13 Julho 2020
Acadêmico indo-franco-americano, Navi Radjou é consultor em inovação e liderança, fellow da Judge Business School da Universidade de Cambridge e autor de vários best-sellers, entre os quais está L'Innovation Jugaad. Redevenons ingenieux (A inovação Jugaad. Voltemos a ser engenhosos, Éd. Diateino, 2013), escrito em parceria com Simone Ahuja e Jaideep Prabhu. Recentemente, publicou, com Jaideep Prabhu, Le guide de l’innovation frugale. Les six principes clés pour faire mieux avec moins (Guia da inovação frugal. Os seis princípios chaves para fazer melhor com menos, Éd. Diateino, 2019).
A entrevista é de Catherine André, publicada por Alternatives Économiques, 11-07-2020. A tradução é de André Langer.
Para Navi Radjou, estamos entrando na era da convergência. Os desafios enfrentados pelos países industrializados – poluição, crescentes desigualdades, doenças, desemprego, recursos naturais limitados – são cada vez mais semelhantes aos dos países em desenvolvimento. Qualquer pessoa pode fazer melhor com menos, desenvolvendo engenhosidade e agilidade, afirma o teórico da “inovação frugal”. Inclusive na França.
O que é a inovação frugal?
A inovação frugal tem suas raízes na Índia e é uma prática que me inspirou quando estava crescendo. Com pouquíssimos meios, as pessoas muito pobres conseguiram, e ainda conseguem, improvisar soluções eficazes. Essa é a gênese do conceito de Jugaad. No nosso último livro nós descrevemos os seus principais princípios implementados por todos esses empreendedores sociais: a frugalidade, a agilidade e a inclusão na inovação Jugaad. Desses três atributos, é a frugalidade que mais se desenvolveu no Ocidente, mas os outros dois me parecem ainda mais importantes no contexto atual: a agilidade mental, que ajuda a cultivar a resiliência e a inclusão. Não inventamos frugalmente para nos enriquecer, mas para o bem comum.
Depois da crise de 2008, percebemos que o contexto no Ocidente começava a se assemelhar ao dos países emergentes, com crescentes desigualdades, restrições econômicas e financeiras. A essas, soma-se uma restrição global mais recente, sempre atual: a mudança climática.
Foi assim que o conceito evoluiu de “fazer mais com menos”, especialmente no sentido de mais qualidade e durabilidade, para “fazer melhor com menos”. A ênfase está agora no “melhor” para gerar um impacto positivo na sociedade e no meio ambiente.
Além disso, a ideia não é mais fazer menos em termos de economia de recursos naturais, mas, sobretudo, de “fazê-lo em menos tempo”, porque o tempo é um recurso essencial que nos falta. Com um tempo mais limitado, em uma situação emergencial como a crise da Covid-19, era necessário aprender a desenvolver rapidamente soluções como máscaras e respiradores de qualidade suficientes, evitando o excesso de qualidade.
Atualmente, estou trabalhando no conceito de “regeneração”, que vai além daquele da sustentabilidade, que se tornou insuficiente para revitalizar um sistema doente e muito menos para fazê-lo evoluir. Vemos que o sistema atual não funciona mais, seja em sua dimensão econômica, social ou planetária. Portanto, deve ser renovado, revitalizado e reinventado. Incentivamos os trabalhadores a voltarem ao trabalho, mas o que fazer quando as condições de trabalho são péssimas e fonte de ansiedade? É muito difícil retornar a um “antes” que não é satisfatório.
O problema de muitas empresas ocidentais é que elas têm papéis fixos. Elas acham difícil mudar de pele e vestir roupas novas quando o contexto o exige. No entanto, algumas empresas ágeis mostram versatilidade.
Por exemplo, durante a crise da Covid-19, o Groupe SEB (Société d'Emboutissage de Bourgogne) passou a fabricar respiradores simplificados, projetados em código aberto pelos fabricantes pela módica quantia de 1.000 euros, enquanto os preços normalmente variam entre 25 mil e 30 mil euros. A empresa saiu de sua estrutura de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) associando-se a inventores externos e concentrou-se em suas competências industriais para fabricar esses respiradores em larga escala.
Na minha opinião, as empresas francesas devem se tornar versáteis nos papéis que desempenharão no ecossistema da inovação aberta. No modelo antigo, era: “Eu tenho uma equipe de P&D, projetamos um produto, criamos uma patente, depois nós mesmos o fabricamos e vendemos”. Ora, essa cadeia de valor verticalmente integrada está sendo atomizada. O Groupe SEB realmente deixou seu papel de inventor.
As empresas na França estão começando a entender que não têm todas as respostas, nem a agilidade necessária, e eu diria até a mentalidade aberta, frugal e inclusiva, que pode parecer um pouco antinômico com a cultura clássica do “nós sabemos fazer tudo” das empresas.
De onde veio esse movimento da empresa frugal?
A onda começou a tomar forma depois da crise financeira de 2008. Os consumidores, tornando-se parcimoniosos, escolheram produtos “low cost” (de baixo custo). Então, a partir de 2010, com o nascimento do movimento dos “makers” (fabricantes) e dos “fablabs” (do inglês "fabrication laboratory", em português, laboratório de fabricação), inspirados pela vontade de criar produtos rapidamente, com ferramentas digitais, como as impressoras 3D, em um espírito de compartilhamento e de polinização. Essa tendência foi percebida pela primeira vez pelos industriais quando a digitalização foi implementada nos processos de fabricação industrial.
Por exemplo, em 2013, a General Electric lançou o 3D Printing Design Quest para projetar os suportes de fixação de motor de uma aeronave de nova geração, que sejam mais leves e possam ser impressos em 3D. O vencedor, Arie Kurniawan, um engenheiro de Salatiga, na Indonésia, venceu 699 outros projetos de 56 países. Seus suportes de fixação são apenas 16% do peso dos originais, mas podem suportar uma carga muito maior. Surpreendentemente, Arie Kurniawan não tinha nenhuma experiência em engenharia aeronáutica e levou apenas algumas semanas para conceber sua engenhosa solução frugal.
Paralelamente aos centros de pesquisa, alguns fabricantes desenvolveram “fablabs” internos, mas situadas fora da sede, com vocação interdisciplinar e abertos a outros ecossistemas, para desenvolver novos modelos econômicos, até mesmo para questionar e testar outros tipos de inovação. Um dos pilares do i-Lab, o “fablab” da Air Liquide, é, por exemplo, a inovação social.
Imperativos sociais e ecológicos foram adicionados a essas novas maneiras de inventar e produzir. A responsabilidade social empresarial (RSE) começou a ganhar impulso com o aguilhão da consciência ecológica. Isso deu uma nova missão a esses “fablabs” e missões de inovação frugais internamente.
Existe, portanto, uma congruência de fatores tecnológicos, econômicos, sociais, culturais e ecológicos combinados com a chegada dos jovens da geração Y ao mundo do trabalho, alguns dos quais possuem essa facilidade e familiaridade com esses conceitos de agilidade e que desejam trabalhar em ambientes mais fluidos. Esses últimos, que chamo de “nativos frugais”, por terem o DNA frugal, costumam ser chamados para ajudar na reciclagem de trabalhadores mais velhos, especialmente nas equipes de pesquisa e desenvolvimento.
Essa evolução de algumas empresas para a inovação frugal e para mais agilidade é acompanhada de uma reflexão sobre questões de transparência financeira e de um modelo impulsionado pela lucratividade exigida pelos acionistas?
Sim, um certo número de empresas como Patagonia e Natura possui, agora, a certificação B Corp (selo social e ambiental concedido a empresas comerciais que demonstram uma missão social, nota do editor). A Danone, por exemplo, iniciou o processo de obtenção desse selo para toda a empresa. Nos Estados Unidos, onde o mercado de laticínios orgânicos está em pleno crescimento, a Danone está investindo pesadamente na agricultura regenerativa.
A agricultura regenerativa designa um conjunto de práticas agrícolas, que integram conhecimentos tradicionais e ciência, que visam fortalecer e melhorar de maneira natural a qualidade e a fertilidade do solo. A agricultura regenerativa ajuda a “produzir melhor com menos”, com menos pesticidas, menos água, enquanto aumenta o rendimento e a qualidade dos produtos para os agricultores, proporcionando-lhes uma vida melhor. Atualmente, a Danone está colaborando com o Dr. Rattan Lal da Universidade de Ohio e o Dr. Harold van Es da Universidade de Cornell para estudar e melhorar a saúde das terras agrícolas dos fornecedores da Danone nos Estados Unidos (em junho de 2020, o Dr. Lal ganhou o World Food Prize, uma espécie de Prêmio Nobel da agricultura).
Para neutralizar o efeito flutuante dos preços da ração animal importada, a Danone está criando uma cadeia de suprimentos local para ajudar seus agricultores nos Estados Unidos a evitar a necessidade de recorrer às importações caras. O grupo está, assim, no processo de criar um protótipo do seu próximo modelo econômico, que apoia aquilo que chamo de “regeneração tripla”: a regeneração dos indivíduos através de uma alimentação saudável, dos territórios com comunidades agrícolas e das terras agrícolas.
Como você vê o papel das ONGs e da sociedade civil nesses desenvolvimentos?
Observo que estamos nos encaminhando cada vez mais para um modelo híbrido, onde as respostas não vêm do Estado, como no caso da fabricação de máscaras durante a crise de Covid, mas das organizações locais, das prefeituras... A prefeitura de Saint-Denis de la Réunion, por exemplo, facilitou a fabricação de cerca de 200 mil máscaras em tempo recorde, feitas voluntariamente por costureiros, principalmente homens, uma vez que não é costume...
Em tempos de crise, entidades políticas assim como empresas conseguiram transcender sua identidade e colocar em ação colaborações incomuns para encontrar soluções rápidas e eficientes. Isso requer separar a palavra “savoir-faire”. Remover o traço entre as duas dá uma liberdade incrível, porque é possível usar o conhecimento (expertise) para fazer (fabricar) muitas coisas muito além do negócio principal.
Por exemplo, a Ford ultrapassou sua identidade como “fabricante de automóveis” em parceria com a unidade de saúde da General Electric para aplicar seu “savoir”, sua expertise no gerenciamento de complexas cadeias de suprimentos, para fabricar respiradores em larga escala em suas plantas de montagem.
Na sua opinião, esses exemplos de colaborações inovadoras que ocorreram espontaneamente durante a crise da Covid-19 vieram para ficar, para serem mais explorados?
Vou ser direto: observo uma verdadeira preguiça intelectual dos líderes políticos e dos dirigentes empresariais, para ser sincero, inerente ao sistema industrial capitalista, que vive da produção-distribuição-consumo em massa. Eles estão tão familiarizados com esse sistema que dominaram durante 200 anos que não são capazes de desaprender para reaprender. Isso está associado à falta de humildade. Eles são incapazes de reconhecer que não sabem.
No entanto, diante dos desafios atuais, teremos que fazer de outra maneira. Na França, em particular, ao sair das grandes escolas, da ENA, da Polytechnique, das escolas de negócios, você deve ser um “sabichão” onisciente.
Mas é necessário encontrar novos modelos. Até agora, vimos apenas uma faceta da crise de saúde desencadeada pela Covid-19, que ainda não identificamos inteiramente. A persistência do vírus poderia causar uma epidemia de graves distúrbios psicológicos que provocaria estragos em termos econômicos e sociais.
Diante dessas incertezas, e como disse Edgar Morin, devemos sair do pensamento reducionista e analítico para apelar ao pensamento global e complexo, a fim de analisar e tratar os problemas “sistêmicos” com uma abordagem “sistêmica”.
Isso o deixa otimista na medida em que o sistema antigo se torna inoperante?
