14 Abril 2025
Quem ouve os organizadores responsáveis pelo South Summit Brazil (SSB) comemorarem que, pelo quarto ano consecutivo, o evento “escolheu” Porto Alegre para realizar a edição brasileira talvez não saiba que essa “escolha” tem um preço. O Governo do Estado do Rio Grande do Sul pagou 756 mil euros, mais de R$ 5 milhões, à empresa espanhola detentora dos direitos mundiais da marca, a Spain Startup and Investors Services S.L para que, em 2025, mais uma vez, o SSB acontecesse aqui.
A reportagem é de Fabio Canatta, publicada por Sul21, 11-04-2025.
Mas este está longe de ser o maior e também não é o único gasto público no evento que acontece nos Armazéns do Cais do Porto, espaço também cedido aos organizadores. Governo do Estado, Prefeitura de Porto Alegre e Assembleia Legislativa do RS apoiam financeiramente o SSB. Juntos somam mais R$ 27,6 milhões em apoio institucional, patrocínio, financiamento de estrutura física, organização e gestão do evento, entre outras ações.
O valor é resultado de um levantamento exclusivo feito pela reportagem a partir de uma pesquisa nos registros dos últimos doze meses dos diários oficiais da Prefeitura, Governo do Estado e Assembleia. Entre os contratos, o de maior cifra foi firmado entre o executivo estadual e a empresa DMDL LTDA, de São Paulo, pela montagem do evento: R$ 13,5 milhões. O Departamento de Trânsito do RS (Detran/RS), uma autarquia ligada ao executivo estadual, também tem contrato com o SSB. No caso, um patrocínio de R$ 1 milhão para a realização de ações educativas, um estande e participação na programação do evento a fim de “favorecer o diálogo da instituição com a sociedade”, informou em nota.
Vale lembrar que o South Summit Brazil é um evento privado que cobra ingresso dos participantes, sendo o mais barato, hoje, R$ 1.090, na categoria “participante”. O mais caro, chamado “executivo”, é vendido por R$ 5.499 e garante, além da entrada, acesso a áreas exclusivas, filas prioritárias e eventos somente para esse público considerado “VIP” (termo que remete à expressão do inglês “very important person” e designa indivíduos de grande prestígio, poder ou capital).
O Viva RS Boat é exemplo de uma das experiências exclusivas oferecidas ao público VIP. A embarcação de dois andares, reservada aos convidados com pulseirinha executiva, prometia uma jornada pelos sabores do Rio Grande do Sul, com degustação permanente de queijos e vinhos gaúchos, além de um cardápio que envolvia charque de cordeiro, abóbora defumada e camarão rosa preparados por premiados chefs de cozinha. Cerca de 1,7 mil pessoas, entre autoridades e empresários, principalmente, passaram pelo barco nos três dias de evento, sempre embalados ao som de dj’s ao vivo. O custo aos cofres do Governo do Estado foi de R$ 800 mil.
O Governo do Estado é o responsável, aliás, por 86% dos R$ 27,6 milhões públicos investidos no evento. A Prefeitura de Porto Alegre destinou R$ 3,2 milhões e a Assembleia Legislativa, outros R$ 400 mil. Os dois contratos somam os 14% restantes e justificam as verbas como apoio institucional e patrocínio ao South Summit Brazil.
Professor de Administração Pública da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Líder do Grupo de Pesquisa em Estado, Democracia e Administração Pública (GEDAP), Dr. Aragon Erico Dasso Junior admite que o SSB gere tributos para Estado e Município, porém questiona o papel desempenhado pelo setor público no evento. “Quando Melo e Leite aderem e aceitam ser co-financiadores de um evento privado que cobra ingressos altíssimos, estão dizendo: ‘inovação é um espaço do setor privado, é um domínio da lógica do privado sobre o público e é um espaço de elite’. Qualquer outra coisa é figura de linguagem, eufemismo, é doutrina política com roupagem de ciência, de inovação científica”, conclui.
Aragon defende que o poder público seja protagonista das inovações e não se limite a uma condição de financiador ou de futuro cliente das empresas que lucram com os avanços conquistados. Dessa forma, diz ele, a população poderia também ser beneficiada pelas inovações, que poderiam, por exemplo, impactar na qualidade dos serviços públicos prestados pelo Estado. “No modelo atual, não há qualquer legado para a sociedade do Rio Grande do Sul”.
O Governo do Estado do Rio Grande do Sul preferiu se manifestar através de uma nota oficial.
O South Summit Brazil está consolidado como um evento que fomenta o empreendedorismo e a inovação. Trata-se de uma das estratégias de desenvolvimento econômico e social do RS, uma vez que o evento oportuniza conexões que geram novos negócios.
O RS Innovation Stage, palco do governo gaúcho é uma das contrapartidas, recebeu quase 400 propostas de temáticas – um crescimento de 70% em relação a 2024. O espaço é dedicado a universidades, empresas, ambientes de inovação e ao setor público para que divulguem inciativas de vanguarda e anunciem novas ações em mais de 50 painéis. As empresas gaúchas foram maioria entre as finalistas brasileiras da competição de startups, uma importante vitrine internacional. De 2.129 inscritas, apenas 50 chegaram à final. E das 28 do Brasil, 11 eram do Rio Grande do Sul.”
O governo gaúcho ainda cedeu 30 estandes no marketplace a empresas, ambientes de inovação e organizações de todas as regiões do Estado, por meio do Programa Inova RS, da Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia (Sict). Este espaço também é uma contrapartida do evento, bem como as ações sociais organizadas pela Sict e pela Secretaria Extraordinária de Inclusão Digital e Apoio às Políticas de Equidade (Seidape), buscando promover acesso amplo ao ecossistema de inovação e empreendedorismo.
Estas ações aconteceram antes, durante e seguirão depois do evento, tanto na capital quanto no interior, e são focadas em diferentes grupos – como alunos de escolas públicas, comunidades em situação de risco e mulheres empreendedoras. As atividades incluem envolvimento de palestrantes, economia circular, dinâmicas artísticas, iniciação empreendedora, capacitação em inovação e tecnologia, entre outras iniciativas. Todas estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas.
Uma das ações que destacamos é a Supporting Communities Affected by Floods (Apoiando Comunidades Afetadas por Inundações), liderada pelo Comitê Científico de Adaptação e Resiliência Climática nas cidades de Canoas, Alvorada e Eldorado do Sul, três das mais atingidas pela enchente de maio de 2024. A atividade consistiu em ouvir a população e debater soluções para os obstáculos enfrentados durante e após as cheias.
Por todo este potencial de impulsionamento econômico e social, o Governo do Estado é correalizador do South Summit Brazil e promove, a cada ano, uma licitação para escolha da empresa que realiza a montagem do evento. Neste ano, a vencedora foi a DMDL LTDA, que apresentou a melhor proposta – R$ 13.500.000,00.
O valor estimado da licitação era de R$ 19.733.906,95, o que representou uma economia de aproximadamente 31,6% para os cofres públicos. No total, dez empresas participaram do certame, que foi homologado em 11 de fevereiro.