O caso Bolsonaro não é lawfare. Artigo de Rafael Valim

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom | Agência Brasil

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04 Setembro 2025

"O julgamento de um ex-presidente da República, seus assessores imediatos e militares da alta cúpula das Forças Armadas por crimes cometidos contra o Estado Democrático de Direito constitui um obstáculo decisivo à redefinição do nosso passado autoritário e à construção de um futuro de liberdade", escreve Rafael Valim, em artigo publicado por Pagina|12, 04-09-2025.

Rafael Valim é doutor em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor visitante na Universidade de Manchester (Inglaterra), na Université Le Havre Normandie (França), na Universidad Panamericana (México) e na Universidade de Comahue (Argentina). Membro do Conselho de Administração da Fondation Paris 8. Advogado.

Eis o artigo.

Em 22 de agosto de 2025, Jair Bolsonaro, por meio de seus advogados, apresentou uma petição ao Supremo Tribunal Federal (STF) declarando-se vítima de lawfare. Em suas palavras: "Então, o objetivo é massacre. Desmoralização. Ou seja, é lawfare em andamento."

A estratégia de defesa de Bolsonaro é bem conhecida e se encaixa em um contexto mais amplo. Líderes tanto da direita quanto da esquerda têm usado o termo "guerra jurídica" sem qualquer critério e com fins puramente performáticos. O único objetivo é deslegitimar as acusações e o tribunal.

Em 2019, no livro "Lawfare: Uma Introdução" — escrito em coautoria com o Ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, e a ilustre advogada Valeska Zanin Martins — alertamos que "o lawfare não é um mero rótulo, nem uma moda passageira, muito menos um brinquedo a serviço de uma ideologia política específica". Nesse ponto, vale acrescentar: o lawfare não deve ser um mero recurso retórico para a defesa.

Se o fizéssemos, todos perderíamos. A banalização do termo diminui seu enorme potencial de revelar e denunciar um fenômeno complexo e multifacetado que ameaça seriamente as democracias constitucionais. O lawfare, ao transformar normas jurídicas em instrumentos de guerra, resulta na negação da lei e dos direitos e, nessa medida, merece ampla e irrestrita censura.

A crítica à condução do processo penal em que Jair Bolsonaro é acusado ou a alegação de vícios processuais ou de julgamento — passíveis de revisão nos termos da legislação vigente — não deve ser confundida com a qualificação de um processo como lawfare, hipótese em que os atos processuais e extraprocessuais do Estado denotam instrumentalização do direito com o propósito de destruir pessoa considerada inimiga.

Diferentemente da Operação Lava Jato — um caso claro de lawfare que mancha a história do nosso sistema de justiça — no caso Bolsonaro, não há uso estratégico do direito para deslegitimar, prejudicar ou aniquilar o ex-presidente. A acusação apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra Jair Bolsonaro articula de forma clara e objetiva os fatos imputados aos réus, permitindo ampla defesa e o direito ao contraditório. Há fartas provas, obtidas judicialmente, de que ele

(i) estruturou e liderou grupo dedicado à prática de atos contra o regime democrático,

(ii) incentivou medidas visando impedir a posse do presidente eleito,

(iii) tentou depor um governo legitimamente eleito por meio de ações institucionais e populares,

(iv) colaborou na depredação da sede dos Três Poderes.

Ademais, as medidas cautelares decretadas contra o ex-presidente restringem proporcionalmente seus direitos fundamentais, resultando em medidas estritamente necessárias à salvaguarda do processo penal.

O julgamento de um ex-presidente da República, seus assessores imediatos e militares da alta cúpula das Forças Armadas por crimes cometidos contra o Estado Democrático de Direito constitui um obstáculo decisivo à redefinição do nosso passado autoritário e à construção de um futuro de liberdade.

Após tantos anos imersos em ditaduras sangrentas que silenciaram, torturaram e saquearam nosso povo, não podemos permitir anistia ou amnésia. Todos aqueles que atacaram as instituições democráticas devem ser submetidos a um julgamento justo, dentro dos limites do devido processo legal, e responsabilizados pelos crimes que comprovadamente cometeram.

É isso que todos nós esperamos. Não apenas nós, brasileiros, mas toda a comunidade internacional democrática, que acompanha, atenta e apreensiva, o desenrolar do julgamento iniciado em 2 de setembro de 2025.

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