30 Novembro 2024
"Fica a impressão de que, devidamente informado sobre essa complexa realidade, o Papa Francisco, com sua clara opção pelas “periferias”, não teria dúvida em criar uma terceira arquidiocese em Santa Catarina. Por enquanto, segundo parece, a necessária “reestruturação” pastoral do Regional Sul IV ainda vai requerer importantes ajustes evangelizadores para levar a bom termo sua missão", escreve Vitor Hugo Mendes, em artigo enviado ao Instituto Humanitas Unisinos — IHU.
Vitor Hugo Mendes é presbítero da Diocese de Lages. Doutor em Educação (UFRGS), doutor em Teologia (Salamanca/Espanha), pós-doutor em Pensamento Ibérico e Latino-americano e também em Educação. Atua como orientador de retiros, conferencista, assessor e consultor em temas de Teologia, Pastoral, Espiritualidade, Educação e Psicopedagogia. Especialista em Pastoral Urbana. Autor do livro, em dois volumes, Liberación, um balance histórico bajo el influjo de Aparecida y Laudato si’. El aporte latinoamericano de Francisco, 2021 (Appris/Amerindia), que versa sobre a Teologia Latino-americana e o Magistério do Papa Francisco.
No dia 05 de novembro o Estado de Santa Catarina, no sul do Brasil, recebeu com alegria a notícia de criação de duas novas arquidioceses: Joinville e Chapecó. Com isso, o Regional Sul IV da CNBB, composto por dez dioceses, passou a contar com três arquidioceses, três arcebispos e três províncias eclesiásticas: Florianópolis (Tubarão e Criciúma), Joinville (Rio do Sul e Blumenau) e Chapecó (Lages, Caçador e Joaçaba).
Com a ereção das novas províncias e a nomeação dos arcebispos titulares, o paranaense D. Carlos Bach (Joinville) e o catarinense D. Odelir J. Magri (Chapecó), as respectivas sedes episcopais foram elevadas à categoria de Igreja Metropolitana. Por conta disso, as demais dioceses das províncias eclesiásticas, em linguagem canônica, são designadas como sufragâneas (subordinadas).
A reestruturação da Província Eclesiástica de Florianópolis pelo Papa Francisco, em certo sentido, chegou a muitos como um evento surpresa. Há décadas o assunto vinha sendo comentado nos bastidores, falava-se de alguns estudos, mas até então nada em concreto. Repentinamente acordamos com a grande novidade, talvez, no contexto regional, o acontecimento eclesial mais significativo do século XXI. Obviamente que foi algo estudado, devidamente planejado, como sempre se faz na Igreja. Contudo, nas Igrejas locais, ecoou mais como um ato administrativo próprio das instâncias eclesiásticas.
Certamente buscar-se-á prover a indispensável adesão sinodal e pastoral do povo de Deus, dos padres, da vida consagrada e da sociedade em geral, mas isso aparece somente como ato segundo. Pastoralmente, poderia ter sido o ponto de partida. Pormenores importantes que as reformas do Papa Francisco ainda podem ajustar a fim de colocar em primeiro plano a sinodalidade e a missionariedade da Igreja.
A criação de “novas” estruturas eclesiais com a intenção de promover “reestruturações” na vida da Igreja será sempre um tema complexo, verdadeiramente difícil e somente o tempo poderá dizer aquelas foram acertadas ou não. De toda maneira, hoje, a Igreja como um todo, em Sínodo, se pergunta: quais são, realmente, as estruturas sinodais indispensáveis para promover a saída missionária da Igreja? Mais recentemente, temos aprendido com a Vida Consagrada, há um inevitável enxugamento das estruturas de governo e uma renovada ampliação da vivência dos carismas fundacionais.
Com um olhar voltado para a realidade eclesial e social das cidades de Joinville e Chapecó, não cabe dúvida de que, a Igreja Católica, nessas áreas visivelmente metropolitanas de Santa Catarina, precisava de uma atenção evangelizadora diferenciada.
Joinville (173 anos), situada no litoral norte, a maior cidade do estado em população, frequenta o ranking das 25 cidades mais ricas do país e é considerada uma das economias mais pujantes do Brasil. Como diocese, juntamente com Lages, foi criada em 1927, sendo instalada em 1929. Ambas as dioceses estão às vésperas de celebrar a festa jubilar do centenário.
