26 Março 2024
"Vida: a minha história através da História" é o título da obra completa em que o Papa Francisco, auxiliado pelo jornalista italiano Fabio Marchese Ragona, empreende um rico e interessante exercício intelectual de cruzar em 265 páginas os momentos mais importantes da história universal do último século com os pontos mais relevantes de sua própria biografia. Um livro no qual Francisco, por exemplo, diz que não tem planos de renunciar e que não está sofrendo de nenhum problema de saúde que o obrigaria a fazê-lo, mas, pelo contrário, ainda tem "muitos projetos para levar a bom termo".
A reportagem é de Hernán Reyes Alcaide, publicada por Religión Digital, 26-03-2024.
Em diálogo com o Religión Digital, Marchese Ragona decifrou algumas das chaves de leitura de um livro no qual o jornalista e o Pontífice concordaram na escolha dos grandes marcos do mundo que serviriam como disparadores para contar a história de Bergoglio antes de ser Papa, um ponto crucial segundo o jornalista para ajudar a entender a figura e a ação do pontífice hoje.
Vida: a minha história através da História, de Papa Francisco, editora HarperCollins Brasil, 2024 (Foto: Divulgação)
Como surgiu a ideia do livro?
Foi minha ideia fazer este livro, eu a propus ao Papa com base em uma primeira reflexão que era minha curiosidade sobre o que o Papa estava fazendo em diferentes momentos históricos. Com a chegada do homem à Lua, a pandemia ou o fim das guerras, e esta era uma curiosidade que me dava voltas na cabeça.
Também há o tema do papel que os idosos podem ter na vida dos jovens. O Papa costuma dizer que os idosos são frequentemente descartados e pede que haja um contato entre eles, para que haja um aprendizado. O Papa me disse "também eu sou um idoso e assim posso testemunhar o que foi minha vida para que não se repitam erros que foram cometidos no passado".
E uma terceira premissa foi que pedi ao Papa que contasse ele mesmo o que foi sua vida, porque houve muitas reconstruções equivocadas. Por exemplo, as acusações que recebeu pela ditadura na Argentina. Então, enviei a ele um índice, ele gostou e aceitou minha proposta. Os temas foram uma escolha compartilhada.
No livro, as anedotas são entrelaçadas, a análise de cada um dos grandes acontecimentos, mas também aparecem algumas chaves interpretativas para o mundo de hoje. É, nesse sentido, muito mais do que um livro de "História"...
É um livro de atualidade e não apenas de história. Finalmente, os eventos da história têm tanta relação com o que acontece hoje e assim o Papa pode enviar mensagens atuais como, por exemplo, as guerras de hoje. Era também uma oportunidade para ouvir a voz do Papa não apenas sobre sua vida, mas sobre como deveria ser o mundo. E essas mensagens nos ajudam a entender como está o mundo.
Na mesma direção, o próprio Pontífice fala também sobre quais são alguns dos grandes desafios que tem pela frente...
É que é também um livro sobre o futuro. Quis, quando apresentei o índice a ele, que o último capítulo fosse sobre a história ainda por escrever, pensando também no amanhã. Notei um grande entusiasmo no Papa sobre as coisas que ainda tem para fazer. Ele me contou como vê o futuro, com muita vontade de fazer coisas: me disse que ainda tem viagens pela frente, o Jubileu, o Sínodo, as reformas com o C9 na Igreja.
E como você vê o Papa?
Vejo uma pessoa de 87 anos que ainda tem tanto trabalho pela frente em sua cabeça. E isso me fez entender que não passa pela cabeça dele o tema da renúncia. Vejo que ele quer seguir em frente.
Um dos temas do "futuro" que surge com força é o da segunda parte do Sínodo dedicado à Sinodalidade, que ocorrerá em outubro em Roma. Qual significado você acha que terá para a Igreja?
Acredito que, como todos os outros sínodos, são momentos fundamentais para a vida da Igreja, porque se reflete sobre o estado atual e os problemas a enfrentar, ao mesmo tempo que pode aconselhar o Papa sobre as decisões a serem tomadas. E neste Sínodo, em particular, vejo que a Igreja está se analisando, está falando consigo mesma e está dizendo que precisa ouvir o povo e deixar de ser autorreferencial. Estar em saída em direção ao povo. Isso é um pouco a característica de uma Igreja em saída e missionária que o Papa prega. E isso, para mim, é muito importante porque a Igreja está buscando se redesenhar, adaptando-se a como o mundo está andando e indo ao encontro das pessoas.
Como você vê as reformas do Papa e os questionamentos que ele recebe por elas?
Quando o Papa fez o famoso discurso nas Congregações Gerais (que no livro ele chama de sua "condenação", porque a partir daí começaram a falar dele como possível Papa) ele dizia isso mesmo, que deveria haver uma Igreja missionária, em saída e não autorreferencial. E isso me agrada, que tudo o que ele está tentando fazer é porque os cardeais durante as Congregações Gerais pediram isso. Ele está simplesmente fazendo, com sua modalidade, o pedido do Colégio de Cardeais e não porque acordou um dia e quis assim. Obviamente, com sua marca, com sua forma, mas foi o Colégio que pediu essa reforma. E ele está levando-a adiante.
Acredito que o mundo católico sabe bem que o Papa tem um peso muito importante como autoridade moral a nível global. Há essa consciência. O mundo da Igreja é formado por várias almas, as que criticam, as que não, as que adotam outras posições. Há uma consciência de que as palavras deste Papa podem ser melhor compreendidas se entendermos quem era Jorge Mario Bergoglio antes de ser Papa. Alguém pode pensar por que ele fala tanto de um tema ou outro, e com o livro pode ver quais foram suas sensibilidades muito fortes ao longo de sua vida. Podemos entender melhor o pontificado conhecendo melhor quem ele era. Ele nunca mudou. Sempre esteve com os pés no chão.
Em um nível pessoal, o que você sentia em cada uma das quatro vezes em que se reuniu com Francisco para o livro, além das chamadas telefônicas e dos e-mails que trocaram durante a escrita?
Sentia uma sensação de grande generosidade e humildade. O Papa é o Papa, mas tem uma simplicidade que faz o interlocutor se sentir amado, nunca cria distância, mesmo sendo o Papa, é muito próximo. Fiquei surpreso por ter uma pessoa tão importante que realmente te faz sentir amado.
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"As reformas de Francisco são as que o Colégio Cardinalício pediu". Entrevista com Fabio Marchese Ragona - Instituto Humanitas Unisinos - IHU