25 Agosto 2022
O jesuíta faz um balanço da sua missão como padre e jornalista. “Para mim, foi um verdadeiro privilégio narrar de perto os pontificados de Wojtyla, Ratzinger e Bergoglio.”
A reportagem é de Filippo Rizzi, publicada em Avvenire, 22-08-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele se considera e se descreve como um “simples” jesuíta, ele que, por formação, é um matemático profissional. “Eu me formei nessa disciplina em 1969 na Universidade de Turim”, que, por um estranho desígnio do destino, passou boa parte da sua longa existência de sacerdote como “homem da comunicação vaticana” a serviço de nada menos do que três papas: João Paulo II, Bento XVI e Francisco.
É o retrato que mais se destaca para compreender, mas também para definir uma figura complexa, afável, mas de certa forma esquiva – típica, talvez, de quem é natural do Piemonte – como a do Pe. Federico Lombardi, desde 2016 escritor emérito da revista La Civiltà Cattolica e presidente da Fundação Vaticana Joseph Ratzinger-Bento XVI.
No próximo dia 29 de agosto, Pe. Federico superará a marca dos 80 anos de vida: ele nasceu nesse dia em Saluzzo, cidade pequena e muito saboia da região de Cuneo. “Alcançar essa meta – é a confidência do religioso que nos acolhe em um quente e ensolarado dia de agosto em Villa Malta, em Roma, sede da prestigiosa revista La Civiltà Cattolica – significa sobretudo fazer um balanço sobre a própria vida, perguntar-se o que, como idoso, com as próprias recordações, mas também limites e testemunhos, pode ser transmitido às novas gerações. A quem virá depois de nós.”
Mas, para o Pe. Lombardi, esse aniversário simboliza algo mais. “Vivo este meu aniversário – continua – como a antecipação de uma alegria maior: aquela que experimentarei, dentro de alguns dias, no meu 50º aniversário de missa, que ocorre no dia 2 de setembro de 1972. O fato de eu ter sido ordenado padre na Alemanha, enquanto concluía meus estudos em Teologia em Frankfurt, foi o meu ‘batismo de fogo’ como sacerdote. Um dos privilégios mais belos foi levar o anúncio da fé, naquele ano tão especial para mim, aos muitos imigrantes italianos em um ambiente popular.”
O Pe. Federico Lombardi pertence a uma família importante do Piemonte, que afunda as suas raízes no catolicismo social: seus tios eram o jesuíta e homem de confiança de Pio XII, famoso pelas suas pregações nos anos 1950 e, por isso, chamado de “microfone de Deus”, Riccardo, e o renomado jurista Gabrio, que esteve, em 1974, entre os principais nomes da batalha em torno do referendo pela revogação da lei do divórcio. Sua avó Emma Vallauri foi a fundadora da União de Mulheres da Ação Católica Italiana.
Até que ponto o fato de ser sobrinho de Riccardo Lombardi influenciou a sua vocação como jesuíta?
Ter um tio jesuíta na família permitiu-me entender melhor essa ordem, porque ela já era familiar para mim pelo seu estilo de apostolado. Eu via pouco o meu tio e me lembro da sua proverbial itinerância para as suas conferências. Mas, como no caso de Carlo Maria Martini, foi sobretudo o contato direto com os padres da minha escola, o Sociale de Turim, que me levou a entrar na Companhia.
Em 1973, o senhor entrou no colégio de escritores da La Civiltà Cattolica e, em 1977, tornou-se vice-diretor. Que lembranças guarda daqueles anos?
Foi um período cheio de entusiasmo, que durou cerca de 11 anos, até 1984, e de renovação no rastro das reivindicações conciliares, graças à liderança carismática de Bartolomeo Sorge: um homem de grande cultura e de intensa vida espiritual, capaz de ficar por horas e horas diante do sacrário. Com ele, eu tive a emoção, em 14 de junho de 1975, de entregar o número 3.000 da revista nas mãos de Paulo VI. Ainda me lembro da emoção do Pe. Sorge diante do Papa Montini. E, em certo sentido, em 24 de fevereiro de 2017, quando o atual diretor da revista, Pe. Antonio Spadaro, entregou ao Papa Francisco o número 4.000 da nossa revista quinzenal, parecia que eu estava revivendo a mesma trepidação e o mesmo momento histórico vivido em 1975.
Papa Francisco e Federico Lombardi | Foto: Rádio Vaticano
Em 1984, por seis anos, até 1990, você se viu liderando os jesuítas italianos como superior provincial... O que significou essa experiência?
Esses anos me permitiram conhecer a fundo a realidade da Companhia de Jesus na Itália, composta por cerca de 1.200 religiosos, espalhados em 90 casas. Entre as experiências mais bonitas, esteve a visita às missões dos nossos padres em terras difíceis como o Madagascar ou o Brasil. Como provincial, fui eu que sugeri ao Pe. Sorge, depois da experiência da La Civiltà Cattolica, que fosse a Palermo para enxertar uma nova vida no Instituto de Formação Política Pedro Arrupe. Acho que foi uma aposta vencedora.
Em 1990, tornou-se verdadeiramente “homem da comunicação da Santa Sé”: de fato, foi designado pelos superiores da Rádio Vaticana primeiro como diretor dos programas (1990-2005), depois diretor geral (2005-2016) e, por fim, à frente do Centro Televisivo Vaticano, o CTV (2001-2013). Que balanço o senhor pode fazer desse período?
Talvez, tenha sido um dos momentos mais fecundos da minha carreira a serviço da Sé Apostólica. O fato de um jesuíta da La Civiltà Cattolica ser “desviado” para a Rádio Vaticana não era uma novidade. Antes de mim, isso tinha ocorrido com dois ilustres coirmãos, como Giacomo Martegani e Roberto Tucci, que depois se tornou cardeal. Daquele período, permaneceu o contato com toda a equipe, muitas vezes poliglota, o conhecimento das edições em várias línguas das transmissões radiofônicas e, depois, o fato de poder participar das viagens apostólicas em pleno pontificado de João Paulo II: eu me alternava nesse papel com o meu então superior, o Pe. Pasquale Borgomeo.
Uma experiência totalmente diferente foi a do CTV, no qual o senhor acompanhou de perto o fim do pontificado de João Paulo II.
Para mim, foi um privilégio ser o diretor do Centro Televisivo Vaticano naquele momento histórico, o ano de 2005, porque, graças àquelas filmagens exclusivas, pudemos narrar ao vivo ao grande público o sofrimento, a agonia e a morte de um papa santo como Karol Wojtyla. Foi uma ostensão quase pública do Santo Padre, para mostrar ao mundo não apenas o seu sofrimento, mas também a sua entrega ao Senhor.
Em 11 de julho de 2006, chegou a nomeação como diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé. Cargo que ocuparia até 2016 com o Papa Bergoglio.
Ainda hoje não sei explicar por que fui escolhido, sobretudo porque tive que substituir uma figura de muita autoridade como Joaquín Navarro-Valls. Muitas vezes, imagina-se que o diretor da Sala de Imprensa é o “porta-voz” do papa, mas não é assim. Você não tem apenas que apresentar a todos os meios de comunicação do mundo quem é o bispo de Roma, mas, muitas vezes, nesse papel, você tem que contar outros detalhes, por exemplo, como funciona a complexa máquina da Cúria Romana... Para mim, aquele ano de 2006 representou, na verdade, quase um novo começo: um aprendizado para aprender a ser “porta-voz”.
Uma relação totalmente particular foi a que o senhor viveu ao lado de Bento XVI. Pode nos dizer por quê?
Em certo sentido, eu o acompanhei por quase todo o seu pontificado, desde 2006 até a sua renúncia ao ministério petrino em fevereiro de 2013. Por trás de uma certa camada de timidez, pelo fato de ser um homem de estudo, o Papa Ratzinger é um homem não apenas afável, mas que também sempre me deixou à vontade. Eu o definiria como um papa teólogo com ideias muito claras. A sua renúncia à Cátedra petrina não foi uma surpresa inesperada para mim. Ainda em 2010, no famoso livro-entrevista “Luz no mundo”, com Peter Seewald, Bento já havia mencionado a hipótese da renúncia, principalmente por motivos de saúde e de não poder cumprir da melhor forma possível a sua missão pública como sucessor de Pedro. Depois da viagem ao Líbano em setembro de 2012, já com 85 anos, conduzida por ele de modo egrégio, ele já havia compreendido que as forças e as energias de antigamente haviam desaparecido. O que impressionou a todos foi a serenidade e o desapego da sua renúncia.
Um pontífice com quem o senhor costumava falar em alemão ou em italiano.
Aqui também sempre prevaleceu uma grande virtude de Ratzinger: a humildade. Nas conversas comigo, ele sempre privilegiou falar em italiano e não em alemão. Por outro lado, ele fala a nossa língua com mais familiaridade do que eu domino a dele. Somente em circunstâncias particulares, quando nos encontramos conversando com o seu secretário pessoal, hoje arcebispo, Dom Georg Gänswein, é que ele preferia o uso da sua língua materna. E, na conclusão dessas conversas a três, ele tinha a finesse de repetir as mesmas coisas em italiano. E a minha resposta era divertida: “Santo Padre, não é preciso a tradução. Eu entendo a sua língua, pois a estudei muitos anos...’”.
Quando você encontrou o Papa Emérito pela última vez?
No dia 7 de maio passado, para atualizá-lo sobre as novidades do Prêmio e da Fundação a ele dedicados. Ele fala com um fio de voz e, para expressar o seu real pensamento, ele é ajudado nessa mediação pelo seu secretário, o arcebispo Georg Gänswein. Ele ainda mantém uma lucidez mental formidável. Tem uma memória e uma capacidade de conexão verdadeiramente notável para a sua idade. Nota-se tudo a partir da qualidade das suas perguntas e das suas respostas. O que esse último encontro me deixou? A ideia de um homem que, apesar da sua fragilidade, transmite serenidade, graças também, creio eu, a uma intensa vida feita de oração. Ele sempre se despede dando-lhe um belíssimo sorriso e se sente pronto para o encontro definitivo com o Senhor.
Papa Bento XVI e Federico Lombardi | Foto: Rádio Vaticano
Em 2013, o senhor se tornou o porta-voz do Papa Francisco, seu coirmão e o primeiro pontífice jesuíta. Que imagens guarda daqueles três anos?
Eu vi o meu coirmão Jorge Mario Bergoglio pela primeira vez em 1983, por ocasião da XXXIII Congregação Geral dos jesuítas em Roma, que levou à eleição do prepósito da Companhia Peter Hans Kolvenbach, um homem de grande rigor ascético, Mas foi um encontro formal. O verdadeiro conhecimento pessoal ocorreu com a sua eleição ao sólio de Pedro em 2013. Para mim, foi uma graça viver com ele o início e, portanto, talvez a parte mais programática do seu pontificado: acompanhá-lo nas suas primeiras viagens apostólicas e sobretudo descobrir a sua espontaneidade e empatia que ele tem com cada pessoa que o encontra e se aproxima dele. O que tenho em comum com ele é a linguagem da espiritualidade inaciana e o conhecimento e prática dos Exercícios Espirituais. Palavras como discernimento ou a sua ideia de levar o anúncio do Evangelho ao mundo de hoje e no sinal dos tempos fazem parte de uma linguagem típica nossa, dos jesuítas. Os dons mais belos dos três anos passados ao lado do papa foram os de descobrir a sua liberdade no espírito (basta pensar nos seus gestos espontâneos como os telefonemas) e o sopro de frescor que ele trouxe para dentro e para fora da Igreja.
Como o Pe. Federico, no limiar dos seus 80 anos, como passa o restante dos seus dias?
Vivendo como simples sacerdote e como superior da comunidade jesuíta da La Civiltà Cattolica. Se posso, escrevo alguns artigos, muitas vezes de vida eclesial, para a revista. Assim como fazia, enquanto pôde, o falecido e mais longevo diretor da revista, Pe. GianPaolo Salvini. Agora, consegui acariciar um antigo sonho meu: estou entre os curadores da positio para o processo da causa de beatificação de um jesuíta muito querido para mim e um homem do diálogo com a China: Matteo Ricci (1552-1610), de Macerata. Vivo com esperança e fé o meu ministério e olhando sem nostalgia para o glorioso passado da minha ordem, um pouco como costumava fazer o cardeal Martini na parábola final da sua existência, mas alimentando sempre a confiança no futuro da Igreja. E em quem virá depois de mim.
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“Minha vida ao lado de três papas”. Federico Lombardi: 80 anos de vida e 50 de padre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU