11 de setembro. Há 24 anos o mundo testemunhou duas torres de dezenas de andares despencar em plena Manhatan, quando dois aviões civis de passageiros foram jogados por terroristas contra as edificações. Há 52 anos, a democracia chilena sofria um duro golpe que culminaria na morte de Salvador Allende. Brasília, 11 de setembro de 2025. Pela primeira vez na história do Brasil uma trama golpista foi seriamente investigada e os responsáveis condenados. O edifício simbólico de uma elite civil e militar golpista, que graça neste país desde a primeira República, com sucessivos golpes jamais punidos, caiu diante de milhares de olhos conectados às telas do nosso tempo.
“Não gostaria de estar no lugar dos que se julgam vencedores. A história será implacável com eles". Esta foi a frase proferida por Dilma Roussef em seu primeiro pronunciamento após ter sido tirada da cadeira presidencial em 2016. Coube à Cármen Lúcia, outra mulher mineira, o voto que decretou a condenação irreversível de Bolsonaro neste julgamento. A história é, hoje, contada a contrapelo, como ensinou Benjamin. Cumpre a nós a memória deste momento, sem a qual nem os mortos – seja os da ditadura, seja aqueles da covid-19 –, estarão a salvo.
11 de setembro de 1973. Após receber a informação do levante dos oficiais da Marinha em Valparaíso, cidade portuária do Chile, o presidente Salvador Allende se dirigiu para o Palácio de La Moneda, sede do governo, em uma tentativa de resistir ao golpe em andamento. Às 7h40, ele entra no prédio. O presidente chileno rechaça a oferta de exílio e combate junto à sua guarda e colaboradores. Ali faz seu último discurso pela Rádio Magallanes às 10h10. Às 11h55, começa o bombardeio liderado pelos militares.
Começava ali a ditadura chilena, uma das mais sangrentas da América Latina, sob o comando de Augusto Pinochet. O início da repressão foi marcado pelos 5 mil presos torturados e pelos inúmeros mortos dentro do Estadio Nacional do Chile. Entre eles, estava Víctor Jara, músico que teve os dedos amputados, o rosto desfigurado e foi alvejado com mais de 40 tiros para simular a ideia de resistência. Seu corpo foi encontrado no 16 de setembro, em um cemitério próximo ao estádio. “Nesta pequena parte da cidade, somos cinco mil aqui”, escreveu Víctor naquela que seria sua última poesia. Sua música, no entanto, tornou-se símbolo de resistência.
O Chile viveu sob a ditadura durante 16 anos, período em que a América Latina vivia o cerceamento da democracia, a militarização e o armamentismo. Trazer a memória viva das vítimas é lembrar que a região foi “um cemitério de dignidade humana” naquela época. A memória, em tempos de crise generalizada das democracias, é importante para nunca mais repetirmos o passado.
Essa semana o Brasil marca um ponto de virada na sua democracia, condenando, pela primeira vez, um ex-presidente e o alto comando das forças armadas por tentativa de golpe de estado. Supremo Tribunal Federal formou maioria para condenar Jair Messias Bolsonaro e o núcleo central da trama golpista. Bolsonaro foi sentenciado a 27,3 anos de prisão pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano contra o patrimônio público e deterioração de patrimônio tombado. Outros seis réus do núcleo crucial do julgamento também foram considerados culpados com penas de prisão que variam de 16 anos a 26,6 anos de prisão, inicialmente em regime fechado. São eles: Braga Netto, Mauro Cid, Anderson Torres, Almir Garnier, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira. O julgamento que culminou na condenação iniciou em 2 de setembro e foi retomado em 9 de setembro com a leitura do voto do ministro relator do caso, Alexandre de Moraes. Em seu voto, Moraes, a partir das provas e dos argumentos, pronunciou-se: “Jair Bolsonaro exerceu o papel de líder da organização criminosa, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para implementação do projeto autoritário de poder”.
A bizarrice das sessões no plenário da primeira turma ficou por conta de Luiz Fux, que deixou de ver a materialidade dos fatos que até os advogados dos réus afirmaram existir. Segundo análise dos professores Marcelo Seráfico e José Alcimar, o que “Fux leu em 13 horas foi uma emblemática e ousada peça de propaganda política. Com sangue nos olhos, saliva na boca e sem pudor no espírito, o ministro se vestiu de verde e amarelo, empunhou as bandeiras dos estados unidos e Israel, e foi ao plenário da Primeira Turma gritar: 'Eu autorizo!!'”. Tanto autorizou, que a bolha bolsonarista usou as falas do ministro para incendiar as redes sociais. Conforme pesquisa da Palver, predominou na internet o discurso de que Fux teria “acabado com a farsa” de julgamento imparcial, que ele “honra a toga” e que haveria uma suposta perseguição dos demais ministros da Corte. "Infelizmente – como aponta o Estadão –, não há razão para crer que essa malta recuará, o que prenuncia tempos ainda mais tumultuados".
Sobre o desenho de uma possível anistia ou perdão aos condenados, Alexandre de Morais, ao final do julgamento, deixou claro que o perdão não está em discussão. “Anistia como amnésia é a naturalização do esquecimento. Sob o manto de 'pacificação nacional' pretende apenas adiar conflitos e manter privilégios intocados. Sem memória não há reconciliação possível”, salientou Frei Betto em artigo dessa semana.
Embora Bolsonaro esteja inelegível, o bolsonarismo e o extremismo da direita continuam semeados e brotando no país. A força desse movimento estava presente na mobilização de 7 de setembro, que aglutinou mais de 40 mil pessoas na avenida paulista. Conforme Camila Rocha, “para uma parcela significativa de seus apoiadores, ele é o verdadeiro defensor da democracia contra um sistema institucional corrupto e falido. Por isso, seus inimigos tentariam censurá-lo e prendê-lo. É nesse contexto que, semanas antes do julgamento, 45% dos brasileiros compartilham a crença de que o Brasil vive uma 'ditadura judicial'. A democracia ainda tem um longo caminho a percorrer”. Na avaliação de João dos Reis Silva Júnior, os protestos mostram “o esgotamento do pacto de 1988: a Constituição já não consegue conter as tensões de uma sociedade polarizada, financeirizada e mediada por algoritmos. A democracia precisa se reinventar, ou será corroída por dentro”.
Muitos dos apoiadores do ex-presidente, entrevistados durante os atos, mostram a existência de uma realidade paralela no Brasil. Além de negarem a tentativa de golpe de estado, houve declarações de que Lula e os membros da Suprema Corte já morreram e foram substituídos por clones. Em poema, Célio Turino resume bem os atos de 7 de setembro da extrema-direita. "No Dia da Independência, às margens da Av. Paulista, 42 mil proclamam: o entreguismo, a subserviência e o golpe. Daltônicos, trajam-se com as cores da pátria que dizem defender, mas empunham bandeira estrangeira. Em defesa do pão, povo e nação: é antibolsonarismo ou morte!".
O ataque com drone à Flotiha Sumud, na noite do dia 08 de setembro, ancorada na Tunísia, é uma clara mensagem de quem ninguém vai parar Israel. O drone explodiu no convés do navio líder da iniciativa, o Family, que leva a direção da Flotilha, incluindo Greta Thumberg e o brasileiro Thiago Ávila. Menos de 24 horas após o ataque ao Family, outro barco da missão naval, o Alma, foi atingido por um artefato incendiário, cujos restos foram encontrados no convés pela tripulação. No entanto, Ávila, declarou que esses atentados não intimidariam os membros da Flotilha Global Sumud.
Israel busca redesenhar as fronteiras do Oriente Médio para estabelecer um "Grande Israel", onde os palestinos não teriam lugar. Para alcançar esse objetivo, Israel atacou vários países, incluindo Irã, Síria, Líbano, Iêmen e, mais recentemente, o Catar, um aliado estratégico dos Estados Unidos. Esses ataques, que violam o direito internacional, parecem ser uma mensagem de que nenhum país que resista à hegemonia de Israel está a salvo. A comunidade ocidental, ao não impor sanções, parece ter dado sinal verde para as ações de Israel, que busca evitar um cessar-fogo e implementar uma "solução final" para Gaza, que incluiria a destruição de cidades e a limpeza étnica. Segundo Joshua Landis, “Israel não vai parar em hipótese alguma; está muito perto de seus objetivos. Nem mesmo quer um cessar-fogo, porque uma pausa permitiria à comunidade internacional elaborar planos de reconstrução que, por sua vez, tornariam mais difícil a retomada da guerra. Netanyahu vislumbra uma vitória política que considera histórica”.
Na quinta-feira, 11, o governo de Israel aprovou o projeto do assentamento E1, que construirá mais de 3 mil casas e dividirá a Cisjordânia, impedindo a criação de dois estados. Sorrindo ao lado de um Smotrich ainda mais radiante, Netanyahu declarou: "Nunca um estado palestino".
A absolvição da turba golpista dos estados unidos, após a invasão do capitólio, não se consolidou em pacificação. Após o assassinato de Charlie Kirk, Flávio Dino pontuou que “é curioso notar, porque há uma ideia segundo a qual anistia e perdão é igual a paz. Foi feito perdão nos Estados Unidos e não há paz." Charlie Kirk, ativista conservador e aliado próximo de Donald Trump, foi assassinado no dia 10 de setembro, em um evento público na cidade de Utah. Defensor das armas, acreditava que algumas mortes seriam os danos colaterais pelo direito ao porte de armas. A morte do ultraconservador agora é instrumentalizada pela Casa Branca e pelos extremistas de direita, que já lançaram uma caça às bruxas a tal ponto que existe um site para denunciar vizinhos que "celebram" a morte de Kirk. Até mesmo o vice de Marco Rubio no Departamento de Estado, Christopher Landau, ameaçou revogar vistos para estrangeiros que minimizarem a gravidade do incidente. Kirk, no entanto, defendia abertamente a publicação dos arquivos do caso Epstein.
Mas grande parte do que trouxemos nesse episódio dos destaques da semana, está conectado a um projeto muito maior da extrema-direita global. O cenário está colocado no programa de governo de Donald Trump, o "Projeto 2025", elaborado por extremistas da Heritage Foundation. A ideia central é desmantelar a gestão pública moderna. Seus objetivos incluem a politização de órgãos estatais, a extinção de políticas sociais e a redução de funcionários de carreira. A iniciativa mescla nacionalismo e cristianismo, propondo um enfrentamento direto à burocracia estatal. O projeto, já com colaboradores em cargos estratégicos, visa impor uma nova lógica de gestão que ataca as bases da institucionalidade pública e serve de base para extremistas em outros países. A análise está no fio elaborado por Rudá Ricci, após ler o livro O Projeto, de David Graham, jornalista do Atlantic. Para o sociólogo, “trata-se de uma plataforma extremista de gestão pública. Merece nossa atenção porque pode ser a base estratégica de extremistas brasileiros. Alguns pontos já estão sendo colocados em prática por Ricardo Nunes, na cidade de São Paulo e por Tarcísio de Freitas, o czar do extremismo sapatênis brasileiro".
Sobre a geopolítica internacional, vale ainda destacar os drones russos abatidos no espaço área polonês, que colocam a Europa a mais um passo da guerra total. A presidente do bloco, Ursula von der Leyen declarou: "A Europa está em combate. As linhas de batalha por uma nova ordem mundial baseada no poder estão sendo traçadas neste momento. Portanto, sim, a Europa deve lutar".
Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana.
Clique na imagem abaixo e ouça o podcast na íntegra para ficar por dentro dos principais acontecimentos.
Os programas do IHU estão disponíveis nas plataformas Anchor e Spotify e podem ser ouvidos on-line ou baixados para o seu celular. Ouça outros episódios clicando aqui.