03 Fevereiro 2022
Não é possível fazer nenhuma reforma da Igreja quando um sacerdócio entendido de modo clerical bloqueia a dinâmica ministerial da celebração eucarística nem quando uma visão redutiva e estática da eucaristia impede toda verdadeira dinâmica do ministério eclesial e do sacerdócio comum.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado em Come Se Non, 26-01-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Igreja, eucaristia e ministério se condicionam reciprocamente. Uma autêntica reforma da Igreja, que recupere a sua vivacidade promissora e profética, só pode se enraizar se mudar a concepção do ministério. Mas essa compreensão só pode mudar se for alimentada por uma inteligência não redutiva da eucaristia.
A corrente do clericalismo e da autorreferencialidade depende muito de uma absolutização e personalização do sacerdócio, que é consequência da concentração da eucaristia apenas na consagração. Não se faz reforma da Igreja e não se supera o desastroso clericalismo que torna a instituição autorreferencial sem enriquecer a teologia da eucaristia com dinâmicas que a compõem, com os ministérios que a animam e com a destinação eclesial que a justifica. Eu diria que ministério e mistério devem se comunicar de maneira profunda e eficaz.
Tento formular de forma muito simples os três níveis desse “xeque-mate”, alimentado por uma compreensão inadequada do mistério eucarístico.
Parece-me evidente, hoje e há algumas décadas, que a maior reserva à reforma da Igreja vem do modo simplista de pensar a “diferença”. E poderia dizer isso assim: a Igreja corre o risco de se imunizar de toda a diferença porque se autocompreende como uma “societas inaequalis”. É interessante que, enquanto a sociedade tardo-moderna, como “societas aequalis”, se qualifica por uma certa atenção às “diferenças a serem protegidas” e aos “direitos a serem reconhecidos”, a Igreja, por outro lado, precisamente na medida em que se afirma como marcada por uma “diferença institucional originária” – na qual a diferença de Deus é pensada como diferença hierárquica e princípio de autoridade –, tende a ver todas as outras diferenças com uma certa desconfiança.
Acrescente-se a isso que a justificativa da “diferença institucional”, que por si só está longe de ser infundada, muitas vezes é argumentada na linguagem menos adequada e menos persuasiva; ou seja, mediante a distinção entre “clero” e “leigos”. Essa diferença deriva, por um lado, sociologicamente, do nível dos dados de fato e, por outro, do nível da estrutura sacramental, baseada no “sacramento da ordem”. Estaria ligada ao ministério ordenado a diferença essencial da qual a Igreja não pode dispor.
Mas precisamente aqui começa o primeiro problema, porque a definição do “conteúdo” do sacramento da ordem se desenvolve em duas direções: por um lado, rumo à qualidade do “caráter” que “marca” o ministro com uma distinção ontológica; mas, por outro, tal distinção, se deve encontrar a sua especificidade irredutível, ancora-se na relação com o sacramento, ou seja, com a eucaristia, também ela definida ontologicamente. A pessoa é marcada pelo caráter de ordenado, mas a ordenação atribui uma série de “potestates” em relação à palavra, ao sacramento e ao governo. Essa complexidade merece um maior esclarecimento.
Precisamente essa complexa relação, que entrelaça Igreja, ministério e comunhão eucarística, traz consigo “taras monárquicas”, “reduções sacerdotais” e “minimalismos eucarísticos”. Tentemos desvendar brevemente esse entrelaçamento.
Sabe-se que a leitura tradicional, quase milenar, elaborou uma compreensão das “potestades” do ministro que faziam dele essencialmente um “sacerdote”, ou seja, o detentor do poder de “conficere eucharistiam”, que o definia na sua essência. Aqui o perfil do ministro encontrava e encontra a sua exclusividade e inevitabilidade na relação com o sacramento da eucaristia, que ele seria capaz de “conficere” (fazer ser e realizar) em virtude da sua autoridade.
O “sacerdote” foi definido pelo seu poder de “oferecer o sacrifício”, que, por sua vez, parece ser definido não apenas pelo seu conteúdo, mas também pela forma institucional e pessoal de quem o tutela. Assim, o sacrifício tutela o sacerdote, e o sacerdote assegura o sacrifício.
Aqui, no entanto, o condicionamento é recíproco e bastante pesado: uma interpretação do sacerdócio “a serviço do sacrifício” e uma interpretação da “missa como sacrifício” se sustentam radical e implacavelmente. Mas é aqui que algo de decisivo foi pensado radicalmente pelo Concílio Vaticano II. Porque a recuperação do agir ritual como ato “de Cristo e da Igreja”, que tem como sujeitos primários o Senhor Ressuscitado e a Igreja como comunidade de batizados, impõe uma grande reavaliação tanto do “sacrifício” quanto do “sacerdócio”.
O que acontece se o “conficere eucharistiam” não é mais o ato do sacerdote, mas a ação de uma comunidade sacerdotal e do seu Senhor? O que acontece se a “oração eucarística” e a “ceia do Senhor” estiverem no centro da eucaristia? O que acontece se o sacerdócio é novamente atribuído acima de tudo ao Senhor Jesus e a cada batizado e depois, por analogia, também àquele que preside à comunidade e a sinaxe eucarística?
Aqui se delineia melhor o modelo novo: uma assembleia que celebra o Senhor e que faz memória da sua morte e ressurreição exige uma presidência e ministros, que, no entanto, não substituem a assembleia no ato de celebração, de memória e de oferta. Presidem e servem a sua ação com a palavra, com o canto, com a acolhida, com o cuidado. Guiam os seus destinos, ajudam-na nas dificuldades, aconselham-na na dúvida e consolam-na na dor, vigiam sobre as palavras e esperam profeticamente a parusia.
Mas não podem de modo algum assumir “por conta própria” aquilo que tem como significado primeiro e último a comunhão eclesial no Senhor ressuscitado. Aqui, creio eu, está o ponto mais doloroso a ser superado. Precisamente o significado do “conficere eucharistiam” é marcado por uma redução unilateral demais, que o Concílio Vaticano II pede que seja superada.
A evolução paralela de sacerdócio e eucaristia criou as premissas para uma “aliança por baixo”: por um lado, o sacerdócio ministerial se refugiou precisamente naquilo que devia expô-lo ao mais alto grau. Se o “caráter” é uma habilitação específica da fé ao culto – para “multiplicá-la” (na ordem), e não só para gerá-la (como no batismo) ou para fortalecê-la (como na crisma) – é singular que ele tenha se curvado a (ou tenha sido curvado por) uma concepção do culto muito limitada, como a de uma eucaristia privada do seu efeito último de graça, que é declarado como “significado”, mas “não contido”.
Porque, com efeito, esse movimento em torno do “caráter” corresponde ao movimento recíproco, com o qual o sacramento eucarístico é levado à máxima evidência somente no seu “efeito intermediário” (conversão do pão e do vinho em corpo e sangue), mas é deixado substancialmente à margem no seu “efeito de graça” (como comunhão da Igreja).
Por isso, se a justificativa da ordem é a autoridade sobre a eucaristia, mas tal autoridade não é lida em relação ao “duplo efeito” sacramental e eclesial da celebração, mas se refere apenas ao efeito sacramental, o resultado disso é uma dupla unilateralidade: um ministério reduzido a sacerdócio encarregado do cuidado da eucaristia corresponde a uma eucaristia reduzida apenas à consagração.
A dupla redução tanto do sacramento da ordem quanto do sacramento da eucaristia, em uma correlação formidável, que ontologiza estaticamente tanto o efeito intermediário da ordem (caráter indelével) quanto o efeito intermediário da eucaristia (a conversio da substância), determina a inamovibilidade estrutural desse emaranhado de referências não apenas virtuosas.
Assim, a tutela que o sacerdócio sente que deve nutrir pelo sacramento reduzido a consagração se une ao cuidado que o sacramento mostra que deve assegurar ao sacerdote, que, diríamos, também é pensado como “transubstanciado”, quase à imagem e semelhança da figura do sacramento ao qual é chamado: isso produz, com extrema facilidade, um resultado tão nostálgico nos sentimentos quanto irreformável nos resultados. A redução eucarística remete, inexoravelmente, à redução ministerial e vice-versa.
A partir dos anos 1930, quando se começou a refletir sobre a “forma da eucaristia”, encontrando, como fizeram Guardini e Jungmann, na “forma fundamental” o modo para romper a autorreferencialidade de origem tridentina de sacerdócio e sacrifício, recuperando as dimensões da palavra, da ceia e da oração como “formas originárias” da eucaristia, começou um movimento de reposicionamento, ao mesmo tempo, do sacramento da unidade e do ministério eclesial.
A Eucaristia não é acima de tudo consagração, mas escuta da palavra, oração eucarística e comunhão. A memória de autoridade das palavras da última ceia não é propriamente um “rito de consagração”, mas relato institucional e explicação de toda a sequência da oração eucarística. E o rito central é, no máximo, depois da grande oração, a fração do pão, a sua distribuição e a palavra de autoridade sobre o rito da comunhão.
Ninguém celebra sozinho e ninguém tem o “poder de consagrar”: os discípulos encontram, na palavra autorizada daquele que preside em virtude da ordenação, a graça de ser aquilo que veem e de receber aquilo que são. Tal serviço de presidência não assume o sacramento sobre si, mas o torna acessível a todos.
Da mesma forma, isso vale para a experiência eclesial, que não depende de um sacerdócio que “consagra o sacramento”, mas de um serviço ao sacerdócio comum, que permite que a Igreja seja o sacramento do Ressuscitado. Uma compreensão unilateral e distorcida da eucaristia é, ao mesmo tempo, causa e efeito de uma visão estreita demais do sacerdócio e do ministério.
Não é possível fazer nenhuma reforma da Igreja nem quando um sacerdócio entendido de modo clerical bloqueia a dinâmica ministerial da celebração eucarística nem quando uma visão redutiva e estática da eucaristia impede toda verdadeira dinâmica do ministério eclesial e do sacerdócio comum.
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A redução do sacerdócio e da eucaristia: duas questões para a reforma da Igreja. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU