07 Novembro 2024
A experiência inserida do retiro espiritual, profundamente imbuída do magistério do Papa Francisco e da caminhada sinodal da Igreja, trouxe, em consequência, a necessidade do grupo, o colégio diaconal, dar continuidade àquela vivência de formação para estudar e refletir juntos as inúmeras questões e desafios que foram emergindo ao longo dos exercícios espirituais.
O artigo é de Silvio Antônio Bedin e Vitor Hugo Mendes, enviado ao Instituto Humanitas Unisinos — IHU.
Silvio Antônio Bedin é diácono permanente da Arquidiocese de Passo Fundo. Mestre e doutor em Educação (UFRGS). É professor emérito da Universidade de Passo Fundo (UPF) e coordenador da Comissão de Educação e Cultura da Arquidiocese e referencial da Pastoral da Educação na CNBB Sul 3.
Vitor Hugo Mendes é presbítero da Diocese de Lages. Doutor em Educação (UFRGS), doutor em Teologia (Salamanca/Espanha), pós-doutor em Pensamento Ibérico e Latino-americano e também em Educação. Atua como orientador de retiros, conferencista, assessor e consultor em temas de Teologia, Pastoral, Espiritualidade, Educação e Psicopedagogia. Especialista em Pastoral Urbana. Autor do livro, em dois volumes, Liberación, um balance histórico bajo el influjo de Aparecida y Laudato si’. El aporte latinoamericano de Francisco, 2021 (Appris/Amerindia), que versa sobre a Teologia Latino-americana e o Magistério do Papa Francisco.
A vocação do diácono permanente vem sendo configurada com ânimo na Arquidiocese de Passo Fundo (RS). Recentemente, ao longo do ano de 2021, foram ordenados 11 novos diáconos permanentes. Uma nova turma, constituída de 10 candidatos, está em processo de formação desde 2023. Tal experiência, mesmo que esteja sendo retomada de forma gradual, enseja algumas reflexões iluminadas pelo que constitui a tradição e as diretrizes atuais da Igreja frente aos desafios que emergem da realidade.
É preciso reconhecer que apesar da restauração do diaconato permanente na Igreja Católica, com a realização do Concílio Vaticano II, o diácono e a diaconia que lhe corresponde ainda não foi suficientemente assimilada e o processo como tal continua inacabado. Mesmo quando novos desafios eclesiais vão sendo trazidos à luz e são discutidos com grande disposição, o diaconato feminino e a ordenação presbiteral de homens casados (viri probati), por exemplo, temos ainda um longo caminho a percorrer no reconhecimento e no devido posicionamento do diaconato permanente e do serviço diaconal na Igreja.
Neste caso, seria bastante oportuno voltar a propor uma teologia das vocações que pudesse apontar para uma adequada teologia dos ministérios laicais e ordenados. Na perspectiva de uma Igreja sinodal, tudo isso precisa ser dialogado como parte da reforma eclesial que se faz necessária e que já está a caminho. Uma reforma que, retomando o espírito conciliar, mas atenta aos sinais dos tempos, precisa ir muito além do próprio Vaticano II. Já vimos algo disso na continuidade das Conferências do Episcopado Latino-americano e na 1ª. Assembleia Eclesial da Igreja na América Latina e Caribe.
Em realidade, enquanto, de maneira geral, se sobrevaloriza a vocação do “sacerdote” (também necessária para aceder ao episcopado), em muitos lugares e de muitas maneiras, reluta-se ainda contra a vocação diaconal. Da mesma maneira, ainda se minimiza a vocação à vida consagrada, e, com facilidade, se dissolve a vocação e os ministérios laicais em generalidades e subserviências. Em certo sentido, há um exclusivismo da “vocação sacerdotal” que sobrevive e se alimenta de um clericalismo militante. Daí a dificuldade de um olhar amplo e integral da Vocação e do vocacional na hora de dinamizar uma Igreja toda ela ministerial.
Devemos lembrar que o diaconato permanente não só é uma vocação específica entre os ministérios ordenados, mas, também, é aquela intersecção privilegiada, cuja pertença realmente “secular”, enlaça “clero” e “laicato” desde os diferentes âmbitos da vida familiar, profissional, social e eclesial. Rejunta os dois lados de uma mesma moeda. Algo extraordinário em termos de contribuir com a conversão pastoral do clero, e com a saída missionária da Igreja, que coloca em movimento todo o Povo de Deus. Lembrando ainda que, originalmente, o seu ponto de partida, é a caridade, o núcleo fundamental da mensagem cristã e do seguimento de Jesus, o Cristo de Deus.
Com uma notável disposição de se colocar em ritmo sinodal e saída missionária, entre os dias 12 e 14 de julho de 2024, os Diáconos Permanentes da Arquidiocese de Passo Fundo realizaram seu retiro espiritual na Fazenda da Esperança, em Casca (RS). Poderia ter sido apenas mais um retiro canônico. No entanto, eivado de vivências e meditações, convivências e partilhas, o estilo de retiro e o local escolhido pela coordenação tiveram o cuidado de promover uma experiência diferente de imersão. A opção por uma vivência inserida (encarnação) junto à comunidade terapêutica que ali reside foi providencial para um discernimento colegial da vida e do ministério do diácono permanente na Igreja sinodal.
