23 Novembro 2024
Na sexta-feira, 15 de novembro, a Pontifícia Universidade Gregoriana sediou uma conferência internacional sobre Matteo Ricci, o famoso missionário jesuíta do século XVI na China e um dos ex-alunos mais notáveis da universidade.
A reportagem é de Geraldo O'Connell, publicada por America, 19-11-2024.
Pietro Parolin lembrou que os papas João Paulo II, Bento XVI e Francisco destacaram o trabalho de Ricci em prol da inculturação da fé católica, reconhecendo-o como uma referência para o diálogo da Santa Sé com a China. Esse diálogo atingiu um novo patamar com a assinatura do acordo provisório sobre a nomeação de bispos, em 22 de setembro de 2018.
O cardeal recordou que o Papa João Paulo II exaltou a vida e o legado de Matteo Ricci em diversas ocasiões. “O jesuíta Padre Matteo Ricci compreendeu e valorizou a cultura chinesa desde o início, e seu exemplo deve servir de inspiração para muitos”, afirmou João Paulo II em um discurso em Manila, em 1981. “Outros, às vezes, não demonstraram a mesma compreensão”.
João Paulo II também mencionou Ricci em 1982, durante uma conferência sobre o quarto centenário da chegada de Ricci à China. O papa destacou que Ricci, ao aprender a língua e os costumes chineses, tornou-se “uma ponte entre duas culturas” por meio de um “estilo de vida pessoal” que combinava intelecto e virtude. Sua inculturação do Evangelho mostrou aos chineses que era possível ser um bom cristão e um bom cidadão chinês.
O prelado também citou o Papa Bento XVI, que elogiou Ricci em 2010, ao saudar peregrinos que comemoravam o 400º aniversário de sua morte. Bento XVI destacou que Ricci “chegou ao fim de sua vida terrena em Pequim, em 11 de maio de 1610. O privilégio extraordinário que lhe foi concedido, impensável para um estrangeiro, de ser enterrado em solo chinês, demonstra o alto respeito que ele conquistou, tanto na capital chinesa quanto na Corte Imperial”.
Na época da morte de Ricci, havia 16 missionários jesuítas na China e cerca de 3.000 católicos, incluindo um pequeno número de literatos. “Era uma realidade muito modesta, uma porcentagem totalmente insignificante em um imenso país com cerca de 150 a 200 milhões de habitantes, já na época o mais populoso do mundo”, comentou o Rev. Gianni Criveller, missionário italiano do PIME e estudioso de Ricci, que passou muitos anos na China, em um artigo publicado no Asia News.
O Pe. Gianni, que presidiu a comissão histórica da causa de canonização de Ricci, acrescentou: “A missão na China é uma evidência eloquente de que o significado de uma experiência cristã não pode ser medido em termos de resultados numéricos, mas por sua qualidade evangélica. E, mais de 400 anos depois, a experiência cristã de um pequeno grupo de missionários estrangeiros e alguns católicos chineses continua a ser uma luz que ilumina o presente, uma mina preciosa de onde seguimos extraindo novos significados e direções”.
Na conferência, Parolin concluiu sua palestra mencionando o Papa Francisco, que apresenta Ricci como exemplo do tipo de inculturação essencial para a evangelização. De certa forma, o cardeal afirmou, Ricci encarna a “cultura do encontro” que Francisco promove. O papa não o apresenta apenas como uma figura do passado, mas como “uma figura profética” que inspira esperança para os encontros atuais.
O último palestrante da sessão da manhã foi o Cardeal Stephen Chow, bispo jesuíta de Hong Kong, que ofereceu um panorama da história da Igreja Católica na China, especialmente entre 1949 e os dias de hoje. Ele destacou que, quando os jesuítas chegaram no século XVI, a China se via como o centro do mundo, com a cultura confucionista como núcleo, considerando outras culturas religiosas como estrangeiras. Segundo ele, os jesuítas “se dedicaram ao apostolado intelectual com as elites socioculturais, aquelas que poderiam examinar e recomendar à autoridade os novos elementos que estavam chegando à China”.
Como resultado, disse Chow, “o cristianismo não foi categorizado como heresia a ser suprimida, mas como um novo ensinamento compatível com a cultura chinesa”. Contudo, ele lembrou que esse tratamento favorável mudou com a controvérsia dos ritos chineses, quando alguns católicos na China negaram os fundamentos culturais do culto ancestral, levando à proibição do catolicismo.
Nas décadas de 1950 e 1960, com o governo comunista que assumiu o poder em 1949, iniciou-se uma transformação social que buscava “livrar o país do controle ocidental”. “Missionários que desempenhavam papéis de liderança na Igreja foram identificados com outros estrangeiros e expulsos da China”, explicou o cardeal. “Somente clérigos chineses locais foram autorizados a permanecer e administrar a Igreja por conta própria”.
Ele detalhou que campanhas sociais para “transformar a China em uma realidade socialista” submeteram a Igreja Católica Chinesa a um programa de nacionalização sob autoridade civil. Essa transformação radical culminou na dizimação total de culturas e instituições tradicionais, incluindo religiões, durante a Revolução Cultural.
Já na década de 1980, quando a China adotou políticas pragmáticas para atrair investimentos estrangeiros e expertise, “a Igreja foi reconstituída como parte da iniciativa geral de reforma”. Gradualmente, a religião passou a ser vista como uma entidade neutra, permitida a operar de forma independente.
Nos anos 1990, as autoridades adotaram uma política de “não apoio, mas também de não interferência”, exceto quando a religião fosse vista como uma ameaça à segurança social ou nacional. Nesse cenário, a Igreja Católica desfrutou de uma política mais branda e começou a crescer rapidamente. Além disso, houve um consenso de que a religião poderia contribuir para o desenvolvimento social da China, o que permitiu à Igreja Católica ampliar seu impacto social em áreas como educação, caridade e assistência em desastres.
Atualmente, o Cardeal Chow afirmou que as autoridades chinesas sentem que a China, como a segunda maior economia do mundo, está em uma posição de criar características únicas em relação à comunidade internacional. Por isso, todas as instituições sociais estão sendo submetidas a um processo de “sinicização”.
Nesse contexto, ele disse, a Igreja Católica chinesa enfrenta uma nova realidade: tornar-se uma comunidade indígena sob autoridade civil, com crescente incorporação de elementos chineses, a fim de se integrar à sociedade chinesa. Ele concluiu: “Assim como os jesuítas nas cortes Ming/Qing ajudaram a Igreja a ser aceita na China, muitos acadêmicos locais, nas últimas décadas, têm trabalhado para moldar a mentalidade das autoridades em direção a uma atitude mais aberta à Igreja. O conteúdo da sinicização da Igreja Católica ainda não está definido, o que significa que podemos ser parte dessa construção.”
Embora o Cardeal Chow tenha se referido principalmente aos jesuítas, ficou claro na conferência que Matteo Ricci ganhou reconhecimento quase universal por sua contribuição ao encontro entre culturas e à inculturação da fé. Não foram apenas os papas e a Igreja que reconheceram seus méritos; as autoridades da República Popular da China também o fizeram, listando-o entre as figuras importantes da história chinesa no “Millennium Museum” em Pequim. Lá, apenas dois estrangeiros são homenageados: Marco Polo e Matteo Ricci.
Contudo, como destacou um artigo de 2022 no site oficial da Companhia de Jesus, esse reconhecimento universal ainda não foi acompanhado por grande apreciação de sua “grandeza espiritual e virtudes”.
Isso pode mudar, já que a conferência na Gregoriana ocorreu quase dois anos depois de o Papa Francisco, em 17-12-2022, reconhecer que Matteo Ricci viveu as virtudes cristãs “em grau heroico”, colocando-o no caminho da santidade.
A beatificação é o próximo passo para ser declarado santo, mas isso exige um milagre pela intercessão de Ricci. “Precisamos de um milagre!”, disse o Pe. Federico Lombardi durante o evento em Roma. Ou seja, a causa precisa inspirar devoção ao Venerável Matteo Ricci, incentivando os fiéis a rezar por um milagre por intercessão daquele que se provou uma ponte entre a China e o Ocidente e uma figura profética para a evangelização na Ásia e no mundo.
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Redescobrindo o grande missionário jesuíta na China: Matteo Ricci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU