27 Novembro 2024
"A educação para a afetividade e a renúncia a uma visão binária e sexista da sociedade me parecem irrenunciáveis", escreve Giusi Marchetta, escritora italiana, em artigo publicado por Domani, 25-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Que mensagem chega de nossas salas de aula sobre a questão da violência de gênero? Nada tranquilizadora, porque até mesmo a nossa escola reflete um contexto tradicionalmente patriarcal e, portanto, não só não contribui o suficiente para combater as desigualdades de gênero, como também repropõe na sala de aula as mesmas dinâmicas discriminatórias que as alunas encontram fora dela.
No último 25 de novembro, apenas alguns dias após a morte de Giulia Cecchettin, a circular ministerial que convidava a fazer um minuto de silêncio em memória da jovem e das vítimas de feminicídio foi recebida em várias escolas com um protesto barulhento e carregado de desinteresse. O pedido de silêncio pareceu uma provocação à multidão de garotos e garotas que cada vez mais levantam suas vozes para contestar a celebração vazia de dias dedicados a esta ou àquela questão social. Essa rotina centrada em um componente de retórica da lembrança misturada com a participação forçada em eventos ocasionais, de fato, corre o risco de parecer cada vez mais desprovida de sentido com o passar dos anos e, para ser honesto, revelar descaradamente a hipocrisia daqueles que patrocinam esse tipo de manifestações sem demonstrar qualquer empenho concreto com a solução dos problemas para os quais afirmam querer chamar a atenção.
Há anos, os números de feminicídio na Itália ultrapassam a centena (com um pico doloroso em 2020, durante a pandemia), e nos entregam uma imagem de assustadora normalidade: se o caso de Giulia Cecchettin, dada a idade da vítima e do autor do crime, ganhou maior visibilidade e o envolvimento de uma opinião pública abalada pela notícia, os nomes das muitas outras vítimas que povoaram as páginas dos jornais nos meses seguintes perderam gradativamente a possibilidades de serem vistos e lembrados, voltando a representar uma gota no oceano, uma notícia como outra qualquer.
A data de 25, portanto, retorna e as iniciativas de organizações e municípios que, em teoria, visam dar espaço ao problema e às suas possíveis soluções se multiplicam: se vai desde instalações como os bancos vermelhos até a campanha que convida as mulheres a abrirem os olhos para seus parceiros, passando por conferências e leituras voltadas para os mais jovens. Mas que mensagem está chegando justamente de nossas salas de aula sobre o tema da violência de gênero? Nada tranquilizadora, receio, porque até mesmo a nossa escola reflete um contexto tradicionalmente patriarcal e, portanto, não só não contribui o suficiente para combater as desigualdades de gênero, mas também repropõe na sala de aula as mesmas dinâmicas discriminatórias que as nossas estudantes encontram fora dela.
Refletir sobre a violência de gênero sem considerar o contexto em que essa violência toma forma não faz sentido: o feminicídio é um assassinato cometido em relação às características atribuídas a uma pessoa que é considerada hierarquicamente inferior.
Se todas as manifestações do patriarcado colocam as mulheres em uma posição de inferioridade na vida pessoal e profissional, não devemos nos surpreender com a violência exercida em casa ou, em geral, nas relações com as mulheres: todo o sistema já exerce uma forma de violência opressiva que visa controlar o componente da população que não está alinhado com a parte hierarquicamente superior que é branca, masculina, heterossexual, capaz e, acima de tudo, detém o poder político e econômico. O patriarcado nos bancos da escola
Se observarmos o problema a partir dos bancos de escola e, em particular, do ponto de vista de nossas alunas, veremos que elas continuam a receber uma forma de educação diferente daquela de seus pares do sexo masculino: do comportamento em público ao vestuário, passando pelo desenvolvimento de uma autoestima ligada à necessidade de responder satisfatoriamente à pressão estética, tudo nessas meninas foi filtrado por um olhar que as inseriu em seu contexto como “futuras mulheres”. Os homens, por outro lado, são continuamente empurrados para um mundo masculino ainda caracterizado por reduzidas demonstrações de afetividade, independência, prevaricação e competição. Os preconceitos sobre as predisposições para carreiras científicas ou mais remuneradas persistem e ainda veem os garotos sendo recompensados: afinal, até mesmo o corpo docente, que vê um aumento gradual no número de homens no ensino médio e na universidade, parece indicar que carreiras de maior prestígio são destinadas a eles e que o trabalho de cuidado (como a escola infantil é às vezes percebida) é um âmbito tipicamente feminino.
Quanto aos conteúdos, continuamos a propor a elas um modelo de mulher literário filtrado sempre e somente por um olhar masculino duplo, o do autor e o do crítico, sem questionar nem o olhar que narra personagens femininas, nem aquele que, ao longo do tempo, selecionou apenas vozes masculinas para compor um cânone literário considerado intocável.
Se uma forma importante de nos ensinar quem somos é a nossa interação com o mundo, não posso deixar de me perguntar que ideia de si mesmos é transmitida às minhas turmas pela interação delas comigo. Numerosas pesquisas na área atestam que os professores, independentemente do gênero, interagem mais com os homens do que com as mulheres porque são mais problemáticos em relação ao comportamento e à continuidade do aprendizado. Ao longo de minha carreira de professora, quanto tempo passei trabalhando na relação com um aluno considerado “difícil”? E quanto tempo eu tirei da aluna silenciosa com as mesmas dificuldades, mas menos inclinada (ou disposta) a chamar a atenção para si mesma?
A pesquisa também mostra que, se as meninas intervêm na sala de aula, recebem mais interrupções de seus colegas e menos reforço dos professores, de modo que tendem a perceber que sua própria contribuição como senso menos determinante para o clima da classe.
Então, como podemos combater uma situação tão comprometida?
A educação para a afetividade e a renúncia a uma visão binária e sexista da sociedade me parecem irrenunciáveis.
Podemos, então, eliminar a lacuna de gênero na educação, garantindo a igualdade de acesso à instrução, combatendo a segregação formativa, removendo obstáculos e fatores de insucesso e combatendo os estereótipos sexistas que nos enjaulam. A chave na base de todas essas estratégias, entretanto, é colocar todo o processo pedagógico sob investigação, a maneira como nos relacionamos com os alunos, a liberdade e a autonomia que reconhecemos a eles como pessoas. Para isso, devemos abandonar a ideia de uma didática transmissiva e de uma lógica sancionadora; substituir a escola da competição por um modelo solidário e colaborativo, devolvendo a essa palavra o significado de comunidade em que os membros dessa comunidade podem se reconhecer como pessoas livres e iguais.
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Na cátedra, na sala de aula e nos livros. Como reconhecer o patriarcado. Artigo de Giusi Marchetta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU