Tem cheiro de Francisco, tem gosto de Francisco, é Francisco. Artigo de José Manuel Vidal

Foto: Vatican Media

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

10 Outubro 2025

"É a resposta eclesial àqueles que, confusos com gestos superficiais (...)  pensavam que Leão XIV poderia abrir a porta para uma regressão doutrinária ou pastoral".

O artigo é de José Manuel Vidal, doutor em Ciências da Informação e licenciado em Sociologia e Teologia e diretor do Religión Digital, publicado por Religión Digital, 09-10-2025.

Eis o artigo.

A primeira exortação apostólica de Leão XIV, Dilexi te ("Eu te amei"), assinada em 04-10-2025 e publicada hoje, afasta qualquer indício de regressão ou interrupção da reforma, pondo fim à especulação rigorista. Seu texto — um documento inspirado, quase uma continuação literal dos ensinamentos de Francisco — proclama uma certeza em alto e bom som: "A fé não pode ser separada do amor aos pobres".

O novo Papa, assim como Francisco, coloca o rosto sofredor dos inocentes no centro da vida e da ação da Igreja, junto com a denúncia profética da "economia que mata", da desigualdade estrutural, da violência de gênero, da desnutrição e da crise educacional.

Dilexi te”: uma sinfonia bergogliana-prevostiana

Dilexi te se apresenta como uma exortação de que “cheira a Francisco, tem gosto de Francisco, é Francisco”. É a resposta eclesial àqueles que, confusos com gestos superficiais — como o barrete vermelho ou certas expectativas restauracionistas — pensavam que Leão XIV poderia abrir a porta para uma regressão doutrinária ou pastoral.

O próprio texto reconhece que Dilexi foi “uma obra iniciada por Francisco”, como Lumen Fidei, e acolhe plenamente os ensinamentos do Papa argentino: a predileção pelos pobres, a denúncia da “ditadura de uma economia que mata”, a opção preferencial que “não é exclusividade”, mas “ação de Deus que se compadece da fraqueza humana”.

Em seus 121 pontos, a exortação elenca e denuncia “os rostos da pobreza”: marginalização, falta de direitos, fome, migração forçada, mulheres vítimas de desperdício e violência (“duplamente pobres”), e inclui temas inéditos como “a esmola restituída como justiça” — não mero paternalismo —, a denúncia da “pastoral das elites”, a crítica à cultura do descarte e o distanciamento da fé de toda “mundanidade espiritual”.

Continuidade total sem lacunas

Leão XIV retoma, sem alterar ou diluir, a linha social e evangélica de Francisco (da Evangelii Gaudium à Fratelli tutti): “A dignidade de cada pessoa deve ser respeitada agora, não amanhã”, enfatiza, e denuncia a falácia meritocrática que culpa os pobres por seu destino. O papa agostiniano adota os “quatro verbos” de Francisco para a pastoral da migração (“acolher, proteger, promover, integrar”) e proclama: “A Igreja caminha com aqueles que caminham. Onde o mundo vê ameaças, ela vê crianças; onde muros são erguidos, ela constrói pontes”.

Na mesma linha, ele afirma que “o testemunho religioso não pode ser separado da promoção integral” e incentiva fortemente: “As estruturas de injustiça devem ser destruídas com o poder do bem, por meio de políticas eficazes”.

Leão XIV, portanto, entende o compromisso com os pobres não como um problema social alheio, mas como uma “questão de família”: “Os pobres estão no centro da Igreja”.

Dilexi te é o ponto e a continuação de Bergogliano para a Igreja universal: continuidade sem medo, ruptura somente com a indiferença, fidelidade à opção preferencial pelos pobres.

Não apenas cita e retoma explicitamente as chaves teológicas, espirituais e sociais de Dilexit nos, mas também estende seu impulso em direção a uma Igreja identitária, baseada no amor misericordioso, na justiça social e na centralidade dos pobres. Ambas as exortações são, na verdade, dois capítulos da mesma sinfonia evangélica iniciada por Francisco e fielmente perpetuada por Leão XIV.

As especulações sobre a continuidade (ou não) de Prevost com Bergoglio acabaram. Não há espaço para o retrocesso que alguns continuam a exigir e a tentar impor. Ele continua o caminho sinodal e todos os processos iniciados por Francisco. Longe de bloqueios ou contratempos, a exortação do Papa Leão XIV apaga suspeitas e anuncia ao mundo que a primavera de Francisco não se extinguiu. Porque quando a Igreja cheira, saboreia e age como Francisco, o Evangelho brilha mais do que qualquer nostalgia ou medo. E a figura de Prevost brilha à frente de uma Igreja que quer continuar a avançar.

 

Leia mais