16 Agosto 2025
“O senhor pode achar que as armas nucleares e o governo dos Estados Unidos são a sua salvação, mas o poder bruto terá vida curta se a grave injustiça de Israel contra o povo palestino continuar. Os profetas judeus ensinaram sem cessar que os Estados injustos não sobrevivem por muito tempo”, escreve Jeffrey D. Sachs, em carta publicada por Observatorio de Trabajadores/as en Lucha, 14-08-2025. A tradução é do Cepat.
Exmo. Sr. Gideon Sa'ar
Ministro das Relações Exteriores
Governo de Israel
9 de agosto de 2025
Prezado Sr. Ministro:
Escrevo-lhe a respeito do seu discurso no Conselho de Segurança das Nações Unidas em 5 de agosto. Participei da sessão, mas não tive a oportunidade de falar com o senhor ao término dela. Gostaria de compartilhar algumas reflexões sobre o seu discurso.
Em seu discurso, o senhor não reconheceu por que quase todos, incluindo muitos judeus como eu, estão horrorizados com o comportamento do seu governo. Na visão da maioria das pessoas, com as quais concordo, Israel está cometendo assassinatos em massa e causando fome; o senhor não saberia disso pelo seu discurso.
Até o momento, o senhor não reconheceu que Israel é responsável pela morte de cerca de 18.500 crianças palestinas, cujos nomes foram publicados recentemente pelo The Washington Post. O senhor culpou o Hamas por todos os assassinatos em massa de civis pelas forças israelenses, mesmo com o mundo assistindo a vídeos todos os dias em que as forças israelenses massacram civis famintos a sangue frio enquanto se aproximam de pontos de distribuição de alimentos.
O senhor lamentou a fome de 20 reféns, mas não mencionou a fome de 2 milhões de palestinos causada por Israel. O senhor não mencionou que seu próprio primeiro-ministro trabalhou ativamente durante anos para financiar o Hamas, como o The Times of Israel documentou.
Sejam suas omissões resultado de estupidez ou de evasivas, elas seriam uma tragédia apenas para Israel se não fosse por sua tentativa de implicar a mim e a milhões de outros judeus nos crimes contra a humanidade de seu governo.
O senhor declarou na sessão da ONU que Israel é “o Estado soberano do povo judeu”. Isso não é verdade. Israel é o Estado soberano de seus cidadãos. Sou judeu e cidadão dos Estados Unidos. Israel não é meu Estado e nunca será.
A linguagem que o senhor usou em seu discurso sobre os judeus revelou o abismo que nos separa. O senhor se referiu ao judaísmo como uma nacionalidade. Trata-se, sem dúvida, de uma construção sionista, mas contrária a 2000 anos de crença e vida judaicas.
É uma ideia que eu e milhões de judeus rejeitamos. Para mim e para inúmeras pessoas fora de Israel, o judaísmo é uma vida de ética, cultura, tradição, lei e crenças que nada tem a ver com a nacionalidade. Durante 2000 anos, os judeus viveram em todo o mundo, em inúmeras nações.
Os grandes sábios rabínicos do Talmude Babilônico proibiram explicitamente o retorno em massa do povo judeu a Jerusalém, ordenando-lhes que vivessem em suas próprias terras (Ketubot 111a).
Infelizmente, os sionistas realizaram inúmeras campanhas, incluindo subsídios financeiros e táticas de intimidação, para induzir as comunidades judaicas a abandonarem suas próprias terras, línguas, culturas locais e relações com seus vizinhos, a fim de atraí-los para Israel.
Andei pelo mundo visitando sinagogas quase vazias e comunidades judaicas abandonadas, onde restavam apenas alguns judeus idosos, que insistiam que suas comunidades viviam em paz e harmonia com as maiorias não judias. O sionismo enfraqueceu ou destruiu inúmeras comunidades vibrantes de nossos correligionários em todo o mundo.
É irônico que, quando os sionistas persuadiram o governo britânico em 1917 para emitir a Declaração de Balfour, o único judeu do Gabinete, Sir Edwin Montagu, tenha se oposto veementemente, alegando ser um cidadão britânico que, por acaso, era judeu, e não membro de uma nação judaica: “Afirmo que não existe uma nação judaica. Os membros da minha família, por exemplo, que vivem neste país há gerações, não compartilham opiniões ou desejos com nenhuma família judia de qualquer outro país, além do fato de professarem, em maior ou menor grau, a mesma religião”.
Nesse contexto, vale lembrar também que a Declaração Balfour afirma clara e inequivocamente que “nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas existentes na Palestina”. O sionismo falhou nesse teste.
O seu Governo está comprometido com a ocupação permanente de toda a Palestina e se opõe violenta e implacavelmente a um Estado palestino soberano. A plataforma de fundação do Likud, em 1977, não esconde isso, declarando abertamente que “entre o mar e o Jordão haverá apenas a soberania israelense”.
Para atingir esse objetivo, Israel demoniza o povo palestino e o esmaga fisicamente por meio da fome em massa, assassinatos, limpeza étnica, detenção administrativa, tortura, confisco de terras e outras formas de repressão brutal. O senhor mesmo declarou vergonhosamente que "todos os grupos palestinos" apoiam o terrorismo.
Seu homólogo na sessão do Conselho de Segurança da ONU, o embaixador palestino Riyad Mansour, declarou exatamente o contrário. Ele afirmou claramente: “A solução é pôr fim a esta ocupação ilegal e a este conflito desastroso; é a concretização da independência e soberania do Estado Palestino, não a sua destruição; é o cumprimento dos nossos direitos, não a sua negação contínua; é o respeito ao direito internacional, não a sua violação; é a implementação da solução de dois Estados, não a realidade de um Estado com palestinos condenados ao genocídio, à limpeza étnica ou ao apartheid”.
Israel enfrenta quase o mundo inteiro na sua tentativa de bloquear a solução de dois Estados. Cento e quarenta e sete países já reconhecem o Estado da Palestina e muitos outros o farão em breve. Cento e setenta Estados-membros da ONU votaram recentemente a favor do direito do povo palestino à autodeterminação política, com apenas seis votos contrários (Argentina, Israel, Micronésia, Nauru, Paraguai e Estados Unidos).
Sua apresentação ignorou completamente a poderosa Declaração de Nova York sobre a Solução Pacífica da Questão da Palestina e a Implementação da Solução de Dois Estados, emitida pela comunidade internacional na Conferência Internacional de Alto Nível sobre a Implementação da Solução de Dois Estados, realizada no dia 29 de julho de 2025, apenas uma semana antes do seu próprio discurso no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A Arábia Saudita e a França presidiram conjuntamente essa conferência de alto nível. Nações árabes e islâmicas em todo o mundo pediram paz e a normalização das relações com Israel, desde que este respeite o direito internacional e a decência, em consonância com a solução de dois Estados. Seu governo rejeita a paz porque seu objetivo é dominar toda a Palestina.
Israel se apega à sua posição extremista por um fio, apoiado (até agora) pelos Estados Unidos, mas por nenhuma outra grande potência. Devemos também reconhecer uma das principais razões para o apoio estadunidense até agora: os protestantes cristãos evangélicos que acreditam que a reunião dos judeus em Israel é o prelúdio para a condenação ou a conversão dos judeus e o fim do mundo.
Estes são os aliados do seu Governo. Em relação à opinião pública estadunidense em geral, a rejeição às ações de Israel está agora em 60%, com apenas 32% a favor.
Senhor Ministro, a repulsa global a que o senhor se refere é contra as ações do seu Governo, não contra os judeus. Israel é ameaçado internamente pelo fanatismo e pelo extremismo, o que, por sua vez, provoca a rejeição global de Israel, tanto por parte de judeus quanto por não judeus.
A grande ameaça à sobrevivência de Israel não são as nações árabes, os palestinos ou o Irã, mas as políticas do Governo extremista de Israel, liderado por Benjamin Netanyahu, Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir.
A solução de dois Estados é o caminho, e o único caminho, para a sobrevivência de Israel.
O senhor pode achar que as armas nucleares e o governo dos Estados Unidos são a sua salvação, mas o poder bruto terá vida curta se a grave injustiça de Israel contra o povo palestino continuar. Os profetas judeus ensinaram sem cessar que os Estados injustos não sobrevivem por muito tempo.
Atenciosamente,
Jeffrey D. Sachs
Nova York