim como com a tecnologia. Ele nunca tinha visto um smartphone antes e não sabia como usá-lo. Não conhecia o mundo exterior", relata sua irmã.

Direitos violados

De acordo com Naji Abbas, diretor do Departamento de Prisioneiros e Detentos da organização Médicos pelos Direitos Humanos Israel, "nos últimos dois anos, as prisões israelenses se tornaram verdadeiros campos de tortura. Todos os direitos fundamentais são violados. Hoje, ainda há quase 9.000 palestinos detidos, dos quais 4.000 deles sem nenhuma acusação formal. Mais de 1.000 morreram por falta de cuidados ou das torturas sofridas na prisão. Além disso, quase todos os palestinos libertados de Gaza não eram acusados de nenhum crime.” O The Guardian também voltou a falar sobre as torturas, relatando que pelo menos 135 corpos mutilados de palestinos posteriormente devolvidos por Israel a Gaza haviam sido mantidos em um centro de detenção já objeto de acusações de tortura e mortes ilegais durante a custódia. De acordo com o jornal britânico, um documento encontrado dentro de cada saco para cadáveres indicava que todos os corpos vinham de Sde Teiman, uma base militar no deserto de Negev onde, de acordo com fotos e depoimentos publicados pelo The Guardian, os detidos palestinos no ano passado eram mantidos em gaiolas, vendados e algemados, acorrentados a camas hospitalares e forçados a usar fraldas.

Quanto à deportação forçada, Abbas acrescenta que é uma violação do direito internacional. “Esses prisioneiros são cidadãos palestinos. Eles não têm outra cidadania. No Egito, eles enfrentarão novas pressões, e suas famílias nunca poderão visitá-los”. E acrescenta: "Este é o objetivo de Israel: forçar os palestinos a abandonarem suas terras. E esse também foi o anúncio explícito de vários políticos israelenses."

Mourad nunca mais poderá retornar aos territórios palestinos. "Tentaremos ir visitá-lo", diz Aida. "Mas provavelmente nos deterão na fronteira. É improvável que possamos vê-lo novamente. O exército israelense certamente nos impedirá."

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