11 Agosto 2025
Moradores da grande cidade, lar de um milhão de habitantes de Gaza, estão se preparando para uma nova onda de evacuações forçadas em massa após saberem da decisão do gabinete israelense de assumir o controle de toda a Faixa de Gaza.
A reportagem é de Ansam Al Qitaa, publicada por El País, 10-08-2025.
Rawand al-Titar acordou na manhã de quinta-feira com um sentimento que não tinha há muito tempo: esperança. Grávida de cinco meses, ela finalmente conseguiu encontrar açúcar, queijo e farinha nos mercados da Cidade de Gaza, depois que Israel suspendeu ligeiramente as restrições que bloqueavam a entrada de alimentos na Faixa de Gaza, que condenaram dois milhões de pessoas à fome todos os dias, de acordo com as Nações Unidas. Um total de 212 pessoas, quase metade delas crianças, morreram de desnutrição, de acordo com as autoridades de Gaza. Pela primeira vez desde março, al-Titar fez chá adoçado com açúcar de verdade e se serviu de pão com queijo de verdade. "Fui para a cama feliz, pensando que talvez houvesse luz no fim do túnel", lembra a mulher de 32 anos. "Comi e rezei para que talvez pudéssemos comer bem novamente e que talvez — só talvez — a guerra acabasse".
Mas seu frágil otimismo foi abalado na manhã seguinte, quando chegou a notícia de que o Gabinete israelense havia aprovado planos para ocupar permanentemente toda a Faixa de Gaza, começando pela Cidade de Gaza. A perspectiva de outro deslocamento forçado lhe causou arrepios. "Senti como se meu coração estivesse saltando do peito", disse ela a este jornal em um sussurro. "Eu ficava pensando: como vou sobreviver estando grávida?"
Rawand al-Titar está grávida de cinco meses e agora teme que a tomada anunciada da Cidade de Gaza.
“A primeira coisa que me veio à cabeça foi: onde vou dar à luz? Será em algum lugar limpo? Ainda estarei desabrigada daqui a quatro meses? Para onde irei? Minha casa foi destruída. Mas se ficarmos e nos bombardearem, quem morrerá e quem sobreviverá?”, ela se perguntou.
Apesar do cansaço, os moradores da Cidade de Gaza preparam-se silenciosamente para mais um deslocamento forçado. A perspectiva de novos conflitos na região, lar de quase um milhão de pessoas, levanta o espectro de outra onda de deslocamento em massa, justamente quando eles começavam a tentar reconstruir suas vidas.
Al-Titar foi forçada a se mudar sete vezes desde o início da guerra, há 22 meses, mas esta seria sua primeira gravidez. Ela deveria se casar em 30 de novembro de 2023. Em vez disso, a guerra eclodiu, enviando seu noivo para o sul, enquanto ela permaneceu no norte para cuidar de seus pais idosos e doentes: sua mãe com câncer, seu pai com doença cardíaca. "Eu não podia deixá-los", diz ela, sentada na casa destruída de sua família. "Era muito difícil para eles caminharem longas distâncias, então nunca fomos para o sul".
Al-Titar se agarrou à esperança até o fim, especialmente depois de ouvir sobre o papel do Egito na facilitação da distribuição de ajuda. Mas a decisão de sexta-feira do gabinete israelense destruiu essas expectativas. Agora, ela acredita que sua resiliência está se desintegrando sob o peso da gravidez. "Sinto que desisti". "Se eu não estivesse grávida, não pensaria em ir embora, mas com a gravidez, infelizmente, preciso ir. O que importa é que o bebê nasça em um ambiente livre de bombardeios e ataques", diz ela.
