08 Agosto 2025
"Obcecado pela versão mais recente do antissemitismo, que considera o Islã o inimigo secular da aldeia ocidental, o Ocidente apoia Israel, que encena hoje os últimos excessos da húbris colonialista", escreve Flávio Lazzarin, padre italiano fidei donum que atua na Diocese de Coroatá, no Maranhão, e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Tento acompanhar diariamente inúmeras interpretações, que circulam na rede sobre as atuais conjunturas mundiais e nacionais e fico só em parte satisfeito com essas leituras, porque parecem-me abordar, com sérias e detalhadas intenções analíticas, somente aspectos parciais que compõem a complexa situação histórica em que estamos mergulhados e aparentam esquecer a abrangência de um todo – não uma totalidade como “a noite em que todos os gatos são pardos” - que com certeza não teria o poder de desatar todos os nós das conjunturas, mas poderia hipotisar e talvez indicar a possibilidade da emergência de um denominador comum em todos os fragmentos geopolíticos da atualidade.
Abundam os boletins de emergência sobre a poluição do Planeta e o desastre climático, mas não chegam a incomodar o capitalismo com a suas teses negacionistas e seu desenvolvimento cada vez mais destrutivo e suicida.
Cotidianamente, temos à disposição análises detalhadas das relações políticas dos EUA do Trump com a Rússia de Putin, Zelensky, Netanyahu, Canada, China, Iran, Índia, Brasil, Brics, Taiwan, Nova Rota da Seda, tarifaço do Trump, sem obviamente esquecer Gaza, Cisjordânia, Hamas, Turquia, Síria... e a quase sempre esquecida África...
Podemos acessar a incontáveis registros do avanço da direita política na maioria dos países do mundo, onde os soberanistas e neopopulistas governam ou ameaçam conquistar o poder político. Governos e partidos autoritários ou explicitamente ditatoriais são a normalidade do panorama geopolítico no Ocidente e no Oriente.
Quando, porém, se analisam as realidades políticas da Pindorama e da Abya Ayala, na maioria dos casos, temos uma banal redução da leitura da polarização política aos interesses eleitorais, sem a mínima preocupação de evidenciar, com um mínimo de clareza, contextos internacionais.
Uma possível resposta sobre a hipótese de um paradigma mor, que sintetize fragmentação e complexidade, é dada por quem reduz a crise a reconfiguração da ordem mundial, que contesta a ordem liberal internacional estabelecida após a Guerra Fria. Mas, quem assim argumenta é obrigado a acrescentar corolários a está ótica fundamental: intensificação de disputas e guerras por poder, território e influência; desafios a hegemonia ocidental na Ucrânia, Israel, Taiwan; crise das instituições multilaterais; disputas por recursos e influência tecnológica.
Porém, eu me pergunto sobre a surpreendente novidade dos fenômenos políticos e não me satisfaço com a compulsão a repetir o que sempre se diz e se disse.
Com efeito – e essa é a hipótese de um denominador comum - o novo fascismo da aldeia ocidental, à diferença do seu modelo, não se constitui como farsa, nos moldes do ‘18 de Brumário’, mas é, de forma inédita e criativa, ‘não expansionista’; volta para casa; desiste das guerras contra inimigos externos e faz a guerra de controle e extermínio dentro de casa. ‘Precisa salvar o Ocidente cristão’ é esta a palavra de ordem!
Por isso opressão e repressão será reservada aos de casa, onde temos e teremos os únicos coerentes e determinados enfrentamentos em defesa da vida e da fraternidade e sororidade de todos os seres vivos articulados pelos povos originários, quilombolas e minorias camponesas tradicionais.
Se assim acontecer, quando todo katechon está sendo cancelado, não ficará outra possibilidade a não ser se identificar com a desumanização das vítimas, com os pobres de Jesus. E essa deveria ser a única missão messiânica da Igreja, além de toda falaciosa confiança no arcabouço datado da doutrina social. Mas, nós católicos insistimos em reiterar o roteiro da ordem liberal pós-guerra fria, diante da realidade que mudou radicalmente e requereria discernimentos e criatividade para desertar o ocidente falido, a aldeia, presunçosamente civilizacional e constitutivamente genocida, que nós cristãos promovemos como artífices e cúmplices.
Obcecado pela versão mais recente do antissemitismo, que considera o Islã o inimigo secular da aldeia ocidental, o Ocidente apoia Israel, que encena hoje os últimos excessos da húbris colonialista.
Tenho, porém, a impressão que as guerras no Oriente Médio, em que pese a questão do petróleo, não estariam simplesmente dando continuidade ao que sempre se fez, mas estariam a serviço da recomposição autárquica da aldeia ocidental em crise. Quando Israel justifica a guerra de Gaza como guerra defensiva fala em nome de todo o Ocidente. Esta é a crise constitutiva, em que estamos vivendo, bem mais impactante da própria crise do imperialismo norte-americano. Um Israel completamente assimilado aos goyim, protagonista da recomposição do Ocidente a partir da polarização entre os que var ser ocidentais até a morte, apoiados por católicos tradicionalistas e evangélicos, e os que vão ser mortos por não caber mais no Ocidente.