Exatamente. Mas não podemos subestimar a capacidade da velha guarda de se apegar a esse modelo, porque ela não conhece outra coisa e tem muito a perder. Muitas vezes, na França, prisioneiros do pensamento binário e da busca de um caminho messiânico, não pensamos em termos de alternativas, de discussão sobre os diferentes caminhos possíveis.
Da mesma forma, a mídia gosta de enaltecer as oposições, de dar a palavra a personalidades fortes. O risco, em tempos de crise, é procurar um salvador, com o risco do totalitarismo que vemos emergir ou se fortalecer em muitos países no momento.
Eu vejo a inovação frugal como uma ferramenta eficaz para mudar de sistema de maneira evolutiva e não disruptiva, e de maneira descentralizada, favorecendo soluções “bottom up”, de baixo para cima. Começamos experimentando no nível local.
As experiências locais já são muito numerosas na França, e em todas as áreas. O que está faltando?
A França precisa de atores capazes de conectar e ampliar essas soluções locais; caso contrário, acabaremos com “ilhas de inovação” com poucas sinergias em toda a França. O Banco Mundial havia estimado que, se as várias regiões da Índia compartilhassem entre si suas boas práticas e conhecimentos nos campos da agricultura, da indústria... o país poderia aumentar coletivamente seu PIB em mais de 2%. Por exemplo, a plataforma digitalgreen.org ajuda os agricultores indianos a compartilhar suas boas práticas e a produzir melhor com menos.
Poderíamos criar uma plataforma semelhante na França, que poderia ser chamada de TouteLaFranceInnove.fr. Ela identificaria soluções e boas práticas nos diferentes territórios e permitiria que os inovadores nas regiões tivessem mais visibilidade e apoio em nível nacional. Lamento que a mídia nacional francesa tenda a destacar inovadores localizados em Île-de-France em detrimento de empresários de outras regiões!
A França também pode se inspirar no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que acaba de criar 60 Accelerator Labs (Laboratórios de Aceleração) com o apoio de 78 países. Esses laboratórios identificam soluções comprovadas que já existem “no terreno” e ajudá-los a ganhar escala, conectando-os com parceiros oriundos do setor público e privado. Para usar a estrutura conceitual mencionada acima, o PNUD optou por abandonar seu papel de “inventor” de soluções genéricas e tornar-se um “conector” e “caixa de ressonância” de microssoluções já existentes.
Na França, o Banco dos Territórios poderia criar Frugal Labs nas regiões para ampliar as inovações territoriais.
Você vê um potencial de mudança nas empresas francesas?
Visto de Nova York, o epicentro do capitalismo global, acho que a maioria das empresas francesas possui uma “consciência” social e ambiental mais desenvolvida do que as empresas americanas, que visam unicamente a maximização do lucro no curto prazo. O problema é que os empresários franceses acham difícil “operacionalizar” suas boas intenções, que permanecem confinadas a projetos de responsabilidade social e empresarial desconectadas do coração de sua profissão. Meu livro recente Le Guide de l’Innovationa Frugale (escrito em parceria com Jaideep Prabhu, ed. Diateino, 2020) demonstra como as empresas francesas podem usar a inovação frugal como uma ferramenta eficaz para integrar a missão social ao núcleo central do seu DNA.
Por exemplo, a Recygo, uma joint venture entre La Poste e Suez, emprega pessoas em reinserção profissional para seu serviço de reciclagem de papel de escritório. A Recygo é uma nova fonte de renda para La Poste, que está tentando se reinventar na era digital. A Recygo não precisou de muito capital para começar, pois as equipes, os caminhões e as caixas usadas para distribuir a correspondência podiam ser usados com a mesma facilidade para coletar o papel de clientes. O único custo foi o tempo e o esforço necessários para treinar as equipes e montar um novo sistema de informações. Como mostra a Recygo, é possível “fazer melhor com menos”, ter um impacto social e ecológico positivo com pouquíssimos recursos.
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“A inovação frugal é uma ferramenta eficaz para mudar de sistema”. Entrevista com Navi Radjou - Instituto Humanitas Unisinos - IHU