26 Outubro 2024
A Santa Sé e a China prorrogaram o acordo provisório para a nomeação de bispos por mais quatro anos, anunciou o Vaticano em 22 de outubro.
A reportagem é de Gerard O'Connell, publicada por America, 24-10-2024.
“Eu acho que é um passo adiante”, disse o cardeal-bispo Dom Stephen Chow Sau-yan, SJ, que está à frente da Diocese de Hong Kong desde 2021. Ele condedeu uma entrevista exclusiva em Roma logo após a divulgação da notícia. “Alguns podem não gostar disso. Eu consigo entender por quê. Mas não é permanente”, acrescentou.
O acordo foi assinado pela primeira vez em Pequim em 18-09-2018 e foi renovado em outubro de 2020, outubro de 2022 e agora pela terceira vez. Como resultado do acordo, todos os bispos na China continental estão agora em comunhão com a Santa Sé, e o diálogo continua entre os dois lados, mesmo que em um ritmo mais lento do que o Vaticano gostaria. O conteúdo completo do acordo, no entanto, nunca foi publicado.
Stephen Chow, de 65 anos, que está em Roma para a sessão final do Sínodo sobre a Sinodalidade, e disse que a decisão de estendê-lo “significa que há mais concordância agora”. Ele acrescentou: “Eu presumo, a partir do que foi dito em entrevistas anteriores [à prorrogação], que se for para ser um [acordo] de longo prazo, haverá algum tipo de condições adicionais incluídas. Então, presumo que isso tenha acontecido, mesmo que eu não tenha visto o texto”. Ele não falou a quais entrevistas estava se referindo.
O comunicado à imprensa do Vaticano não revela quais emendas foram feitas ao texto original, embora a revista America entenda a partir de outras fontes informadas em Roma que algumas mudanças solicitadas pelo Vaticano foram feitas.
O comunicado do Vaticano afirma: “À luz do consenso alcançado para uma aplicação eficaz do Acordo Provisório sobre a Nomeação de Bispos, após a devida consulta e avaliação, a Santa Sé e a República Popular da China concordaram em prorrogar ainda mais sua validade por quatro anos a partir da presente data”.
Ele acrescentou: “A Parte Vaticana permanece dedicada a promover um diálogo respeitoso e construtivo com a Parte Chinesa, tendo em vista o desenvolvimento adicional das relações bilaterais em benefício da Igreja Católica na China e do povo chinês como um todo”.
O que é previsto em relação ao “desenvolvimento adicional das relações bilaterais” permanece a ser visto.
Após ouvir de fontes informadas que os chineses queriam um acordo permanente, eu comentei com o cardeal: “Eles conseguiram algo — quatro anos em vez de dois — mas não tudo o que queriam”. O Cardeal Chow respondeu: “Sim, podemos ver dessa forma. Mas eu acho que ambos os lados ficaram felizes porque o tema está avançando”.
Perguntei se era possível que o Vaticano também quisesse adições ao acordo que provavelmente não obteve da China, como um escritório em Pequim, e ele respondeu: “Eu suponho que sim, mas não sei”.
Chow também concordou que, desde a assinatura do acordo provisório, houve “uma melhoria, um desenvolvimento positivo” nas relações entre o Vaticano e Pequim.
Desde setembro de 2018, o processo de nomeação episcopal tem sido lento; de acordo com o site Vatican News, cerca de 10 bispos foram nomeados na China continental nos últimos seis anos. Mas, informou o cardeal, 1/3 das dioceses continentais permanece sem um bispo. “Essa é provavelmente uma das razões pelas quais o Papa queria que esse acordo acelerasse… para ajudar [a igreja lá]”.
“Podemos ver que isso está acontecendo, embora não tão rápido quanto gostaríamos. Mas está acontecendo. Eu acho que isto também é um sinal de confiança, construindo confiança. Se houver mais confiança, haverá mais segurança, e as coisas irão fluir melhor, mais rápido. Isso [é verdade] de ambos os lados”, disse o prelado. Ele vê “um edifício mútuo de confiança” como o caminho seguro à frente.
