A humanidade após o ódio. Artigo de Luigi Manconi

Foto: Wikimedia Commons | Shareef Sarhan

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15 Outubro 2025

"O homem contemporâneo, depois de Dostoievski e depois de Nietzsche, não pode deixar de ter uma concepção trágica da existência. Ele não consegue imaginar um mundo em paz e harmonia, mesmo que seja bastante precioso o fato de que tantos o desejem e trabalhem para concretizá-lo", escreve Luigi Manconi, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Itália, em artigo publicado por la Repubblica, 14-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Penso que a esquerda e todos os apoiadores da causa palestina, abandonando todo complexo de inferioridade, devem declarar imediatamente que a trégua atualmente em vigor entre Israel e Palestina é boa e justa e que, para alcançá-la, o papel de Donald Trump foi decisivo. É um dever elementar para com a verdade histórica, mas não só: é também uma questão moral importante.

A guerra, ou seja, a invenção mais trágica da humanidade, exige inteligência e consciência. E comporta um processo laborioso e doloroso de responsabilização. Portanto, se a ação de Trump para impor o cessar-fogo foi decisiva, suas responsabilidades continuam sendo enormes: por ter permitido que a ação hedionda de Israel continuasse até hoje e mesmo além; e por ter apoiado incondicionalmente os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade cometidos pelas IDF; e por ter promovido, no plano internacional, uma militarização das relações entre os povos, exaltando o componente bélico como nunca antes nessa parte de século: a ponto de mudar o nome do Departamento "da defesa" para "da guerra". Mas, precisamente porque esse é um dia histórico e uma ocasião de alegria, bem como de luto, de salvação e não apenas de lágrimas, talvez seja útil olhar mais profundamente a situação. Ninguém pode saber como a situação na Palestina irá evoluir ou se deteriorar: só podemos ficar felizes pelas vidas poupadas e pelos sofrimentos aliviados nesse momento de tempo presente, mas a longo prazo é difícil ser otimistas. É possível que a perspectiva de dois povos e dois Estados e aquela ainda mais desejável de um Estado federal para israelenses e palestinos sejam retomadas, talvez muito lentamente, mas retomadas. No entanto, o fogo que arde no subsolo daquela terra está longe de se extinguir.

No filme de Mathieu Kassovitz, La Haine (O Ódio), a história de três jovens da periferia de Paris (um dos quais um judeu) propõe uma análise impiedosa das razões e das raízes que levam à explosão da violência. Ao investigar os processos sociais e culturais que moldam a revolta individual, lança um olhar sobre as grandes dinâmicas históricas que estão em sua origem: o colonialismo, a pobreza e a guetização. Tudo isso, a longo prazo, se concentra e culmina na eclosão da guerra.

A guerra é o momento em que a competição e a rivalidade entre os seres humanos perdem toda capacidade de mediação e compromisso, renunciando à política e à diplomacia, para se tornar violência absoluta.

É o momento em que o adversário se torna o inimigo, e o objeto da disputa é a aniquilação do outro. Literalmente, seu cancelamento. O ódio encontra sua forma perfeita e seu alvo perfeito. A crueldade daquele conflito se torna tanto mais aguda quanto mais se manifesta como guerra fratricida. E assim, poucos parecem se lembrar de que judeus e árabes são ambos povos semitas, pertencentes à mesma cepa linguística. E que, como escrevem alguns historiadores israelenses de renome, aquele eterno conflito entre os dois pode ser interpretado como uma guerra civil prolongada. Ainda mais porque, como em todos os conflitos de vida ou morte, o que está em jogo é o controle do território — um território bastante restrito — e a demografia está destinada a desempenhar um papel crucial.

E já se fala de "guerra civil" feroz, mas sem derramamento de sangue, dentro de Israel, e de uma guerra civil feroz e sangrenta na Palestina, onde os milicianos do Hamas continuam a massacrar oponentes. Buscando suporte livremente nas disciplinas da psique, pode-se dizer que: o ódio pressupõe duas circunstâncias: o pânico diante de uma ameaça, real ou suposta, e a vontade de determinar o mal de quem representa aquela mesma ameaça. E isso — claramente — se expressa com mais violência no espaço da proximidade. Que é tanto onde a ruptura explode quanto onde ela poderia se recompor.

Dois exemplos, embora incomparáveis entre si e com o que está acontecendo no Oriente Médio, podem, no entanto, nos oferecer algumas lições: as guerras civis na África do Sul e em Ruanda foram guerras internas, que resultaram em um número incalculável de mortos e deixaram vestígios indeléveis e feridas incuráveis. No entanto, produziram um desenvolvimento subsequente que, por meio de estratégias de reconciliação e do exercício da justiça restaurativa, determinaram mudanças significativas. Certamente, o ódio não foi erradicado, mas suas causas mais poderosas foram neutralizadas e suas manifestações mais brutais foram contidas dentro do sistema democrático e das regras do Estado de Direito.

E Ruanda hoje parece completamente diferente daquela que, trinta anos atrás, teve um milhão de vítimas. O homem contemporâneo, depois de Dostoievski e depois de Nietzsche, não pode deixar de ter uma concepção trágica da existência. Ele não consegue imaginar um mundo em paz e harmonia, mesmo que seja bastante precioso o fato de que tantos o desejem e trabalhem para concretizá-lo. Duvido que a humanidade consiga banir o ódio, mas a mobilização coletiva, a dor compartilhada, a ira dos mansos, as flotilhas e aquela boa e velha manifestação de massa, que tanto fez contra a injustiça e que hoje se manifesta nas ruas da Europa e de Tel Aviv, continuam a representar "a segunda superpotência mundial" (New York Times).

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