05 Setembro 2025
"Leão está em continuidade com Francisco; fará as mesmas coisas com estilo diferente. Defenderá os estrangeiros, porque o Evangelho assim o diz." O cardeal Matteo Zuppi confidencia: o conclave, o medo dos temas críticos, a relação com Meloni: "Eu também sou católico".
A reportagem é de Aldo Cazzullo, publicada por Corriere della Sera, 03-09-2025.
Eis o artigo.
Essa é a sua primeira entrevista desde o conclave. Diga-nos: como foi o conclave?
(O presidente dos bispos italianos sorri.) "Em princípio, bom".
Como lhe pareceu?
Igreja. Muita Igreja. Vou dizer-lhe o que me impressionou dentro e o que me impressionou fora.
Vamos começar de dentro do conclave.
A rapidez com que as diferentes histórias, as diferentes sensibilidades, que seria tolice negar ou adoçar, encontraram a unidade. Durou pouco mais de um dia! Senti um sentido de Igreja, muita comunhão. Não porque não existem diferenças de culturas e visões: um norte-americano é diferente de um sul-americano, um africano de um europeu, e entre europeus não é fácil juntar, digamos, um polonês e um belga. Mas todas as interpretações políticas e conspiratórias foram deixadas de lado. Eu diria que são apenas caricaturas para interpretar uma realidade tão diversa como a Igreja.
E fora do conclave, o que lhe impressionou?
Por um lado, a agressividade das redes sociais. Eu não estou nas redes sociais, mas de vez em quando me mostravam um artigo ou um post contra mim. Coisas como 'aquele padre horrível com cara de doninha...'. Quanta agressividade! E não digo isso porque foi contra mim — eles têm razão, claro —, mas por causa do ódio e do preconceito que se espalha, e é sempre um veneno.
Geralmente é mais ou menos assim para todos.
As redes sociais se envolveram demais na Lotopapa, que tem aspectos divertidos. Outro dia, na estação, um grupo de garotos me pediu para tirar uma foto com eles, dizendo: ‘Torcemos pelo senhor!'. Até mesmo em uma pequena vila nas montanhas de Reggio Emilia, um barista me disse: 'Temos que tirar uma selfie e enviar para minha filha, que estava torcendo pelo senhor.' Quantos anos tem sua filha?’, perguntei.
Quantos anos tinha a filha do barista?
Quatorze. Na idade dela, eu realmente não saberia, não digo por quem torcer, mas nem mesmo os nomes daqueles que iam ao conclave. No geral, parece-me um sinal de vitalidade e também um presente do Papa Francisco, que aproximou a Igreja de todos — se uma garota pode ter simpatia, sentir-se próxima daquilo que diz respeito a um grupo de homens idosos.
Como era a atmosfera na Capela Sistina?
Havia quem temesse os temas críticos; e de fato, nos sites, muitos deles estadunidenses, havia muitas matérias sobre os cardeais. Bem, tudo isso parece não ter tido consequências internas. Além das diferentes sensibilidades, percebemos que o problema da unidade diz respeito a todos. Qualquer pessoa que viva na Igreja deve se fazer essa pergunta, para evitar o que os gregos chamavam de ‘diaballon’: divisão.
Daí a palavra diabo.
'O divisor'. A diversidade na comunhão é riqueza e responsabilidade. Na divisão, ela se torna hostilidade. Exatamente o oposto do que Jesus fez e, com seu exemplo, nos pede que façamos.
Eminência, deixe-me dizer o que me impressionou de fora: a agressividade dos conservadores. Os cardeais Burke, Sarah e Müller deram entrevistas muito severas na véspera do conclave, almejando a eleição de um papa "não herege", como se Francisco o tivesse sido. Embora em um estilo muito diferente, o Cardeal Ruini enfatizou a necessidade de um papa que reunificasse a Igreja, acreditando claramente que Francisco a havia dividido.
Essa leitura, por partidos, por facções, na minha opinião, não interpreta corretamente o conclave. A Igreja é mais complicada e muito mais simples do que isso. Não sou eu quem diz isso; o Papa Francisco disse isso em uma homilia na festa de Pentecostes: progressistas contra conservadores, o mundo nos vê assim; mas somos irmãos e irmãs, unidos em espírito. O verdadeiro problema é a comunhão, que é a nossa força, onde participamos muito mais do que qualquer democracia e estamos juntos de tal forma que eu e nós se completam, meu e teu coincidem. Às vezes, se sente a exigência de se aproximar dos outros. Outras vezes, se sente mais a exigência de defender a própria identidade.
Essa segunda exigência prevaleceu no conclave?
Prevaleceu a continuidade com o Papa Francisco. Estilos diferentes, obviamente. Continuidade com a novidade que cada um traz consigo. Leão é um Papa missionário. Ele praticamente sempre viveu em missão: um estadunidense de Chicago que parte para o Peru. Ao mesmo tempo, é um homem de governo: governou sua congregação, sua diocese, depois o dicastério dos bispos, com maneiras necessariamente diferentes. E seu primeiro discurso foi um resumo da Evangelii Gaudium.
Após a morte de Francisco, ouviram-se muitas vozes críticas.
Mais do que isso. Francisco foi abertamente ultrajado. E Leão também: algumas revistas, alguns sites difamaram o Papa recém-eleito. Uma atitude de divisão ou de intimidação.
Dizia-se que Francisco era mais popular entre os ateus do que entre os fiéis.
Sim, alguns comentaram que ele falava mais com os de fora do que com os de dentro. Na realidade, falando aos não crentes, o Papa Bergoglio falou aos católicos, para que não nos tornemos como o irmão mais velho da parábola. Sair revelou muitas resistências, muitas fraquezas, muitas fragilidades. Continuo convencido de que há dialética e não oposição entre ser chamados e ser mandados, o nosso estar juntos e o ir ao encontro dos outros, o espiritual e o social, a evangelização e a promoção humana, a oração e o amor concreto ao próximo.
Nada de Igreja ONG. Cuidar dos pobres nada mais é que respeito pelo Evangelho; é o Evangelho.
Claro. Don Milani teria dito: 'Não sei se amei as crianças mais do que o Pai Eterno; mas Ele fará com que valha a pena.' Às vezes, presos no serviço, esquecemos a oração. Mas se não há oração, perdemos o serviço, tornamo-nos estéreis. Francisco combinava o cuidado pela comunidade e o acolhimento. Uma das coisas que ele nos disse foi: 'Todos'. Em Lisboa, ele o disse três vezes: devemos abrir-nos a todos, e todos devem sentir-se em casa.
Como se faz a acolher a todos?
Isso coloca alguns padres em dificuldade, compreensivelmente preocupados com a possibilidade de nos tornarmos outra coisa: não contrastamos mais o mundo, e o mundo entra em nós. As regras existem e devem ser respeitadas. Mas integrando, isto é, fazendo com que as pessoas se sintam em casa, não toleradas ou condenadas. Aquele que parece estrangeiro entra porque é, na verdade, Seu filho e nosso irmão. E como aprende aqueles que foram chamados de princípios não negociáveis? Estando dentro, vivendo com os outros. Devemos ser a casa de Deus, não um hotel, como diriam nossos pais, pelo menos os meus. Todos devemos aprender a viver em casa, a pensar em relação ao Senhor e aos outros.
Acredita que a avaliação de Francisco seja positiva?
Certamente. Muitos voltaram a olhar para a Igreja com simpatia e carinho novamente. Contudo, Francisco não dava descontos. Com ele, não havia liquidações de fim de temporada cristã. Era muito exigente. Não era um filantropo. Mas ensinou muitos a amar o outro. Irmãos todos. Ele dava amor, pedia amor.
Mas não mudou a Igreja.
Ele estava mais interessado em iniciar processos do que em pensar que havia resolvido tudo porque havia elaborado um programa. Nossa responsabilidade é continuar e construir. Cada um de nós assume, completa, leva adiante. A tradição nunca é fixa; é transmitida, não congelada na vida. Cada Papa traz sua contribuição. Aqueles que passam tempo fazendo comparações esquecem o que cada Papa traz. João XXIII era o bom Papa; isso significa que Pio XII era mau? E Paulo VI, um gigante da história? E João Paulo II? Cada um traz algo original, único. Francisco e Bento XVI eram diferentes; mas escreveram um documento juntos; pela primeira vez um Papa disse: fiz isso com meu predecessor. E o Papa Francisco se colocou em caminho exatamente como o Papa Bento XVI esperava. Depois, entenderemos tudo apenas no final.
O Papa Francisco ia a Lampedusa. O Papa Leão recebeu Salvini. São escolhas objetivamente diferentes.
Contrapor falar com o irmão mais novo com falar com o irmão mais velho é errado. O Papa é pai e fala com todos. Ele fala com o irmão mais velho e lhe explica por que ama o irmão mais novo.
Salvini é o líder da extrema-direita italiana.
É verdade que Francisco nunca se encontrou com ele. Mas Leão já havia se encontrado com a primeira-ministra Meloni e o vice Tajani. É normal que também tenha se encontrado com o outro vice-primeiro-ministro. Além disso, é preciso ver o que ele lhe disse... Repito: não parece um sinal de contraste entre Francisco e Leão. Leão defenderá o acolhimento, defenderá os estrangeiros, porque está no Evangelho: 'Eu era estrangeiro e me acolhestes'. Ele encontrará maneiras diferentes de fazer a mesma coisa, de viver a mesma preocupação.
O Libero escreve: "O Papa faz, os bispos desfazem".
O que teríamos desfeito?
O tema era política externa, a relação com Netanyahu, o juízo sobre Gaza.
Mas o Papa Leão foi duríssimo sobre Gaza! Pediu um cessar-fogo várias vezes! O Patriarca Pizzaballa disse que os cristãos permanecerão em Gaza; mas vocês acham que ele poderia fazer isso se o Papa não concordasse? Ao mesmo tempo, estamos vigiando contra o antissemitismo, amamos os judeus, dialogamos com seus representantes religiosos. Aqui em Bolonha, assinamos uma declaração conjunta com o presidente da comunidade judaica. O título era: Parem todos! Eu acrescentaria: imediatamente!
Giorgia Meloni triunfou em Rimini. O mundo católico vira para direita?
Eu também estive em Rimini, eu também sou católico, e eles também são católicos... (O Cardeal Zuppi sorri). A Igreja é toda igual. Ai de quem a divide. Acima de tudo, ai da Igreja que se deixa dividir. Além disso, eu tento viver a comunhão, que significa amizade e relacionamento com todos, com CL e com os tradicionalistas... Eles não deixam se ser irmãos. Eu acredito na comunhão. Alguns acreditam um pouco menos e pensam que a comunhão existe quando lhe dão razão. Ao Papa sempre se obedece.
Além de ambos serem católicos, o senhor e Meloni são torcedores da Roma...
Eu vi que tentaram fazer o Papa passar por torcedor da Roma também... Para dizer a verdade, eu nunca fui a um estádio assistir um jogo na minha vida. E também tenho que ter cuidado, aqui temos o Bologna, que é um grande time.
Como é realmente a sua relação com Meloni?
Boa, como deve ser com as instituições. Nos conhecemos há muitos anos. Boa e, portanto, se necessário, dialética. A Igreja fala quando a CEI fala. Se um bispo diz algo, é ele quem a diz, o bispo. Sempre tivemos muito cuidado em expressar posições unitárias. Quando temos uma preocupação com problemas, a abordamos. Sobre o imposto de 8 por mil. Sobre a necessidade de salvar as vidas humanas, sempre, de garantir um sistema de acolhimento.
Vocês se expressaram contra a autonomia diferenciada...
O conselho permanente, também porque algumas conferências regionais já haviam escrito documentos fortemente contrários. Parece-me que a reforma foi abandonada, mas esperamos que o desenvolvimento das regiões mais pobres e das áreas internas seja garantido.
...E contra a lei eleitoral.
Para defender a participação, permitir que os eleitores escolham seus representantes, evitar que os partidos se transformem em comitês eleitorais.
O Papa Francisco lhe confiou o problema da Ucrânia. Qual é a situação atual?
Espero sinceramente que o diálogo tenha começado de verdade. O envolvimento internacional é crucial, incluindo a China.
O que acha de Trump?
Ele reacendeu a ideia de que devemos conversar, de que devemos dialogar, porque essa é a única maneira de se chegar à paz. Talvez serviriam menos declarações sensacionalistas porque, quando não funcionam, a situação piora! O risco está na lógica da força, destruir o edifício comum multilateral, supranacional, que era fruto da Segunda Guerra Mundial. Deve-se garantir seu funcionamento, não o desmantelar.
Que impressão lhe causaram os jovens do Jubileu?
Muita atenção e Muito silêncio! Isso confirma que há uma grande demanda por espiritualidade. E que não há conflito entre discurso espiritual e a promoção humana, entre a catedral e a calçada, entre a identidade e o acolhimento. Pelo contrário: se há identidade, não se tem medo de acolher. Francisco dizia: temos tanto para dar, e devemos dar muito. A Igreja é um reservatório de humanidade em um mundo cada vez mais difícil.
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