Nesse contexto, ele elogiou como um passo positivo a presença de dois bispos da China continental no sínodo em Roma — os Reverendíssimos Joseph Yang Yongqiang e Vincent Zhan Silu — e sua permanência durante todo o encontro. (Ano passado, os dois bispos chineses precisaram deixar o sínodo mais cedo porque receberam apenas vistos de saída de curto prazo do governo chinês.) “Isso é encorajador”, disse o cardeal. “Eles estão aqui para o sínodo completo. Eles têm se comunicado com outros e expressado suas opiniões. Fui informado de que têm participado ativamente em seus pequenos grupos. E eles falaram em assembleias plenárias”.
O Cardeal Chow observou que o site do Vaticano publicou “mais ou menos os discursos” que os dois bispos chineses fizeram no sínodo. “Eu entendo que isso foi feito com a aprovação dos dois bispos”, disse ele, “embora eu ache que os bispos pensavam que seria liberado mais tarde, em termos de tempo. Mas o governo chinês sabe que eles falaram e não fez nenhum comentário adverso sobre isso”.
O cardeal citou o reconhecimento oficial do governo, mais cedo neste ano, de D. Melchior Shi Hongzhen como bispo de Tianjin como outro exemplo de confiança crescente. O bispo de 95 anos havia sido colocado em prisão domiciliar por se recusar a se juntar à Associação Católica Patriótica sancionada pelo governo, que atua como um intermediário entre os católicos registrados e o governo chinês. “Porque ele é reconhecido, ele [pode] tentar encontrar seu sucessor, que espera-se que possa unir a Igreja”, disse o Cardeal Chow.
Mas, disse o cardeal, pode ser difícil ler a situação na China continental. Enquanto algumas autoridades locais “fazem gestos de boa vontade… do outro lado, algumas estão apertando o controle. O que isso significa? Pode significar que alguém não está em paz sobre algo, e eu não sei o que é”.
Em abril de 2023, o então bispo Chow visitou Pequim, a primeira vez que o bispo de Hong Kong visitou a capital chinesa em quase 30 anos. Lá, ele se encontrou não apenas com o bispo local, o Reverendíssimo Joseph Li Shan, e outras autoridades eclesiásticas, mas também com oficiais do governo chinês. Dada essa experiência, perguntei se ele achava que há mais abertura por causa do Papa Francisco, que tem cuidado para não criticar diretamente a China. “Sim, provavelmente”, disse o cardeal. “O Papa Francisco não criticou [mas] na verdade elogiou a cultura chinesa, o povo chinês”.
Francisco expressou repetidamente seu desejo de ir à China. Quando perguntado se ele vê isso acontecendo, o Cardeal Chow respondeu: “Acho que isso não é impossível. Não é impossível!” O cardeal disse que não ficou surpreso, no entanto, que as autoridades chinesas ainda não tenham mostrado nenhuma abertura para uma visita papal. “Eles não farão isso publicamente, certo? Eles não farão isso porque tenho certeza de que isso envolverá várias consultas internas antes que qualquer coisa seja decidida. Por que fariam isso publicamente quando as consultas internas não passaram pelo devido processo?”
Em sua declaração no sínodo, D. Yang, arcebispo de Hangzhou, convidou todos os membros do sínodo a virem visitar a China. O Cardeal Chow disse que não ficou surpreso com o convite. “A China tem permitido privilégios de isenção de visto a vários países”, disse ele. “A China quer convidar, encorajar as pessoas a virem ver ao país porque a retórica, a retórica internacional, e a imprensa especialmente, é realmente negativa em relação à China. A China sabe que a única maneira de combater isso é convidar as pessoas, [dizendo]:, ‘Por favor, venham e vejam por si mesmos’”.
“Eu faço o mesmo”, acrescentou o Cardeal Chow. “Eu incentivo as pessoas a virem a Hong Kong e ver por si mesmas porque há uma retórica negativa, alguns governos dizem que vir a Hong Kong é perigoso. É arriscado. A pessoa pode ser presa, esse tipo de coisa. Então muitos, incluindo líderes eclesiásticos, têm medo de vir a Hong Kong. Eu fiquei perplexo. A única coisa que eu digo é: ‘Se você planeja derrubar o governo, então não venha; caso contrário, venha nos visitar’”.
Quando perguntado se ele planeja visitar novamente a China continental, o bispo de Hong Kong disse: “Eu espero. Depende, porque agora que sou cardeal, [as autoridades] são um pouco mais cautelosas. Não que eles não queiram que eu vá, mas eles sentem que precisam fazer mais trabalho de base [primeiro]”.
Muitas pessoas de fé expressaram preocupação sobre a “sinicização” na China. O impulso para “sinicizar a religião” — torná-la mais culturalmente chinesa — foi introduzido pelo presidente Xi Jinping em 2015 e escrito na ortodoxia do partido em 2017. Especialistas veem isso como uma tentativa do Partido Comunista, oficialmente ateu, de trazer as religiões sob seu controle absoluto.
Chow descreveu a sinicização como “um conceito em desenvolvimento”. Ele observou que “a sinicização não é apenas para a Igreja. É para muitas coisas, não apenas para religiões, mas também para outras partes da sociedade, como negócios e tecnologia e assim por diante. O governo fala sobre sinicização, e geralmente isso significa que você deve proteger seu país, ajudar o país a se desenvolver e prosperar. Amar seu país, essa é a base”.
“Não é ideologia”, disse o cardeal. “Eles realmente querem que a religião seja parte da força positiva na construção do país. Portanto, o princípio básico não está em contradição com a nossa fé”.
O Cardeal discordou da crítica de que as autoridades chinesas visam influenciar a teologia por meio da sinicização. “A principal questão é que você ainda tem um acordo com o Vaticano”, disse ele. “Então [a questão é]: como podemos continuar leais ao Vaticano e, ainda assim, amar o nosso país?”
O cardeal acredita que as autoridades chinesas estão menos preocupadas com a Igreja Católica do que com outros grupos religiosos. “Eles não se preocupam porque somos mais amigáveis; somos mais gerenciáveis para eles. Algumas outras religiões, que eu não deveria nomear, não são assim. Eu acho que às vezes as pessoas sentem — e eu posso entender perfeitamente isso — que a perseguição é dirigida principalmente contra nós, a Igreja Católica. Na verdade, não é”. Embora ele não condene a perseguição de nenhuma religião, o cardeal disse que não devemos “fazer parecer que… somos a única vítima. Não somos!”
O prelado também sugeriu que a perseguição é, às vezes, resultado da implementação de políticas em nível local e que “a política nacional em si pode não ser ruim”.
Voltando à situação em Hong Kong, o cardeal disse que a situação econômica melhorou desde a pandemia de Covid-19, “mas economicamente não está tão forte ainda. Estamos ainda tropeçando aqui e ali por diferentes razões, em parte por causa da pandemia, mas também em parte por causa das sanções internacionais [à China]”. Ele observou que alguns países ocidentais restringiram investimentos em Hong Kong e “desencorajaram [os investidores] e até sugeriram que deixassem Hong Kong”.
Mais de 300.000 moradores deixaram Hong Kong por várias razões, disse ele. Entre eles estão alguns católicos. “Na verdade, não sabemos [quantos] uma vez que eles não nos reportam”, disse ele. “Mas podemos perceber a ausência porque aqueles que saíram estão na faixa etária de 30 a 40 anos, e levaram os filhos junto. Portanto, podemos ver que entre a liderança leiga há um vácuo. Os que têm 50 e 60 anos precisam passar sua liderança, mas há uma lacuna agora”.
Após nossa conversa, o cardeal jesuíta retornou para participar da fase final do trabalho do Sínodo dos Bispos. Ele retornará a Hong Kong na próxima semana.
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Por que o cardeal jesuíta de Hong Kong, Stephen Chow, tem esperança nas relações Vaticano-China - Instituto Humanitas Unisinos - IHU