Os diáconos Dejair Varela e Ari Cortez, que acompanham a comunidade da Fazenda da Esperança, enfatizaram que se fez a escolha deste local para “possibilitar um retiro diferente e permitir uma vivência concreta daquilo que teoricamente se propõe ao ministério diaconal, qual seja, a de abraçar as realidades marginais e marcar presença de serviço nas periferias existenciais. Estar lá onde estão os que precisam da força e da luz do Evangelho, como disse o Papa Francisco na Evangelii Gaudium”.
Com estas importantes opções, bastante incomuns quando se trata de exercícios espirituais para o clero, e com uma invariável dinâmica de comunhão e participação (círculos de diálogo), o contexto local foi determinante para a realização exitosa do retiro. Com o tema “Diácono Permanente: vocação, espiritualidade e missão em uma igreja sinodal e missionária”, a orientação do retiro esteve aos cuidados do padre Vitor Hugo Mendes, educador e teólogo, presbítero da Diocese de Lages (SC).
O assessor, inicialmente, resgatou a contribuição pedagógica da Exortação Apostólica Pós-sinodal Pastores Dabo Vobis (1992), abordando as quatro dimensões do desenvolvimento humano integral: a dimensão humana, espiritual, intelectual e pastoral, bem como os eixos fundamentais sobre as quais é preciso desenvolvê-las: a vida comunitária e a vida pastoral (agir). Para ele, a vocação essencial do diácono é o seguimento de Jesus, uma atualização latino-americana da imitação de Cristo. Nesta perspectiva, a espiritualidade e a missão cristã podem ser referidas como seguimento de Jesus: “perseguir os seus passos, prosseguir a sua obra, conseguir o seu Reino”.
Como dinâmica de trabalho, aplicou-se a metodologia do caminho sinodal de escuta e diálogo (conversa no espírito), por sua vez, enfatizando a oração e o estudo como fundamentais para o discernimento do que o Espírito Divino está a nos falar. Deu-se prioridade à partilha das distintas realidades de vida dos diáconos, o que permitiu perceber as potencialidades, mas também, como sugere o Papa Francisco em Christus vivit, os riscos, desafios e oportunidades presentes no ministério.
Interagindo com a comunidade da Fazenda da Esperança e participando de alguns momentos daquele cotidiano, sobretudo pela escuta de muitas histórias de vida e pela oração em comum, as interpelações de Deus e a diaconia, como lava-pés, foi ganhando corpo, palavra, rosto, vida... Em síntese, o retiro posicionou a todos diante da realidade social que se multiplica em todos os lugares em que os diáconos atuam e que reclama uma maior atenção pastoral. De fato, a realidade é maior que a ideia.
A experiência inserida do retiro espiritual, profundamente imbuída do magistério do Papa Francisco e da caminhada sinodal da Igreja, trouxe, em consequência, a necessidade do grupo, o colégio diaconal, dar continuidade àquela vivência de formação para estudar e refletir juntos as inúmeras questões e desafios que foram emergindo ao longo dos exercícios espirituais. Deu-se atenção ao imperativo de promover novos encontros com o intuito de fortalecer os laços interpessoais no colegiado diaconal, incluindo as esposas, bem como concretizar a formação continuada, como apregoam as Diretrizes para o Diaconato Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Com este objetivo, no dia 17 de outubro, deu-se um primeiro encontro temático que tratou de examinar “O ser-viço diaconal na Igreja sinodal: missão, participação e comunhão”, uma vez mais, com a assessoria do padre Vitor Hugo Mendes. Os diáconos que puderam participar, alguns acompanhados das esposas, concentraram-se nos momentos de reflexão tendo diante dos olhos os cenários eclesiais onde cada um exerce seu ministério.
Apontaram para alguns desafios emergentes: o desafio de se promover relações proximais e recíproco apoio, fortalecendo os vínculos de comunhão do colégio diaconal, com a plena participação das esposas; o desafio de se continuar investindo em processos de formação permanente, sempre voltados a atender às pautas emergentes nos cenários de atuação ministerial e ao que propõe a própria Igreja; o desafio de se construir uma integração e participação mais efetivas no contexto paroquial, com os presbíteros e leigos/as, contribuindo para promover processos de planejamento e ação pastoral em conjunto, inspirados no que propõe o sínodo da sinodalidade; o desafio de continuar sendo presença educativa nas comunidades, no que diz respeito à novidade do diaconato permanente; o desafio de uma maior integração no conjunto do clero da Arquidiocese, contribuindo para ampliar formas colaborativas com o ministério presbiteral. Considerou-se que, frente a esses desafios, ações criativas do colégio diaconal reverberarão para o enriquecimento da própria Igreja.
Com todas essas iniciativas antes referidas, torna-se perceptível que contribuíram para compor uma identidade ao colegiado diaconal, o que ainda continua em processo; ao mesmo tempo, para abrir perspectivas ao Caminhar Juntos, em comunhão com toda a Igreja Arquidiocesana, sempre atentos a ouvir o que o Espírito Divino está conclamando. Ainda no ano em curso, o mesmo colegiado estará reunido com o arcebispo para avaliar e prospectar esta caminhada, que precisa continuar.
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Diáconos permanentes em ritmo sinodal e em saída missionária. Notas da experiência na Arquidiocese de Passo Fundo. Artigo de Silvio Antônio Bedin e Vitor Hugo Mendes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU