11 Julho 2023
"Há cerca de um ano, um casal de amigos de Gênova decidiu separar-se 'por causa da Ucrânia'", escreve Luigi Manconi, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Itália, em artigo publicado por La Repubblica, 09-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A invasão desta última pela Rússia havia determinado muita tensão entre os dois, que colocou em crise antigas solidariedades, profundas convicções, compartilhamento de ideias e de afetos, escolhas de campo e opções morais. Além disso, uma crise sentimental latente também pesou, e bastante, mas os tanques da Federação Russa funcionaram como detonadores.
Na época senti muito aquela separação - um vínculo que se quebra sempre desperta tristeza - mas de alguma forma, e paradoxalmente, me tranquilizou. Considero a guerra na Ucrânia um evento tão decisivo e que marca época (pela primeira vez é correto usar um termo tão abusado) que não me surpreenderam demais as consequências produzidas no campo da vida afetiva e das relações, mesmo as mais íntimas. Parecia-me que o casal estivesse levando tão a sério um assunto sério, como a guerra contra às nossas fronteiras, a ponto de arriscar a própria estabilidade psicológica. Então, algumas semanas atrás, a notícia: os meus amigos voltaram a viver juntos. Pelas razões que acabo de expor, fiquei feliz com isso – afinal, tenho o coração sensível – e, ao mesmo tempo, um pouco melancólico.
Quase que aquele reencontrado entendimento significasse a superação preguiçosa e costumeira da crise anterior, o abrandamento das contradições sem uma sua elaboração positiva, o habitual costume a um conflito do qual se tende a diminuir a dimensão trágica. Consequentemente, bato palmas para a Nova Harmonia (será uma mensagem para a nação?), mas eu não gostaria que meus amigos representassem uma figura de alta intensidade simbólica desse hábito à guerra, que me parece um sinal distintivo do tempo presente. O costume é um instinto terrivelmente "humano, demasiado humano": corresponde a um irredutível impulso de sobrevivência e àquela estratégia de adaptação que constitui o principal recurso das criaturas em sua relação tempestuosa com o mundo, a natureza, os outros seres vivos. Mas traz consigo se acostumar ao mal, à injustiça, ao sofrimento.
Nem mesmo o caso de Victoria Amelina parece ter afetado a nossa substancial indiferença.
Amelina, considerada uma das vozes de maior autoridade na literatura ucraniana, tinha 37 anos e um filho. Ele havia parado de escrever romances para se dedicar ao relato do que estava acontecendo na sua terra. Ela foi atingida por um míssil russo em um restaurante em Kramatorsk e morreu junto com duas gêmeas de 14 anos. É uma história grandiosa e trágica, daquelas que – seria de esperar – afetam o sentimento coletivo e o imaginário comum, levam os indivíduos a se mobilizarem e se unirem em oração, induzem a reproduzir as fotos das vítimas nas camisetas dos garotos, a dedicar-lhe em homenagem um parque, a elaborar seu mito.
Nem mesmo a destruição do corpo de Victoria causou um tal abalo emocional. Assim como não havia acontecido quando, em março de 2022, foi descoberto o massacre na cidade de Bucha. E, inversamente, as melhores mentes de toda uma geração de jornalistas, mesmo de esquerda, se empenharam a provar que se tratava de uma invenção das próprias vítimas: os ucranianos. Depois, não teve nenhum que tenha pedido desculpas por sua parcela de ignomínia. Finalmente, mesmo o grotesco golpe de Yevgeny Prigozhin não é interpretado pelo que realmente foi (o sinal de um regime em crise vertical), mas como uma manifestação do poder da Rússia.
Assim, os zelosos agitadores-propagandistas de Vladimir Putin, também de esquerda (?), confundem seus desejos com a realidade. Por trás de tudo isso, adivinha-se um gigantesco engano. Em suma, parece-me que quantos contestam a escolha de estar incondicionalmente do lado da Ucrânia subestimam o papel das vítimas. A premissa da qual levianamente nos gabamos (que fique claro: o agressor é a Rússia) tornou-se uma cláusula de estilo ou, pior, um chicote retórico.
Nos fatos, o que ocorre é a equiparação entre as vítimas ucranianas e aquelas russas. Claro, mesmo estas últimas são vítimas e exigem respeito e caridade. Mas isso não deve comportar à redução a zero das responsabilidades prioritárias e presentes em nome daquelas "de todos" e "de sempre" e a remoção das culpas conjunturais e imanentes: para reconduzir tudo de volta a uma “complexidade” da situação geral e a uma genealogia das causas que, voltando na história, dissolvem as razões e os erros de hoje.
O que importa na Ucrânia é precisamente a atualidade da condição das vítimas: são os corpos de Amelina e os habitantes de Bucha.
E a linha divisória em torno da qual somos chamados a tomar partido é representada por aquela vítima ucraniana que, até 24 de fevereiro de 2022, acreditava estar a salvo das bombas.
O que traça a fronteira é, como escreveu Johann Baptist Metz, "a autoridade dos sofredores".
Atenção: não o sofrimento como categoria abstrata e universal, mas precisamente aquele dos titulares em carne e ossos de uma dor irreparável.
Escrevi para o casal de amigos: feliz por sua felicidade recém-encontrada, mas continuem sempre a brigar.
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Separar-se pela Ucrânia. Artigo de Luigi Manconi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU