11 Agosto 2025
"Covas coletivas, cadáveres devorados por cães nas ruas, hospitais devastados… Depois de falar, Israel não renovará meu visto", escreve Jonathan Whittall, diretor do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários na Palestina, em artigo publicado por El Salto, 10-08-2025.
Gaza está submersa há 22 meses, e só pode respirar quando as autoridades israelenses sucumbem à pressão política daqueles com mais influência que o próprio direito internacional. Após meses de bombardeios incessantes, deslocamentos forçados e privações, o impacto do castigo coletivo imposto por Israel ao povo de Gaza nunca foi tão devastador.
Participei da coordenação dos esforços humanitários em Gaza desde outubro de 2023. Qualquer ajuda vital que chegou desde então foi a exceção, não a regra. Mais de um ano depois que a Corte Internacional de Justiça (CIJ) ordenou que Israel tomasse "todas as medidas ao seu alcance" para prevenir atos de genocídio, e apesar de todos os nossos avisos, continuamos a testemunhar a fome, o acesso insuficiente à água, uma crise sanitária e um sistema de saúde em ruínas, em um contexto de violência contínua que causa a morte diária de dezenas de palestinos, incluindo crianças.
Incapazes de mudar essa situação, nós, trabalhadores humanitários, recorremos às nossas vozes, junto com as dos jornalistas palestinos que arriscam tudo, para descrever as condições terríveis e desumanas vividas em Gaza. Erguer a voz, como estou fazendo agora, diante de um sofrimento deliberado e evitável faz parte de nossa função de promover o respeito ao direito internacional.
Mas isso tem um preço. Depois de realizar uma coletiva de imprensa em Gaza, em 22 de junho, na qual descrevi como civis famintos que tentavam conseguir comida eram alvejados — o que chamei de "condições criadas para matar" —, o ministro das Relações Exteriores de Israel anunciou em uma publicação no X que meu visto não seria renovado. O representante permanente de Israel na ONU seguiu seus passos no Conselho de Segurança e anunciou que esperava que eu deixasse o país antes de 29 de julho.
Esse silenciamento faz parte de uma tendência mais ampla. ONGs internacionais enfrentam requisitos de registro cada vez mais restritivos, incluindo cláusulas que proíbem certas críticas a Israel. As ONGs palestinas que, contra todas as adversidades, continuam a salvar vidas diariamente, são privadas dos recursos de que precisam para funcionar. As agências da ONU recebem cada vez mais vistos de apenas seis, três ou um mês, dependendo se são consideradas "boas, más ou feias". A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) foi alvo de medidas legislativas, teve a entrada de sua equipe internacional proibida e suas operações foram sufocadas pouco a pouco.
Essas represálias não podem apagar a realidade que testemunhamos, dia após dia, não apenas em Gaza, mas também na Cisjordânia. O que observei lá parece diferente do que está acontecendo em Gaza, mas há um objetivo comum: romper a continuidade territorial e forçar os palestinos a viver em enclaves cada vez menores. Os palestinos da Cisjordânia são coagidos e confinados diariamente: coagidos pela violência dos colonos e pelas demolições nas áreas onde os assentamentos estão se expandindo, e confinados por uma rede de restrições de movimento em áreas urbanizadas desconectadas onde as operações militares se multiplicam.
Gaza também está sendo fragmentada. Seus 2,1 milhões de habitantes agora estão amontoados em apenas 12% da área da Faixa. Lembro-me de ter recebido a assustadora ligação em 13 de outubro de 2023, anunciando o deslocamento forçado de toda a população do norte de Gaza. Desde esse ato inicial brutal, quase toda Gaza foi deslocada à força, não apenas uma vez, mas repetidamente, sem abrigo, comida ou segurança suficientes.
Eu testemunhei o que parece ser o desmantelamento sistemático dos meios para sustentar a vida palestina. Como parte de nossa função de coordenar as operações humanitárias, meus colegas e eu ajudamos a retirar pacientes de salas de terapia intensiva escuras e infestadas de gatos em hospitais destruídos e tomados pelas forças israelenses, onde os mortos eram enterrados no pátio pela última equipe que restava, privada de sono, que havia visto seus colegas serem levados.
