07 Março 2025
Ele certamente não foi o “Papa de Hitler”, mas nem mesmo o “Papa dos judeus”. Quanto mais se analisam os documentos relativos ao pontificado de Pio XII, disponíveis para consulta desde março de 2020, mais se percebem as muitas facetas de sua atitude durante a Segunda Guerra Mundial: “Não existe uma única razão para o silêncio do Papa Eugenio Pacelli sobre o extermínio dos judeus, mas questões antigas e novas estão emaranhadas e o levam a escolher a prudência e depois a não voltar explicitamente ao assunto, nem mesmo no final do conflito”. Essas são as palavras de Giovanni Coco, um acadêmico que trabalha no Arquivo Apostólico do Vaticano e antecipa à “La Lettura” o conteúdo de seu novo livro, Un mosaico di silenzi (Um mosaico de silêncios), a ser publicado na terça-feira, 4 de março, pela Mondadori.
A reportagem é de Antonio Carioti, publicada por la Lettura, 02-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um primeiro ponto diz respeito à suposta atenuação, por parte de Pio XII (cujo aniversário de nascimento, 1876, e de eleição, 1939, ocorre em 2 de março), da condenação expressa por seu antecessor Achille Ratti, Pio XI, em relação ao nazismo. “Entre os dois pontífices”, argumenta Coco, ”há uma continuidade substancial, apesar das diferenças de caráter. Tanto aos olhos do Papa Ratti como do Cardeal Pacelli, então seu secretário de Estado, o repúdio à estatolatria e ao racismo já estava presente na encíclica Mit brennender Sorge (Com viva preocupação), de 1937, que de fato contém uma forte crítica ao Terceiro Reich e ao pensamento nazista, mas ainda não é uma condenação explícita do antissemitismo. No ano seguinte, diante da aprovação das leis raciais do fascismo, o papa Ratti reage com uma dura ação externa contra o antissemitismo, mas, ao mesmo tempo, por medo de repercussões sobre a Ação Católica, restringe sua intervenção à proteção dos judeus batizados, as pessoas sobre as quais a Igreja tem jurisdição direta. Seu sucessor também insistirá nisso, tentando de todas as formas arrancar concessões de Mussolini em relação aos “católicos não arianos”. Pio XI é mais batalhador, Pio XII usa uma cautela tipicamente diplomática, mas no conteúdo as duas linhas coincidem”.
No entanto, diz-se que Pacelli deixou de lado uma encíclica contra o racismo que Ratti estava planejando publicar. “Pio XI”, ressalta Coco, ”vê a maré crescente do nazismo e se questiona sobre ir além da Mit brennender Sorge. Assim, encarrega primeiro o dominicano Mariano Cordovani e depois dois jesuítas, John LaFarge e Gustav Gundlach, de preparar um texto condenando o racismo. No entanto, quando o estudo dos dois padres chega até ele, o papa não se mostra convencido, tanto que o deixa guardado em uma gaveta. Além disso, pouco antes de sua morte, Pio XI instrui o Santo Ofício a assumir o estudo de um documento contra o totalitarismo (e, em parte, também contra o racismo) preparado em 1936, como já escrevi em 2023 para os “Quaderni di Storia” de Luciano Canfora. Em suma, o próprio Papa buscava caminhos diferentes porque não estava satisfeito com o estudo elaborado por LaFarge e Gundlach, que foi definitivamente descartado após sua morte em 10 de fevereiro de 1939”.
Quando a guerra estoura, poucos meses após a eleição de Pio XII, “a grande preocupação do papa é salvaguardar a neutralidade da Santa Sé com relação aos contendores. Por isso, durante muito tempo, ele até hesita em intervir em favor de uma nação fiel à Igreja e tão ferozmente oprimida pelos nazistas como a Polônia, apesar dos pedidos insistentes que lhe chegam daquele lado.
Obviamente, a reticência é muito maior em relação aos judeus, tanto porque o Vaticano sente dificuldade em pensar estender sua proteção para fora do mundo católico ou, pelo menos, do mundo cristão, quanto porque pesa muito o antigo antijudaísmo religioso da Igreja, diferente do antissemitismo racial, mas ainda assim precursor no passado de acusações graves contra o povo de Israel e de medidas severamente restritivas, como a criação de guetos”.
Após a emancipação dos judeus, a desconfiança da hierarquia eclesiástica certamente não havia diminuído: “Enquanto, por um lado, a Igreja continua a vê-los como pessoas a serem convertidas, como primeiros destinatários da revelação divina, ao mesmo tempo, olha para eles como inimigos em potencial, que tendem a se aliar a maçons e revolucionários para combater a fé. Tomar a palavra para defendê-los parece muito problemático, ainda mais porque na Cúria Romana operam personalidades como Monsenhor Angelo Dell'Acqua, considerado um especialista da questão judaica, que em suas anotações para o Papa se mostra animado por preconceitos antissemitas, de modo que tende a duvidar das notícias sobre a ‘solução final’ nazista e às vezes não se poupa de alusões desagradáveis à suposta vitimização dos perseguidos”.
Entretanto, a partir de 1942, as informações que chegam ao Vaticano sobre o Holocausto tornam-se cada vez mais precisas e circunstanciadas: “Nessa fase”, lembra Coco, “Pio XII quebra parcialmente seu silêncio sobre o genocídio em curso. Na mensagem radiofônica de Natal de 1942, fala de pessoas “destinadas a morrer” por razões “de nacionalidade ou linhagem”. Depois, em 2 de junho de 1943, dirige sua solicitude àqueles que, novamente pelos mesmos motivos, são submetidos a “constrições exterminadoras”: uma expressão forte para o seu léxico sempre cuidadoso”.
No entanto, Pio XII nunca menciona explicitamente os judeus como vítimas dos crimes nazistas: “Ele se move em uma lógica de cautela diplomática e não quer levantar uma controvérsia direta com o Terceiro Reich, porque conhece a intransigência de Berlim sobre a questão racial. Ele teme que um confronto aberto seria contraproducente para as próprias vítimas e, acima de tudo, teria um impacto devastador sobre os católicos alemães. Quando o príncipe alemão Filipe de Hesse tinha tentado promover uma distensão nas relações entre a Santa Sé e o Terceiro Reich em 1939, tinha dito ao papa que era melhor com Adolf Hitler evitar tocar na questão racial. E Pio XII não levantara nenhuma objeção”.
No final, em setembro de 1943, com o armistício assinado pelo governo de Badoglio, um novo fato de extrema importância acontece, a ocupação alemã do centro e do norte da Itália: “O papa se vê como o frágil garantidor da ‘cidade aberta’ de Roma diante dos nazistas. Para Pio XII, isso é motivo de grande apreensão, também porque está circulando um boato, talvez proposital, de que Hitler pretende fazer o Papa prisioneiro e arrastá-lo para longe de Roma. O Pontífice fala abertamente sobre isso em uma conversa com o embaixador do Terceiro Reich na Santa Sé, Ernst von Weizsäcker, e expressa sua intenção de não ceder: ‘Vou ficar aqui’. O diplomata desmente qualquer intenção hostil, mas o medo não diminuiu”.
É também por esse motivo que Pio XII não protesta publicamente quando, em 16 de outubro de 1943, acontece a batida no gueto de Roma, com a captura de cerca de mil judeus destinados a Auschwitz: “O Papa Pacelli intervém confidencialmente, conseguindo que alguns dos presos sejam libertados. Ele envia o cardeal secretário de Estado do Vaticano, Luigi Maglione, para pedir explicações a von Weizsäcker. O cardeal também levanta a possibilidade de uma desaprovação papal pública do incidente. Mas o embaixador responde com muita firmeza e a Santa Sé prefere permanecer em silêncio”. A prudência de Pio XII nessa fase é tamanha que ele não reage nem mesmo diante das calúnias que circulam a seu respeito: “Quando se espalha o falso boato de que o papa teria aprovado a batida ao gueto de Roma, uma nota de protesto é preparada para ser enviada ao comando alemão, mas depois prefere-se renunciar”.
Durante a ocupação nazista, muitas pessoas procuradas são escondidas nas casas religiosas da capital, tanto que se falou de uma ordem escrita de Pio XII para acolher judeus.
Uma hipótese que, de acordo com Coco, não tem fundamento: “Um diplomata refinado como Pacelli nunca teria colocado uma diretriz tão comprometedora no papel, que os alemães poderiam interceptar. Talvez houvesse algumas instruções orais, mas não necessariamente relacionadas à questão judaica”.
A hospitalidade oferecida pelos conventos e mosteiros foi um fenômeno espontâneo: “Antifascistas, ex-fascistas e judeus foram acolhidos para salvá-los dos perigos a que estavam expostos por causa da ocupação nazista. Mas havia o problema da clausura, um termo que no direito canônico não apenas designa, como na linguagem comum, uma vida religiosa de confinamento na qual não há contato com o mundo exterior, mas também determinados espaços dentro de um mosteiro aos quais pessoas de fora não podem ter acesso.
Para oferecer hospitalidade aos perseguidos, era necessário superar essas restrições e, para isso, especialmente nos institutos de direito pontifício, era necessária a autorização da Santa Sé. O fato de que essa disponibilidade tenha sido amplamente concedida, sem dúvida oralmente, pode ter dado origem à sensação de que havia uma ordem papal nesse sentido. Em alguns casos, no entanto, sabemos que Pio XII também interveio com uma contribuição econômica para ajudar as casas religiosas a arcar com as despesas decorrentes do fato de estarem hospedando procurados”.
Após a libertação de Roma, em junho de 1944, Pacelli está mais livre para falar. “Mas ele continuou a permanecer em silêncio sobre o extermínio ainda em andamento, preferindo deixar a iniciativa para os episcopados locais. Em um determinado momento, o papa planeja enviar uma mensagem aberta ao cardeal Jusztinián Serédi pedindo que ele intervenha em favor dos judeus húngaros, que os nazistas estavam deportando para o extermínio. Mas então chega um telegrama codificado mostrando que Serédi já havia agido e Pio XII lhe envia uma aprovação genérica. É uma pena que a mensagem de Budapeste tenha sido decifrada erroneamente e, de fato, não continha nenhuma referência aos judeus”.
Mas por que o Papa Pacelli permanece em silêncio mesmo após o fim da guerra?
“Isso depende, acima de tudo, de dois fatores. Em primeiro lugar, a Santa Sé não queria dar a impressão de estar se voltando contra os derrotados, também para salvaguardar suas relações com o mundo germânico. Pio XII reivindica o martírio sofrido por muitos católicos e sacerdotes durante o Terceiro Reich, mas não vai além disso. Nessa fase, a Igreja alemã torna-se a intérprete dos sofrimentos de seu povo e invoca a ajuda do Papa, que inaugura uma campanha de clemência. Há uma ampla documentação sobre o assunto, com casos clamorosos: por exemplo, o padre bávaro Johannes Baptist Neuhäusler, um fervoroso antinazista que havia sido preso no campo de Dachau, pede clemência para seus próprios algozes. Apelos aos quais o Vaticano não podia ficar insensível. Depois, há a imigração judaica para a Palestina, que leva ao nascimento do Estado de Israel: a Igreja não vê com bons olhos o sionismo, que altera a situação demográfica na Terra Santa, prejudicando ainda mais os cristãos de língua árabe, que já eram uma minoria em um país islâmico. E a Santa Sé teme que uma sua forte declaração sobre o Holocausto seja usada para apoiar a criação de um Estado judeu. Não podemos esquecer de que é somente sob o pontificado de João Paulo II que o Vaticano inaugura relações diplomáticas oficiais com Israel”.
Em conclusão, Coco nos convida a entender o profundo sofrimento de Pio XII: “Acredito que Pacelli foi prejudicado por sua máscara de impassibilidade, funcional para veicular a imagem forte e sagrada do Pastor angelicus, a ser contraposta à figura vencedora de Josef Stalin e à utopia do socialismo real. Mas aquela atitude aparentemente distanciada foi confundida com indiferença e falta de empatia. Na realidade, o pontífice é um homem combalido, sofredor, atento às histórias dos sobreviventes. Ele é hostil ao antissemitismo, chegando a condená-lo abertamente em uma audiência com uma delegação árabe palestina, mas deve se confrontar com a persistência do preconceito antijudaico dentro da Igreja. Ele sente a necessidade de abrir um novo capítulo nas relações com o mundo judaico, mas não quer se antecipar. Encomenda um estudo sobre a conveniência de remover a expressão Pro perfidis Iudaeis da liturgia da Sexta-feira Santa e, pessoalmente, é a favor dessa mudança, mas depois, diante de opiniões divergentes, prefere não forçar a mudança. Em suma, ele opta por iniciar um debate e aguardar seu resultado em vez de antecipar as conclusões. Pio XII está como que suspenso em uma terra de ninguém entre passado e futuro. É aí que reside seu drama”.