De Joinville, de modo especial, vem naturalmente à memória D. Gregório Warmeling, grande em todos os sentidos, mas ainda maior no campo do ensino religioso e do ecumenismo. Esteve à frente da Igreja diocesana de Joinville de 1957 até 1994 (nada menos que trinta e sete anos). Também se faz presente o seu ilustre sucessor, oriundo do presbitério da Diocese de Lages, D. Orlando Brandes, hoje, o conhecido e bem lembrado arcebispo de Aparecida, coração Mariano do Brasil.
Chapecó (107 anos), no extremo oeste de Santa Catarina, literalmente na periferia do estado, resistiu com esforçado empenho às distâncias e parcimônias da capital do Estado e tem se destacado por uma trajetória regional/nacional bastante movimentada. Entre outros, desperta atenção por seus investimentos nas áreas da economia, gestão e sustentabilidade. É o munícipio com a maior população na região e se tornou um centro de referência para a saúde e a educação superior no oeste catarinense e no estado.
A Diocese de Chapecó, criada em 1958 e instalada no ano seguinte, foi desmembrada, em sua maior parte, do imenso território da Diocese de Lages. Dos bispos de Chapecó, sobressai a grandeza eclesial de D. José Gomes e sua recordada atuação na região de 1969 a 1998 (vinte e nove anos). Foi um bispo visionário que corajosamente se antecipou em promover, na Igreja regional e no Brasil, uma Igreja “pobre e com os pobres”. Seu estilo pastoral e a profunda amizade mantida com D. Oneres Marchiori influenciou significativamente o bispo de Lages, e juntos animaram a pastoral social no regional Sul IV.
Considerando estes poucos aspectos, Joinville e Chapecó foram agraciadas com este reconhecimento oportuno e, por certo, necessário, de se tornarem Igrejas Metropolitanas. Dessa maneira, receberam a incumbência pontifícia de promover uma atenção eclesial diferenciada em uma realidade contextual com grandes desafios e muitas possibilidades. Como será o trabalho, enquanto província eclesiástica, ainda não sabemos, mas há muitas e boas expectativas de um trabalho articulado em torno da realidade e das demandas de cada uma das dioceses sufragâneas. De toda maneira, aumenta a possibilidade de maior proximidade e escuta das Igrejas sufragâneas.
Criada em 1908, a Diocese de Florianópolis tornou-se arquidiocese no ano de 1927, quando deixou de ser sufragânea de Porto Alegre. Com a criação, na mesma oportunidade, das dioceses de Lages e Joinville, formou-se a primeira província eclesiástica do Estado de Santa Catarina. Em breve completará o seu primeiro centenário.
O primeiro arcebispo, D. Joaquim Domingues de Oliveira, governou a Igreja de Florianópolis e a província eclesiástica durante mais de cinco décadas (1914-1967). D. Afonso Niehues, padre conciliar, já nomeado bispo coadjutor de Lages, foi escolhido arcebispo de Florianópolis e ali permaneceu, com destacada presença no regional, vinte e quatro anos (1967-1991). Nas últimas três décadas, a capital do estado recebeu três arcebispos, todos catarinenses e, curiosamente, os três religiosos Dehonianos (SCJ): o Cardeal Eusébio O. Scheid, D. Murilo S. R. Krieger e D. Wilson Tadeu Jönck, atual arcebispo.
Por sua localização litorânea, a sede da primeira província eclesiástica, em Florianópolis, sempre teve o desafio de vencer as distâncias geográficas e apoiar as diferenças regionais no estado, sobretudo as culturais. Com esta responsabilidade, ainda em 1970, D. Afonso Niehues e os demais bispos, agilizaram a instalação da regional da CNBB (Sul IV). Tendo em vista integrar a formação dos presbíteros no regional, em 1973 deu-se a fundação do Instituto Teológico de Santa Catarina (ITESC). No ano de 1990 foi criado o Instituto Filosófico de Santa Catarina (IFISC), que logo depois, como seminário regional, recebeu o nome de SEFISC.
Ambas as instituições (ITESC/SEFISC), responsáveis pela formação presbiteral, passaram por muitas modificações evidenciando as muitas tentativas de fortalecer um trabalho eclesial conjunto no regional. Deram muitíssimos frutos, mas, atualmente, parecem indicar que os empenhos ainda não foram suficientes em termos de garantir a continuidade e o fortalecimento da Igreja regional. Em geral, a diminuição e a falta de vocações tornaram-se um problema maior em praticamente todas as dioceses. Basta lembrar que, outrora, Santa Catarina foi destaque no Brasil sendo considerada um importante “celeiro de vocações”.
O SEFISC, não faz muito, encerrou suas atividades e cada diocese tem buscado alternativas para a formação filosófica dos seus seminaristas. O ITESC, agora Faculdade Católica de Santa Catarina (FACASC), talvez, tende a ser uma presença menos regional e mais Igreja local. Recentemente a Diocese de Lages optou em fazer a formação filosófica e teológica em Passo Fundo (RS). A Diocese de Chapecó, já faz muitos anos, também frequenta o mesmo Instituto de Teologia Pastoral (ITEPA). Com as novas províncias eclesiásticas uma proposta nova de formação presbiteral, diaconal e de lideranças leigas poderia surgir e amadurecer como alternativa dentro do próprio regional. Possivelmente colheria muitos aplausos!
Enquanto isso, as dioceses de Lages e Caçador, na Serra Catarinense, continuam sendo dioceses sufragâneas. Situadas na zona limítrofe, periferia das três províncias eclesiásticas, são as Igrejas particulares que reúnem a maioria da população dita “cabocla” em Santa Catarina. Historicamente, a cultura cabocla, bastante dada a uma específica e valorosa piedade popular, permaneceu marginalizada por trazer visível as marcas da mestiçagem e, sobretudo, por lhe faltar os traços de uma descendência estrangeira mais “depurada”, como preferem alguns. Não poucas vezes é uma cultura e uma Igreja popular que sofre discriminações. Na Diocese de Lages, inexplicavelmente, o rosto da Igreja cabocla vem sendo descaracterizado muito rapidamente e, nesse ritmo, tende a desaparecer. Resiliente, a Diocese de Caçador, por exemplo, mantém ativa uma belíssima frente de trabalho conhecida como “Pastoral Cabocla”.
Segundo os índices de desenvolvimento, a Região Serrana de Santa Catarina figura como a mais empobrecida de todo o estado. Herdeira da dita “cultura de fazenda” e do “coronelismo”, a região ainda sofre enormemente com os efeitos de uma endêmica política de “compadrio” (mais troca de favores do que um autêntico reconhecimento de direitos humanos e sociais). Dada a situação de baixo desenvolvimento regional, o êxodo rural e, sobretudo, o êxodo de jovens e famílias inteiras, que se transferem para o litoral e outras cidades, mostra-se imparável. Um tipo de sangria que se tornou um problema bastante grave. Tradicionalmente católica, o cristianismo na Serra Catarinense já conquistou uma fisionomia bastante “evangélica” e que cresce a olhos vistos.
Como mostram estes poucos dados, não é difícil perceber que a Região Serrana, já faz tempo, apresenta-se com uma realidade social e eclesial que urge em uma atenção evangelizadora diferenciada. Fica a impressão de que, devidamente informado sobre essa complexa realidade, o Papa Francisco, com sua clara opção pelas “periferias”, não teria dúvida em criar uma terceira arquidiocese em Santa Catarina. Por enquanto, segundo parece, a necessária “reestruturação” pastoral do Regional Sul IV ainda vai requerer importantes ajustes evangelizadores para levar a bom termo sua missão.
Por sua vez, a sugestiva imagem trinitária, três arcebispos, que surge agora na Igreja católica, em Santa Catarina, tratando de caminhar juntos, certamente saberá orientar, com sensibilidade maternal e sabedoria pastoral, o olhar para a Igreja na Serra Catarinense. Não obstante, a situação do Estado, como tal, merece uma destemida atenção evangelizadora.
Será preciso trabalhar juntos e com afinco para sobrepujar aquela lamentável imagem “conservadora” e “antirrepublicana” que recentemente ganhou visibilidade na capital federal do Brasil. A bela e santa Catarina, terra da Madre Paulina e tantos outros bem-aventurados/as, monges e mártires, possui muitos outros encantos que fazem luzir, de ponta a ponta do Estado, sua linda natureza e sua gente linda, cordial e acolhedora.
E, para expressar o sentimento de muitos, nestes dias de importantes travessias, finalizamos com aquela máxima de São João Paulo II: “lembrar o passado com gratidão, viver o presente com paixão e abrir-se ao futuro com esperança”, sem deixar de lembrar convocatória exortação do Santo Padre, o Papa Francisco, para 2025: Peregrinos de Esperança!
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Santa Catarina ganhou duas novas arquidioceses: Joinville e Chapecó. A Serra Catarinense, Lages e Caçador, continuam dioceses sufragâneas. Artigo de Vitor Hugo Mendes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU