Resgatar a profecia da Igreja. 12 de outubro de 2021: o milagre da mãe aparecida em favor do Brasil

Dom Orlando durante homilia em Aparecida | Foto: Reprodução / Youtube

01 Dezembro 2021

 

"Do alto dos seus 75 anos de idade (13 de abril) e dos seus 27 anos como bispo, com o olhar fixo em Maria, D. Orlando Brandes, foi mensageiro do milagre da Mãe Aparecida para o povo brasileiro", escreve Vitor Hugo Mendes, doutor em Educação (UFRGS), doutor em Teologia (UPSA, Salamanca), pós-doutor em pensamento Ibérico e latino-americano e presbítero da Diocese de Lages (SC). Recentemente publicou o livro (em dois volumes) Liberación um balance histórico bajo el influjo de Aparecida y Laudato si’. El aporte latinoamericano de Francisco pela Editora APPRIS em parceria com AMERÍNDIA (2021).

 

Eis o artigo. 

 

Este ano, o 12 de outubro, dia da Padroeira do Brasil e das crianças, foi verdadeiramente extraordinário. Os sinais dos tempos não podiam ser mais evidentes e a Liturgia da Palavra não podia ser mais eloquente: “O dragão colocou-se diante da mulher que estava para dar à luz, pronto para devorar o Filho, logo que ele nascesse”. [...] Eles, porém, venceram o dragão pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do testemunho que deram, pois diante da morte desprezaram a própria vida” (Ap 12).

 

Na manhã daquele dia, durante a missa principal na Catedral Basílica Santuário Nacional, o arcebispo de Aparecida, o catarinense Orlando Brandes, proferiu uma homilia incomum que rapidamente ganhou as redes sociais: “na segunda leitura do Apocalipse [...] – dizia o prelado – brilha Nossa Senhora, revestida de Jesus, para vencer todos os dragões, quer dizer todas as perseguições e todas as crises e dificuldades que o novo povo de Deus passa, passou e passará. E o povo olha para Maria, a Igreja olha para Maria [...]”.

 

E dessa maneira, foi recordando uma realidade que atualiza para hoje o MAGNIFICAT de Maria:

 

Eu quero pedir que cada um de nós abrace o Brasil, abrace o nosso povo brasileiro, a começar pelo povo mais original, vamos abraçar os nossos índios, primeiro povo desta Terra de Santa Cruz, vamos abraçar os negros que logo vieram fazer parte desta terra, vamos abraçar os europeus que aqui chegaram, mas, nestes dias, abracemos o Brasil enlutado pelas 600 mil mortes, vamos abraçar nossas crianças, porque hoje é o dia da criança, vamos abraçar nossos pobres... e abracemos também nossas autoridades, para que juntos construamos então um Brasil ‘Pátria Amada’, e, para ser Pátria Amada não pode ser “Pátria armada”. Para ser Pátria amada, seja uma pátria sem ódio, para ser Pátria amada, uma pátria uma república sem mentira e fake News, Pátria amada sem corrupção e, Pátria amada, com fraternidade, Fratelli tutti, todos irmãos, construindo a Pátria brasileira”.

 

Lembrou ainda que, Aliança, fazendo referência ao casamento de Caná da Galiléia (Evangelho), “é sinônimo de amizade, amizade pessoal, mas o papa pede, e a Doutrina Social da Igreja também, uma amizade social, uma amizade internacional, Fratelli tutti, todos irmãos. E aliança, significa parceria, diálogo mútuo, empatia, união e democracia, porque a palavra democracia vem da palavra povo, do grego demos, povo, e, então, Nossa Senhora nos quer assim, fraternos e livres. E por isso, então, em nome da aliança, vamos nós, todos, ser aliados do bem comum, que nenhum brasileiro ou brasileiro necessite catar no lixo ossos para sobreviver; aliados na verdade que liberta; aliados na justiça social que tanto agrada à mãe que rezou ‘os famintos serão saciados e o humildes serão elevados’; aliados da cultura do cuidado, com a terra nossa irmã, nossa Amazônia; aliados na fé, no ecumenismo; aliados no perdão tão necessário; aliados na ternura de Maria que é a grande revolução da fraternidade e da aliança”.

 

E concluiu dirigindo-se à Mãe Aparecida, com um muito obrigado, “porque na pandemia a senhora foi consoladora, conselheira, mestra, companheira e guia do povo brasileiro que hoje te agradece de todo o coração porque, Vacina sim, Ciência sim, e Nossa Senhora Aparecida juntos salvando o povo brasileiro”.

 

Embora seja um pregador de renome, neste histórico 12 de outubro de 2021 o arcebispo de Aparecida surpreendeu a muitos pelo tom crítico e comprometido de sua homilia. É verdade que naquela mesma tarde, de modo inexplicável e censurável, como muitos manifestaram, o Santuário de Aparecida permitiu perigosas exceções na liturgia para Jair Bolsonaro. Como todos sabem, ele foi batizado no Rio Jordão, em 2016, pelo Pastor evangélico Everaldo Dias Pereira (preso em 2020 na operação Placebo), então presidente do PSC. Segundo parece, o gesto pouco responsável não foi uma concessão de matiz ecumênica.

 

 

No entanto, já era tarde demais para malabarismos políticos, pois, separando o “joio do trigo”, o arcebispo de Aparecida, naquela memorável manhã de feriado nacional, fez notar a todos que “Deus derruba os poderosos de seus tronos e exalta os humildes”. E podemos acreditar que suas palavras foram realmente proféticas, porque, imediatamente, chegaram os ataques contra a sua pessoa, contra o Papa Francisco, contra a Igreja, contra o Evangelho... “Safados” e “vagabundos” são a síntese das palavras vociferadas pelo “indigno” deputado estadual do PSL, Frederico D’Ávila, na Assembleia Legislativa de São Paulo.

 

E a Igreja perseguida voltou a ser a Igreja de Jesus Cristo de todos os tempos; a Igreja que luta contra todos os templos para ser sacramento universal do Reino de Deus.

 

D. Orlando Brandes, antes de ser bispo, foi padre da diocese de Lages (SC), nasceu na periferia. Desde 1989 foi nosso reitor e professor de Teologia no ITESC, na capital catarinense. Em 1994, nomeado bispo de Joinville (SC), foi ordenado por D. Oneres Marchiori, bispo de Lages. No ano seguinte, em 1995, feito padre no ano anterior, assumi o seu posto na reitoria do Seminário de Teologia de Lages, em Florianópolis (onde o discípulo não superou o mestre). Lembro muito bem do seu jeito falante e discretamente tímido, do seu estilo de vida simples e visivelmente orante, do professor habilidoso e dedicado, do seu carinho pelas Irmãs da Divina Providência, de suas incursões missionárias no norte do Brasil, do requisitado orientador de retiros, do padre confessor e guia espiritual de multidões de pessoas, do reconhecimento que tinha como pregador destacado da RCC...

 

Apesar de conhecer de muito de perto suas inúmeras virtudes, depois de muitos anos sem encontrá-lo, confesso que naquele dia da padroeira do Brasil fiquei maravilhado com a lucidez profética e oportuna de sua pregação que, não duvido, desapontou muito e a muitos dos seus admiradores e seguidores. Do alto dos seus 75 anos de idade (13 de abril) e dos seus 27 anos como bispo, com o olhar fixo em Maria, D. Orlando Brandes, foi mensageiro do milagre da Mãe Aparecida para o povo brasileiro.

 

Foi realmente um milagre!

 

Suas palavras exigiram, sem demora, da Igreja e dos cristãos no Brasil, da CNBB, um posicionamento sem “maquiagens”: caminhar com Maria, caminhar com o Papa Francisco, caminhar com o povo brasileiro que, neste “vale de lágrimas”, parece um rebanho sem pastor. Com Francisco D. Orlando clamou por um Evangelho sem glosas.

 

Resgatar do esquecimento a trajetória profética da Igreja no Brasil foi um milagre da Mãe Aparecida em favor do povo brasileiro. Já não podemos mais confundir o Messias (com maiúscula) com qualquer messias, o canto de Maria com qualquer cantoria (nem mesmo revestida de canção nova), tampouco podemos empatar o Lancellotti com os inúmeros “Manzotti” que abundam pelo Brasil a fora (com aprovação eclesiástica). De uma vez só vencemos o silencio cúmplice da barbárie e a santa profecia venceu o medo, a morte e dor. De novo fez-se ouvir no rádio, na televisão, nas redes sociais e no coração de todes: “Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre”. E te pedimos, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte.

 

Muito obrigado D. Orlando Brandes, ajudai-nos sempre a olhar para Maria, nossa companheira de caminhada, para ouvir sempre de novo: “Façam tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). Saiba que aqui, na periferia, continuamos rezando por você, pelo Papa Francisco e pelo caminhar juntos da Igreja no Brasil e na casa comum.

 

(*) Este texto nasceu por ocasião de uma visita a Urubici (SC), terra natal de D. Orlando Brandes.

 

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