16 Março 2023
Francisco se manifestou contra a criminalização da homossexualidade antes e depois de sua recente viagem à África, mas os bispos do continente dizem que essa é apenas a opinião do papa, e não o ensino da Igreja.
A reportagem é de Guy Aimé Eblotié, publicada por La Croix International, 14-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Poucos dias antes de embarcar em uma visita pastoral no início deste ano à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul, o Papa Francisco surpreendeu alguns católicos na África ao dizer que a homossexualidade não deveria ser tratada como crime.
“A criminalização da homossexualidade é uma questão que não deve ser desconsiderada”, repetiu o papa aos jornalistas em 5 de fevereiro, enquanto voltava a Roma da visita aos dois países africanos. Anteriormente, ele havia dito à Associated Press que “condenar uma pessoa como esta (homossexual) é um pecado”.
Isso pareceu ser uma ruptura com a posição da Santa Sé sobre o assunto. Há apenas 15 anos, em 2008, o Vaticano se opôs a um texto das Nações Unidas que visava a combater a discriminação contra a homossexualidade no mundo.
Como Francisco fez as declarações antes e imediatamente após sua viagem à África, é difícil não as ver como uma mensagem ao continente. A homossexualidade ainda é crime em 32 dos 54 países africanos. Em outras palavras, quase metade dos 69 Estados do mundo que reprimem a homossexualidade estão na África.
Nesses países, a lei prevê sanções ou os juízes proferem sentenças contra pessoas homossexuais, homens ou mulheres. A homossexualidade é punível até com a morte em três países africanos: Nigéria, Mauritânia e Somália.
A disposição do papa de se opor à criminalização da homossexualidade é ainda mais sem precedentes devido ao fato de que tal criminalização às vezes é apoiada pelos católicos e por outros bispos em vários países.
Em Gana, por exemplo, a conferência dos bispos defende um projeto de lei sobre “a promoção dos direitos sexuais humanos e dos valores da família ganenses”, que criminalizaria ainda mais a prática e a promoção da homossexualidade. As autoridades católicas do país se recusaram a falar com o La Croix Africa, mas uma pessoa familiarizada com a Igreja local disse: “A Igreja de Gana tomou uma posição levando em consideração as opiniões dentro do país”.
Esse observador disse que é um eufemismo dizer que as palavras de Francisco não são unânimes na África.
“A opinião do papa não é magistério”, disse uma alta autoridade da Igreja no continente. “Para uma mudança de doutrina, a Igreja Católica tem um processo de tomada de decisão próprio. Isso é imperativo, mesmo quando se trata do papa”, insistiu.
Essa autoridade disse não se sentir obrigado a seguir as palavras de Francisco, até porque, do ponto de vista pastoral, “o que o papa disse é uma posição constante da Igreja Católica: acolher os pecadores, como Cristo nos ensina”.
Algumas lideranças católicas na África, no entanto, foram mais receptivas ao apelo do papa para descriminalizar a homossexualidade.
“A mudança na atitude da Igreja em relação aos homossexuais é algo positivo”, disse o padre Loïc Mben, um jesuíta camaronês que leciona moral e bioética no instituto teológico de sua ordem (ITCJ) em Abidjan, Costa do Marfim.
Ele observou que, “para a Igreja, o matrimônio é uma união entre um homem e uma mulher”. Mas também insistiu que “não é prendendo gays ou lésbicas que resolveremos os problemas da pobreza, corrupção, nepotismo, insegurança e má governança que assolam nossos países”.
As pessoas gays na África também acolheram bem o apelo de Francisco para revogar as leis de criminalização.
“As palavras do papa me fortalecem e me dão esperança”, disse Arthur (nome fictício), um católico que pertence a um grupo de oração mariano e vai à missa “todas as manhãs”.
“Alguns padres nos castigam em suas homilias, e eu me sinto muito mal”, disse ele. “Um dia, uma delas estava conversando com uma pessoa que acabara de descobrir que o padrinho de seu filho era homossexual: ele disse a essa pessoa para contar ao filho que seu padrinho estava morto. Só porque ele era homossexual, foi considerado morto.”
Outro homossexual africano que chamaremos de “Hervé”, poderia estar respondendo a esse padre, quando nos disse: “Nós também somos filhos de Deus”. Ele disse acreditar que o papa “quer remover o ódio dos corações e das mentes daqueles que nos odeiam”. Mas Hervé disse que “não tem ilusões”.
“O papa fez um rascunho, deu sua opinião sobre o assunto”, disse o homem. “Mas mesmo sendo uma pessoa influente, mudar de opinião, até mesmo no nível da Igreja, não é algo para agora.”
Essa opinião é compartilhada pelo leigo católico Yves Koné, consultor jurídico que facilita a resolução de conflitos familiares na Costa do Marfim.
“Não acho que a posição do papa mudará muito em países onde a homossexualidade é criminalizada”, disse ele. “Nessas questões, os países africanos estão acostumados a seguir a opinião das pessoas, a grande maioria das quais é contra a evolução dos direitos homossexuais.”
E, embora alguns países tenham mudado sua legislação sobre o assunto nos últimos anos, Koné disse que “isso se deveu à atração de lucros, investimentos e doações do Ocidente, ao invés de uma mudança real nas atitudes dos cidadãos sobre o assunto”.
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Católicos africanos recebem com frieza o apelo do papa para descriminalizar a homossexualidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU