Fux faz sentido? Quando o Direito se aparta da Justiça. Artigo de Marcelo Seráfico e José Alcimar

Foto: Rosinei Coutinho | STF

Mais Lidos

  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS
  • Diaconato feminino: uma questão de gênero? Artigo de Giuseppe Lorizio

    LER MAIS
  • Venezuela: Trump desferiu mais um xeque, mas não haverá xeque-mate. Artigo de Victor Alvarez

    LER MAIS

Assine a Newsletter

Receba as notícias e atualizações do Instituto Humanitas Unisinos – IHU em primeira mão. Junte-se a nós!

Conheça nossa Política de Privacidade.

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

12 Setembro 2025

"Qual a hipótese de Fux? A de que não existe história e a realidade pode ser vista como uma montoeira de fatos desconexos aos quais se pode atribuir o sentido que se deseja e quer. O que Fux leu em 13 horas foi uma emblemática e ousada peça de propaganda política."

O artigo é de Marcelo Seráfico e José Alcimar, professores dos Departamentos de Ciências Sociais e de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas.

Eis o artigo. 

Após as quase 13 horas de proclamação de seu voto no julgamento de réus VIPs, o ministro Luiz Fux, do STF, deixou dúvidas no ar: o que disse no decorrer de meio dia faz algum sentido? O que pode e até onde vai o Direito quando se desvia da Justiça?

Juristas e advogados sérios, até o presente momento, não encontraram nem o pé nem a cabeça do suposto corpo jurídico desenhado por Sua Excelência, o juiz.

Jornalistas sérios tampouco puderam propor a suas redações um lead suficientemente lógico, capaz de sintetizar a proposital confusão.

É razoável e defensável que o Direito atropele os fatos e faça vista grossa ao princípio da precedência ontológica do real sobre o legal? O bom senso, mesmo sob ataque do negacionismo e obliterado pela misologia, resiste. Do saber popular temos a garantia epistêmica de que na aparência pode habitar o engano.

É preciso dizer e repetir quantas vezes forem necessárias: o mundo existe antes de ser visto e a visão, seja aquela que honesta e objetivamente busca representar o real, seja aquela constituída e comprometida por visões (como a de quem mente com a consciência da verdade que oculta), sempre será excedida pelo real. Bem antes de Marx, para quem o Direito é um aparato ideológico do Estado burguês, Tomás de Aquino já nos ensinava que o conceito (por mais sofisticada que seja a sua engenharia) é sempre mais pobre do que o real.

Analistas acostumados a monitorar a política nacional, parecem ter decifrado, senão o sentido, a estratégia argumentativa de Fux: ao invés de olhar a acusação do MPF como um todo que narra um processo ao longo do qual se desenvolveu um crime, julgou-a como se fosse um agregado de fragmentos desconexos da realidade. É de Hegel a afirmação de que a verdade está na compreensão (dialética) do todo.

Talvez aí esteja mesmo a ponta do novelo (em)bolado por Fux. Longe de oferecer um voto rigoroso, atendendo a critérios jurídicos ou mesmo às decisões relativas ao 8 de janeiro de 2023 que ele mesmo vinha tomando, Sua Excelência produziu uma peça de propaganda endereçada à extrema-direita transnacional. E

Tal qual Yves Gandra, ofereceu aos neofascistas o "fundamento jurídico" para o golpe de Estado, ao fazer uma interpretação delirante do artigo 142 da Constituição Federal.

Fux sacrifica a realidade em nome de um projeto político autoritário.

Não bastasse isso, subliminarmente, acusa a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o ministro Alexandre de Moraes de produzirem provas que caibam numa narrativa pré-formulada. Isto é, ao invés dos fatos indutivamente levarem à reconstrução empírica da realidade, as instituições do Estado brasileiro teriam dedutivamente selecionado os fatos convenientes à sua "narrativa".

Fux, na ânsia de prestar serviço (?!), esqueceu-se de que ao unir indução e dedução no processo de reconstrução da realidade estão, empiricamente, o processo histórico e, teoricamente, as hipóteses.

Qual a hipótese de Fux? A de que não existe história e a realidade pode ser vista como uma montoeira de fatos desconexos aos quais se pode atribuir o sentido que se deseja e quer. O que Fux leu em 13 horas foi uma emblemática e ousada peça de propaganda política.

Devemos, portanto, nos indagar: o que o ministro revela para a sociedade?

Ele nos diz que o golpe de Estado ganhou mais uma cadeira na Suprema Corte do país. Cabe, a esse propósito, reconhecer que nem mesmo os ministros nomeados para o STF pelo ex-presidente e agora réu, Jair Bolsonaro, vêm desempenhando esse papel... não com a paixão de Fux. Logo, o "mito" e seus comparsas têm o benefício de um advogado de defesa dentro do STF.

Por isso, talvez as pessoas mais perplexas diante de Fux sejam os advogados dos réus. Afinal, todos reconheceram a tentativa de golpe, buscando, para livrar seus representados de culpa, desvinculá-los dos atos atentatórios ao Estado democrático de direito.

Com sangue nos olhos, saliva na boca e sem pudor no espírito, o ministro nomeado pela ex-Presidente Dilma Roussef se vestiu de verde e amarelo, empunhou as bandeiras dos EUA e Israel, e foi ao plenário da Primera Turma gritar: "Eu autorizo!!" Sim, Fux faz sentido. Segundo consta, as últimas palavras de Goethe antes de partir da imanência para a transcendência foram: "luz, mais luz!"

Leia mais