15 Julho 2025
O cardeal Peter Turkson, uma figura importante do Vaticano, criticou duramente os líderes ganeses por mudarem suas prioridades do desenvolvimento nacional para o enriquecimento pessoal.
A reportagem é de Ngala Killian Chimtom, publicada por Crux, 12-07-2025.
O cardeal nascido em Gana fez essas observações durante uma ampla entrevista no Canal Um da TV de Gana, realizada paralelamente ao 1º Dia Nacional de Oração iniciado pelo presidente John Dramani Mahama.
Turkson explicou que redefinir o compasso moral e democrático da nação exige repriorizar o desenvolvimento e o bem-estar dos ganeses.
“O primeiro governo de Gana [sob Nkwane Nkrumah] estava mais preocupado em construir uma nação, colocar Gana no mapa, tornar a nação Gana conhecida”, disse o cardeal. “Então a grande ênfase era transformar Gana em algo”, disse ele.
Ele lembrou que, na época, Gana estava no mesmo nível de desenvolvimento, se não melhor, que países como Índia, China e Indonésia. Foi um governo que buscou atingir os critérios estabelecidos no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, como “acesso a alimentos e água; acesso a cuidados de saúde, abrigo, um teto sobre a cabeça e trabalho decente”.
“Esses são os indicadores fundamentais de bem-estar que qualquer governo deve promover ativamente”, disse Turkson.
O foco no desenvolvimento, no entanto, acabou mudando, e os líderes políticos posteriores do país ficaram mais preocupados em aprender como permanecer no poder e encher os bolsos com dinheiro, muitas vezes roubado.
A evidência dessa falha em focar no desenvolvimento da nação, continuou o cardeal, é que, quando ele viaja pelo mundo, as pessoas só fazem referência à "infraestrutura básica sustentável de Gana" quando falam sobre os primeiros dias da independência.
O forte controle de Nkrumah sobre o poder, as rivalidades acirradas com grupos como os Asantes e as leis controversas que prendiam oponentes políticos fizeram dele alvo de violência simbólica e física.
No entanto, conflitos internos não foram o único catalisador para os esforços para expulsar Nkrumah. Gana, como a primeira nação independente da África, havia se tornado palco de políticas da Guerra Fria. A política inicial de não alinhamento de Nkrumah — fomentando laços com os blocos oriental e ocidental — foi percebida pelos Estados Unidos como uma mudança em direção ao alinhamento com a Rússia. Consequentemente, muitos ganenses alegam que os EUA foram cúmplices na derrubada de Nkrumah.
Isso culminou em 24-02-1966, com um golpe que depôs o primeiro presidente de Gana. Em retrospectiva, muitos veem esse evento como um momento Waterloo, marcando uma reversão das conquistas substanciais de desenvolvimento do país e uma interrupção de sua trajetória promissora.
O coronel Emmanuel Kwasi Kotoka foi um oficial militar fundamental no golpe. O Cardeal Turkson afirma que, para que Gana realmente redefina seu compasso moral e político, é essencial reavaliar a natureza de seus heróis nacionais. Ele cita a nomeação do Aeroporto Internacional de Kotoka em homenagem a um líder do golpe como um exemplo primordial dessa celebração problemática.
“É irônico que tenhamos um documento que desencoraja golpes de Estado na sub-região, mas o nome do nosso aeroporto, o primeiro ponto de entrada em Gana, leva o nome de um golpista. Isso não cola”, disse o cardeal ganês de 76 anos.
“Para nós, em Gana, é uma conversa; não estou criticando ninguém. É uma introspecção que precisamos fazer. Revisitando o passado: os golpes promoveram a democracia ou o bem-estar comum? Podemos avaliar tudo isso”, disse Turkson. O cardeal disse que não conseguia entender como Gana se dissociaria do “golpe de estado e ainda idolatria uma figura que a representa”.
“Os governos do passado podem ter tido um motivo para fazer isso, mas se estamos reiniciando, então é bom fazer uma revisão completa do histórico”, aconselhou ele. Ele disse que uma revisão completa da história do país poderia ajudar a descobrir “valores e coisas” que minam os principais sistemas de valores do país.
"É por isso que essa redefinição não pode ser deixada apenas para o governo. Deve ser uma visão, um programa de ação que todos nós em Gana devemos adotar", observou Turkson. Ele também falou amplamente sobre o cuidado com o meio ambiente, alertando contra seu uso abusivo.
“O meio ambiente não é meramente um objeto a ser tratado arbitrariamente; nossa relação com ele é profunda. Nossos corpos derivam dele e são sustentados por sua generosidade. Portanto, ele não deve ser abusado ou explorado. Essa percepção leva as pessoas a compreender que precisam viver de forma diferente do que antes. Essa mudança frequentemente se reflete em instituições como igrejas e escolas que promovem esses valores, e isso é sempre inspirador”, explicou o cardeal.
Ele não deu mais detalhes, mas a mineração ilegal de ouro tem sido um fator importante na devastação ambiental em Gana, com rios poluídos e terras agrícolas improdutivas. Em diversas ocasiões, a Conferência Episcopal Católica do país da África Ocidental instou o governo a tomar medidas mais enérgicas contra esse flagelo.
O Chanceler da Pontifícia Academia de Ciências e Ciências Sociais de Roma, de origem ganesa, também abordou as diversas formas de conflito violento que assolam Gana. Tais conflitos frequentemente decorrem de desentendimentos entre chefias, divisões étnicas e competição por recursos. A crise de Bawku, um conflito prolongado em uma cidade na fronteira com Burkina Faso, na região do Alto Leste de Gana, exemplifica isso com sua violência armada e fatalidades. Em novembro, a Conferência Episcopal Católica de Gana (GCBC) condenou o deslocamento, a perda de vidas e de meios de subsistência resultantes, entre outros impactos prejudiciais.
Turkson descreveu a situação atual de Gana como uma encruzilhada e pediu à nação que “seguisse o caminho da paz”. “Se Jeremias [em Jeremias 6,16] nos diz que estamos numa encruzilhada e que devemos descobrir qual caminho leva à paz, então isso significa que neste momento podemos estar viajando por um caminho que não leva à paz”, disse o cardeal.
“Falar sobre paz quando você está caminhando por um caminho que não leva à paz é levar as pessoas ao erro”, completou.