03 Outubro 2025
Entre a tarde de quarta-feira e a manhã de quinta-feira, Israel interceptou todos os navios da Flotilha Global Sumud com destino à Faixa de Gaza, levando ajuda humanitária. Mais de 400 pessoas foram capturadas e levadas para território israelense. Segundo o Ministério das Relações Exteriores de Israel, elas estavam sendo transferidas "em segurança" para território israelense, onde "os procedimentos de deportação para a Europa começarão". O Ministério das Relações Exteriores, que se refere aos navios da flotilha como "iates", compartilhou duas fotos com vários deles, incluindo Greta Thunberg e Thiago Ávila. Entre os detidos estão também a ex-prefeita de Barcelona, Ada Colau, e o político Serigne Mbayé.
A informação é publicada por El Salto, 02-10-2025.
Israel tem atuado de forma autônoma na região, tendo implementado um bloqueio naval a Gaza desde 2007, apesar de a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Manual de San Remo permitirem a passagem de ajuda humanitária mesmo sob bloqueio marítimo. Declarações recentes de autoridades israelenses sugerem uma tentativa de criminalizar ativistas.
No início de setembro, o Ministro da Segurança Nacional israelense, Itamar Ben Gvir, alertou que "qualquer pessoa que optar por colaborar com o Hamas e apoiar o terrorismo receberá uma resposta firme de Israel" e apresentou uma proposta ao seu governo para endurecer a então potencial resposta à chegada da flotilha, alertando que eles seriam tratados como terroristas e que uma "prisão branda" estava fora de questão. "Não permitiremos que aqueles que apoiam o terrorismo vivam confortavelmente ", afirmou ele nesse contexto.

Greta Thunberg e Thiago Ávila em uma imagem compartilhada no X pelo Ministério das Relações Exteriores de Israel após sua prisão (Foto: Ministério das Relações Exteriores de Israel | Divulgação)
O que sabemos
Maite Parejo, sócia do departamento Criminal e de Direitos Humanos da Maio Legal e copresidente do Observatório de Direitos Humanos do ICAM, explica ao El Salto as opções disponíveis para os detidos. A primeira é admitir a entrada ilegal, mesmo que não tenha sido o caso, e a subsequente deportação e, possivelmente, a proibição temporária de entrada no país. Se não admitirem esse ato ilegal, os ativistas podem enfrentar acusações mais graves e prisão até que o caso seja resolvido.
No entanto, o que ela presume é que haverá um indiciamento porque, caso contrário, "Israel estaria admitindo que cometeu uma detenção ilegal". Para a especialista, as 24 a 48 horas seguintes à detecção são os momentos mais críticos, pois Israel pode manter os detidos incomunicáveis. "É o que vimos acontecer com flotilhas anteriores", explica ela.
Parejo aponta dois pontos adicionais: primeiro, que Israel cometeu uma ação ilegal, visto que, em sua opinião, os navios estavam em águas internacionais e entrariam em águas palestinas, apesar da reivindicação israelense sobre elas. Segundo, que mesmo que seja considerado território israelense, a ajuda humanitária ainda deve ter acesso. Para Parejo, há indícios de que Israel cometeu crimes de guerra e genocídio em Gaza e poderia cometer crimes internacionais em conexão com o ataque à flotilha.
Jaume Asens, deputado ao Parlamento Europeu e representante legal da Flotilha, que forneceu proteção legal aos espanhóis de flotilhas anteriores, fez uma observação semelhante: "É um crime de guerra". Ele também explicou que, antes de serem deportados, os ativistas poderiam ser interrogados e enviados para um centro de detenção de imigrantes. Duas coisas poderiam acontecer depois: uma deportação rápida ou uma lenta.
Omer Shatz, especialista em direito internacional israelense da Universidade de Sciences Po em Paris, disse à Al Jazeera que, diferentemente das prisões onde os ativistas da Flotilha estavam detidos anteriormente, desta vez os ativistas capturados enfrentam uma prisão de segurança máxima. Shatz afirma que os cerca de 500 ativistas de Gaza podem estar detidos na Prisão de Ketziot, no sul de Israel, uma instalação de alta segurança que normalmente não abriga detidos por imigrantes e é conhecida por suas condições adversas.
Os advogados da Adalah, que representam os participantes da flotilha perante as autoridades israelenses, receberam poucas atualizações e não foram informados se os aproximadamente 443 voluntários da flotilha, que foram retirados à força de seus navios, chegarão a Ashdod, onde deverão ser processados por detenção ilegal.
Segundo o governo italiano, os ativistas serão repatriados "na segunda-feira, dia 6, ou na terça-feira, dia 7, em dois voos fretados do Aeroporto Ben-Gurion para duas capitais europeias". O Ministro das Relações Exteriores italiano, Antonio Tajani, fez essa declaração em um discurso na Câmara dos Deputados sobre o genocídio em Gaza. Segundo o presidente, o governo sionista "solicitou autorização a Madri e Londres, mas ainda não houve resposta". O ministro afirmou que "as autoridades israelenses pretendem executar uma única medida judicial de expulsão forçada de todos os membros da Flotilha".
Tajani também disse no parlamento que, de acordo com suas informações, hoje à noite, após o feriado do Yom Kippur, os mais de 400 ativistas serão transferidos "para uma instalação em Be'er Sheva", presumivelmente a prisão de Ketziot, como o governo israelense liderado por Netanyahu havia anunciado que faria.
Uma equipe de advogados da Flotilha já está em Israel para defender os ativistas e, no caso dos espanhóis, o governo já anunciou que lhes fornecerá proteção diplomática e consular.
O antecedente do Mavi Marmara
Flotilhas que tentavam chegar a Gaza têm sido interceptadas uma após a outra desde 2010. O bloqueio só foi quebrado uma vez, em 2008, quando dois navios do Movimento Gaza Livre conseguiram chegar à Faixa. Em 2010, esse ataque foi extremamente violento, quando o navio turco Mavi Marmara foi atacado em águas internacionais.
Entre 2011 e 2015, as Flotilhas Segunda e Terceira da Liberdade foram interceptadas sem chegar a Gaza. Seus navios foram desviados para Ashdod, um porto regularmente usado por Israel para operações de transferência de flotilhas interceptadas. Em 2018, a missão "Um Futuro Justo para a Palestina" também foi interrompida no mar.
A operação de abordagem mais recente ocorreu em julho deste ano, quando a Flotilha da Liberdade e seus três navios foram capturados a menos de 160 quilômetros de Gaza. Anteriormente, um dos navios, o Conscience, foi atacado por drones na costa de Malta, sem causar vítimas.
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