Ajudamos a descobrir covas coletivas nos pátios de outros hospitais, onde as famílias procuravam entre as roupas espalhadas, tentando identificar seus entes queridos, que haviam sido despidos antes de serem assassinados ou desaparecerem. Discutimos com soldados que tentavam retirar à força de uma ambulância um paciente com lesões na medula espinhal que gritava enquanto era evacuado de um hospital. Repatriamos os corpos de trabalhadores humanitários mortos por ataques de drones e fogo de tanques enquanto tentavam entregar ajuda e recolhemos os corpos de familiares de trabalhadores de ONGs que foram mortos em locais reconhecidos pelas forças israelenses como "humanitários".
Vimos médicos com seus uniformes assassinados e enterrados sob ambulâncias esmagadas pelas forças israelenses. Abrigos superlotados para pessoas deslocadas bombardeados, com pais abraçando seus filhos feridos ou mortos. Inúmeros cadáveres nas ruas devorados por cães. Pessoas pedindo ajuda de debaixo dos escombros às quais foi negada a ajuda das equipes de emergência até que não restasse mais ninguém vivo. Crianças definhando de desnutrição enquanto a ajuda enfrenta uma corrida de obstáculos intransponível.
As autoridades israelenses nos acusam de ser o problema. Dizem que não estamos recolhendo os produtos nas passagens de fronteira. Não é que não estejamos fazendo isso, é que somos impedidos. Na semana passada, fiz parte de um comboio que se dirigia à passagem de fronteira de Kerem Shalom de dentro de Gaza. Escoltamos caminhões vazios por uma área muito movimentada, seguindo uma rota desnecessariamente complicada indicada pelas forças israelenses. Quando os caminhões se alinharam em um ponto de espera e as forças israelenses finalmente deram luz verde para avançar para a passagem de fronteira, milhares de pessoas desesperadas se moveram conosco, na esperança de que os caminhões voltassem com alimentos. Enquanto avançávamos lentamente, as pessoas se agarravam aos veículos até que vimos o primeiro cadáver na beira da estrada, baleado nas costas na direção das forças israelenses. Na passagem de fronteira, o portão estava fechado. Esperamos cerca de duas horas para que um soldado o abrisse.
Esse comboio levou 15 horas para completar seu percurso. Com outros comboios, as forças israelenses atrasaram o retorno dos caminhões enquanto multidões se aglomeravam e mataram pessoas desesperadas que esperavam a chegada dos caminhões. Algumas de nossas mercadorias foram saqueadas por gangues armadas que operam sob a vigilância das forças israelenses. Durante o cessar-fogo, realizávamos vários comboios por dia. Agora, o caos, os assassinatos e as obstruções voltaram a ser a norma. A ajuda é vital, mas nunca será uma cura para a escassez provocada e planejada.
A CIJ foi clara. Em suas medidas provisórias vinculantes, não apenas ordenou a Israel que impedisse os atos proibidos pela Convenção sobre o Genocídio, mas também ordenou que facilitasse os serviços básicos e a assistência humanitária urgentemente necessários, entre outras coisas, aumentando a entrada de ajuda.
Em um parecer consultivo separado, a CIJ não deixou margem para dúvidas: a atual ocupação de Gaza e da Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, por Israel é ilegal de acordo com o direito internacional. Gaza e a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, são partes diferentes de um mesmo panorama.
O que está acontecendo não é complicado. Não é inevitável. É o resultado de decisões políticas deliberadas de quem cria essas condições e de quem as permite. O fim da ocupação deveria ter chegado há muito tempo. A credibilidade do sistema multilateral é enfraquecida pelo duplo padrão e pela impunidade. O direito internacional não pode ser uma ferramenta de conveniência para alguns se quiser ser uma ferramenta viável de proteção para todos.
Gaza já está se afogando sob as bombas, a fome e o controle implacável do bloqueio sobre os produtos essenciais para a sobrevivência. Cada atraso na aplicação das normas mais básicas destinadas a proteger a vida humana é outra mão que submerge Gaza enquanto ela luta para respirar.