Schönborn aos novos bispos: "O pastor pertence ao seu rebanho"

Foto: luoman/Canva

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10 Setembro 2025

  • Cardeal Christoph Schönborn iniciou sua apresentação diante de mais de 190 bispos recém-nomeados.

  • Vindo dos cinco continentes, os bispos seguem em Roma os cursos de formação preparados para eles pelos dicastérios da Cúria Romana.

  • Schönborn falou de bispos surpreendentes, como Eduard Profittlich, primeiro arcebispo católico de Tallinn, que morreu em uma prisão soviética por apoiar seu rebanho enquanto a União Soviética expandia seu controle.

  • O cardeal dominicano entrelaçou sua apresentação com considerações e sugestões para os novos bispos, vindas de sua longa experiência como teólogo, professor e sucessor dos apóstolos.

A informação é de Agência Fides, publicada por Religión Digital, 09-09-2025.

Em 1940, quando a União Soviética estendeu seu controle sobre a Estônia e os demais países bálticos, o jesuíta alemão Eduard Profittlich, o primeiro arcebispo católico de Tallinn, poderia ter retornado à Alemanha. No entanto, decidiu ficar porque, segundo ele, "o pastor pertence ao seu rebanho". Menos de dois anos depois, ele morreu em uma prisão soviética.

No último sábado, 6 de setembro, Profittlich foi proclamado beato. A liturgia de beatificação, celebrada na Praça da Liberdade, em Tallinn, foi presidida pelo Cardeal Christoph Schönborn, arcebispo emérito de Viena.

Dois dias depois, na segunda-feira, 8 de setembro, o cardeal austríaco, partindo justamente do martírio de Profittlich, iniciou sua apresentação na Aula Magna da Pontifícia Universidade Urbaniana diante de mais de 190 bispos de recente nomeação, provenientes dos cinco continentes, que nestes dias seguem em Roma os cursos de formação preparados para eles pelos dicastérios da Cúria Romana.

Schönborn compartilhou com os presentes as palavras com as quais o martirizado Arcebispo de Tallinn abraçou sua vocação até o fim, citando uma frase de seus escritos: "Quando finalmente ficou claro para mim que eu deveria ficar, minha alegria foi tão grande que, movido pela alegria e gratidão, rezei o Te Deum...".

O cardeal dominicano, que completou 80 anos em janeiro passado, intercalou sua apresentação com considerações e sugestões para os novos bispos baseadas em sua longa experiência como teólogo, professor e sucessor dos apóstolos.

"Não foi fácil para mim, depois de 28 anos de vida religiosa", confessou o cardeal, que pertence à Ordem dos Frades Pregadores, "tornar-me bispo sem a comunidade de frades no mosteiro. Fiquei feliz", acrescentou imediatamente, "ao ouvir que o Papa Leão não deseja mais viver sozinho no Palácio Apostólico, mas sim levar uma vita communis, uma vida em comunidade com três ou quatro outros frades de sua ordem agostiniana."

O cardeal citou outros casos de bispos que o surpreenderam com a decisão de exercer o ministério fomentando um clima de fraternidade e benevolência. Em Lisboa, lembrou, "o arcebispo, os bispos auxiliares, o chanceler moram na casa episcopal... Moravam na mesma casa, compartilhando a mesa e a oração". Em Awka, na Nigéria, "a mesa do bispo estava aberta aos padres que passavam. Era um momento muito animado". Há "tristeza" quando uma diocese se divide e prevalece um clima de desconfiança.

“Levei anos”, confessou o cardeal teólogo, “para me libertar dos preconceitos que queriam ‘injetar’ em mim quando categorias e rótulos como: esquerda-direita, tradicionalista-progressista, a meu favor-contra mim eram usados ​​com muita pressa... Pouco a pouco, consegui deixar de lado esses ‘rótulos’ e ver os homens, os padres e outros bispos simplesmente como irmãos em Cristo.” “Como posso”, acrescentou, “ser pastor se eu mesmo quero antecipar o julgamento de Cristo, tentando separar as ovelhas dos bodes? O Papa Francisco nos lembrou tantas vezes: todos, todos, todos! Quem é você para julgar?”

Proximidade com sacerdotes e seminaristas

Nas dioceses, continuou o cardeal, "os padres devem sentir que o bispo os aprecia, os valoriza e os ama". Eles não devem "esperar meses" por um encontro com seu bispo; em vez disso, seria útil reservar "um dia por semana para os padres se encontrarem com o bispo".

No que diz respeito aos padres, os bispos também são chamados a exercer seu papel de juízes e a punir os abusos cometidos por membros do clero. “Verdade e misericórdia”, observou o cardeal, “andam de mãos dadas. É grave que os bispos simplesmente abandonem seus padres quando cometem um crime. Também é grave que não os levem ao arrependimento, à expiação ou à disposição de cumprir sua pena, ou que sequer encobram seus crimes”. E, em todo caso, “o irmão que cometeu um crime continua sendo meu irmão, precisamente porque cometeu um erro”.

Além disso, se possível — esta foi outra sugestão do cardeal — o bispo deveria encontrar-se pessoalmente com seus seminaristas. "Todos os anos", disse ele, "eu oferecia aos meus seminaristas a oportunidade de participar de uma semana de estudo e férias. Era um legado da minha profissão acadêmica. Durante essas semanas, líamos grandes mestres como Tomás de Aquino e Agostinho, John Henry Newman e Ratzinger." Essa iniciativa, ele admitiu, é muito mais facilmente proposta "em um seminário como o de Viena do que no Seminário Memorial Bigard em Enugu, Nigéria, que tinha mais de 900 seminaristas quando o visitei".

Relações com a política

Em seus diversos contextos, os bispos são forçados a lidar com os protagonistas e as dinâmicas da política, reconheceu o Cardeal Schönborn. Ele contou aos presentes que viveu essa experiência em um dos países que outrora se definiram como "católicos" e que, nas últimas décadas, se envolveu em processos radicais de secularização. "Sempre me impressionou", acrescentou o arcebispo emérito de Viena, "como o Papa Bento XVI, de forma clara e perspicaz, conseguiu identificar elementos positivos nesse desenvolvimento. A Igreja não quer, nem pode, criar um Estado político de Deus."

Na esfera política, o cardeal aconselhou os novos bispos a “manterem boas relações com os parlamentares religiosos”, lembrando que “não devemos nos envolver em política; eles são os representantes do povo que votou neles”.

Em muitos países, acrescentou, políticos e parlamentares católicos "se encontram em posições minoritárias" e "não devem se sentir abandonados por seus bispos". Além disso, é sempre aconselhável buscar convergência com "forças políticas que não compartilham nossa fé, mas que defendem nossos princípios humanos fundamentais. Por exemplo, na luta contra a eutanásia". E, sempre que possível, devemos encontrar "pontos de contato com outras comunidades religiosas ", seguindo o exemplo do Papa Francisco "por meio de sua amizade com o xeque Al-Tayyeb, da Universidade Al-Azhar, no Cairo".

Mulheres, os pobres

Entre os jovens das inúmeras escolas que visitou, o Cardeal Schönborn descreveu a experiência de uma "quase total falta de compreensão" sobre o fato de que "as mulheres não podem ter acesso aos ministérios ordenados na Igreja Católica". Ele acrescentou que muitos dos novos bispos serão convidados a "se manifestar" contra essa prática. " Acredito firmemente", esclareceu o cardeal, "que a doutrina da Igreja sobre esse ponto é imutável, como observou o Papa João Paulo II, referindo-se a uma tradição bimilenar e afirmando claramente: 'Não tenho poder para mudá-la'".

Ele prosseguiu explicando que isso se deve ao fato de que "a escolha dos Doze por Jesus e a tradição ininterrupta de que isso representa uma disposição vinculativa de Jesus permanecerão válidas também em sua geração". No entanto, observou que todo ministério apostólico "é vivido no sentido e no espírito de Jesus, que jamais teria tratado as mulheres com arrogância, desprezo ou soberba. Quantas vezes experimentei isso entre nós, clérigos!" Por isso, exemplificou o cardeal, "deve haver mulheres nas organizações de nossas dioceses: nos seminários sacerdotais! No Conselho Episcopal, e também à frente das numerosas pequenas comunidades". O cardeal lembrou que a primeira comunidade paulina na Europa se reunia "na bela casa de Lídia, em Filipos". E hoje, acrescentou, "quantos 'recintos' na América Latina são liderados por mulheres, sem qualquer tipo de competição com os padres!"

O cardeal concluiu seu discurso recomendando aos novos bispos que mantenham a comunhão com os pobres, não apenas para evitar "fazer-lhes 'discursos piedosos' sem conhecer suas vidas reais", mas sobretudo para receber apoio e orientação de seus testemunhos de fé.

"Nunca esquecerei", contou o cardeal, "o muçulmano marroquino que vendia cachecóis nos arredores de Roma para poder enviar um pouco de dinheiro para sua família... 'Como vai?', eu sempre perguntava a ele. 'Está tudo bem', ele respondia, apontando para o céu."

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