O Gabinete de Segurança israelense decidiu na manhã de sexta-feira, apesar da oposição interna e após mais de dez horas de deliberação, redobrar a ofensiva até assumir o controle total da Faixa e transferir o território para uma autoridade civil diferente do Hamas. Essa ofensiva começaria com a captura da Cidade de Gaza. O exército israelense matou pelo menos 60.000 palestinos, de acordo com fontes do Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, desde o início da invasão em outubro de 2023. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, prometeu então pôr fim ao governo do Hamas e aos grupos armados palestinos após os ataques que mataram 1.200 israelenses e sequestraram 250.
De acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), os mais de dois milhões de moradores da Faixa de Gaza têm sofrido níveis sem precedentes de deslocamento desde outubro de 2023, com muitas famílias forçadas a fugir diversas vezes à medida que as zonas de conflito se deslocavam pela Faixa, e agora estão sendo amontoadas em "zonas humanitárias" cada vez menores. A agência alertou repetidamente que a continuidade das operações militares agravaria uma crise humanitária já catastrófica.
Para Fatima Al Sharqawi, de 40 anos, a decisão do gabinete representa mais um capítulo de um pesadelo de deslocamentos intermináveis. Sua jornada por esta guerra se parece com um mapa da destruição da Faixa de Gaza. Em 13 de outubro de 2023, ela fugiu de sua casa nas Torres Al Fairuz, na Cidade de Gaza, iniciando uma fuga desesperada para o Hospital Al Shifa, depois para uma escola em Khan Younis, brevemente para Rafah, ambas no sul, e depois para Deir al Balah, no centro, antes de retornar à Cidade de Gaza em 20 de fevereiro de 2025, durante a trégua temporária. Mãe de quatro filhos, cada mudança lhe retirou uma nova camada de dignidade e normalidade.
“Ser forçado a nos mudar é inimaginável: nos despoja do que resta da nossa humanidade”, explica al-Sharqawi, com as mãos tremendo levemente. “Viver com a ansiedade constante de repetir a experiência é uma dor insuportável”.
Agora, em uma pequena casa alugada que se tornou o santuário de seus filhos, ela enfrenta a perspectiva inimaginável de perder sua estabilidade mais uma vez. Outro deslocamento inevitavelmente significa recomeçar: encontrar utensílios de cozinha, colchões, cobertores e barracas para abrigo. "Deslocamento significa perder as paredes que nos protegem", ela continua. "Significa viver ao ar livre novamente, sem banheiros limpos, lutando para encontrar água limpa. Significa viver entre areia, insetos, roedores e escorpiões, mudar-se para um lugar desconhecido". Ela acrescenta: "A situação agora é mais complicada do que nunca", diz a pesquisadora.
O diretor da rádio local Voz da Pátria, Wissam Zagheeb, de 43 anos, afirma que a decisão do gabinete era previsível, especialmente dada a retórica inflamada de políticos israelenses de extrema direita nos dias que antecederam a reunião. "Isso trará mais danos e sofrimento", diz Zagheeb, que foi forçado a fugir 14 vezes desde o início da guerra, estabelecendo-se em diferentes bairros da Cidade de Gaza, de leste a oeste, com a esposa e os dois filhos. "Temo o deslocamento interno forçado e a deportação em massa, bem como a destruição do que resta das casas, como aconteceu em Rafah ou Khan Yunis". "É muito cedo para dizer, mas não sairei da Cidade de Gaza. Não saí por 21 meses. Não sairei agora", diz ele.
Não vou sair da Cidade de Gaza. Não saí por 21 meses. Não vou sair agora.
Assim como Zagheeb, Al Sharqawi e Al-Titar, os demais moradores da cidade aguardam ansiosamente a implementação da decisão do gabinete israelense. Sentem-se presos entre a escolha impossível de permanecer em uma zona de combate ou embarcar, mais uma vez, em uma jornada rumo a um futuro incerto. As palavras de Al-Titar refletem o esgotamento de toda uma população. "Gostaria que esta guerra acabasse e que alguém nos dissesse o que acontecerá com nossas vidas".
Esta reportagem foi publicada em colaboração com a Egab, uma plataforma que trabalha com jornalistas do Oriente Médio e da África.