19 Novembro 2024
A eleição de Donald Trump, para além dos méritos primorosamente políticos ou ideais, parece ser uma péssima notícia para o continente africano em muitos aspectos. Os primeiros sinais vêm de suas escolhas durante seu primeiro mandato.
A reportagem é de Luca Attanasio, publicada por Domani, 17-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como relata a Africa Rivista, em sua primeira presidência, Trump tinha como objetivo, em primeiro lugar, reduzir significativamente os investimentos, mas também demonstrou preocupantes atitudes ultrajosas que, além do racismo acentuado, escondem um claro desinteresse. Como quando, por exemplo, durante uma reunião com um grupo bipartidário de senadores na Casa Branca em janeiro de 2018, ele definiu os países africanos e alguns países da América Central de “shithole countries”, países de m.
A frase infeliz faz parte de uma péssima tradição de presidentes estadunidenses incapazes de esconder sua ignorância, bem como uma indiferença flagrante em relação ao continente africano. Entre eles, apenas para mencionar um dos mais clamorosos, George W. Bush, que, recém-eleito para a liderança dos Estados Unidos em junho de 2001, ao falar sobre a África em Gotemborg, na Suécia, definiu-a como “uma nação que sofre de uma doença incrível”, conseguindo a façanha de proferir vários erros em uma frase de apenas oito palavras.
Sempre em relação ao passado trumpiano, é preciso acrescentar que o próximo presidente dos EUA nunca visitou a África em seus quatro anos de mandato nem demonstrou nenhum interesse particular em colocar o continente na agenda geopolítica, e que favoreceu cortes drásticos referentes a questões de desenvolvimento e saúde pública no continente.
Nessa frente, a escolha que Trump pode fazer em relação à Lei de Crescimento e Oportunidades para a África (Agoa), que desde 2000 permite que 32 dos 54 estados da África exportem parte de seus produtos para os Estados Unidos sem pagar impostos, levanta muitas preocupações. Em seu mandato anterior, