26 Agosto 2025
Frente Parlamentar Agropecuária organiza audiência pública no Senado para discutir “distorções” do Plano Clima que penalizariam o setor.
A reportagem é de Cristiane Prizibisczki, publicada por ((o))eco, 25-08-2025.
Membros da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) têm realizado reuniões com diferentes pastas do governo Lula para tentar modificar trechos do Plano Clima que, segundo a entidade, distorcem a atuação do agronegócio no cenário de emissões e penalizam o setor. Uma audiência pública está marcada para a próxima quarta-feira, na Comissão de Agropecuária e Reforma Agrária do Senado, para discutir o tema.
Segundo apurou ((o))eco, membros da FPA se reuniram na última quinta-feira (22) com representantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) para solicitar mudanças no texto. O encontro aconteceu quatro dias após o encerramento da fase de consulta pública sobre as Estratégias Setoriais e Temáticas de Mitigação e Adaptação, finalizada no dia 18 de agosto. Além do MMA, a Frente também esteve reunida com membros do Ministério de Agricultura e Pecuária (MAPA) na última semana.
Segundo a FPA, cinco pontos do Plano geram preocupação. O primeiro deles, segundo os parlamentares apoiados pelo setor do agro, seria o fato de o plano, ao reorganizar os dados de emissões e remoções de gases de efeito estufa, ter concentrado na atividade agropecuária a maior parte da responsabilidade pela redução, com “imposição” de corte de 54% das emissões, enquanto outros setores poluidores poderiam continuar emitindo.
Nas redes sociais, a Frente chegou a publicar um vídeo sobre o assunto. “O plano bota umas obrigações que não fazem sentido e acaba punindo justamente quem já produz com responsabilidade. Pra você ter ideia, querem que o agro reduza em até 54% as emissões. E o setor de energia, esse pode até aumentar em 44% no mesmo período”, diz a peça publicitária.
A entidade também critica a inclusão das emissões provenientes do desmatamento em áreas que são não privadas na conta do agronegócio, como assentamentos de reforma agrária, comunidades indígenas e quilombolas.
Segundo o presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara dos Deputados, deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), essa metodologia distorce a realidade e transfere ao produtor rural “responsabilidades que não lhe cabem”. Nogueira também é membro da FPA.
Para o setor, o Plano Clima também ignoraria os esforços já realizados pela atividade e ameaçaria direitos consolidados na legislação, ao restringir o desmatamento em áreas que, segundo eles, seriam excedentes de Reserva Legal e APP.
Por fim, a Frente critica a falta de transparência no processo de elaboração do Plano Clima e uso de fontes não oficiais, ausência de acesso ao modelo utilizado e exclusão do Congresso Nacional na discussão.
“Não podemos aceitar que imponham metas e obrigações ao agro brasileiro sem critérios claros e sem reconhecer o que o produtor rural já faz em termos de conservação e sustentabilidade. É preciso transparência e equilíbrio nesse debate para que não se prejudique quem produz e garante a segurança alimentar do país”, disse o senador Zequinha Marinho (PODEMOS-PA), no dia 14 de agosto.
No dia 15 de agosto, a pedido da FPA, o Ministério de Agricultura e Pecuária já havia enviado uma nota técnica do MMA, solicitando que as emissões de mudança do uso do solo – ou desmatamento – não fosse alocadas no setor da agropecuária, mas no setor de “conservação da natureza”, assim como as emissões de combustíveis fósseis ao setor de “energia.
Segundo medições do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, o agronegócio é responsável por cerca de 75% das emissões do país.
O que diz o MMA
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima esclareceu que o plano vem sendo construído há dois anos, com a participação de vários ministérios e seguindo metodologias rígidas.
Segundo a pasta, a contabilização das emissões e remoções seguem os padrões metodológicos do painel científico da ONU sobre o Clima, o IPCC, e foram distribuídas de acordo com as responsabilidades setoriais.
“Essa reorganização dos dados [de emissões e remoções] é fruto de um entendimento entre os diversos setores e ministérios do governo federal. É importante destacar que essa adequação não se aplica apenas ao setor agropecuário. O Plano Setorial de Mitigação da Indústria, por exemplo, incorpora não apenas as emissões de processos industriais, mas também as associadas ao uso de combustíveis e aos resíduos industriais”, disse a pasta.
Ainda de acordo com o MMA, no caso da agricultura e pecuária, o plano contabiliza todas as emissões e remoções por atividades agropecuárias e mudanças no uso da terra, incluindo desmatamento e restauração da vegetação nativa, provenientes de propriedades rurais privadas (grandes, médios e pequenos produtores), assentamentos da reforma agrária e territórios quilombolas, além das atividades de piscicultura e aquicultura.
Sobre a alegação de que o plano teria desconsiderado a contribuição do setor agropecuário para a remoção de carbono, o MMA esclareceu que todas as projeções e metas estão baseadas nas metodologias do Inventário Nacional, de responsabilidade do MCTI.
“O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) esclarece que o Plano Clima é construído de forma transversal, com a participação de 25 ministérios, desde setembro de 2023”, diz a nota da pasta.
Audiência pública
Na próxima quarta-feira (27), às 14h, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária realiza uma audiência pública para “discutir os impactos, riscos e inconsistências do Plano Setorial de Agricultura e Pecuária, proposto no contexto da Estratégia Nacional de Mitigação (ENM) do Plano Clima”.
Já estão confirmadas as presenças de representantes do MMA, Embrapa, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA e Organização das Cooperativas do Brasil (OCB). Os ministérios de Agricultura e Pecuária, e o de Ciência, Tecnologia e Inovação, ainda não confirmaram presença, bem como a Casa Civil.
A fase de consultas do Plano Clima está em sua etapa final. A expectativa do governo é que todos os planos setoriais sejam finalizados até agosto, para aprovação final no início de setembro. O lançamento do Plano está previsto para outubro.
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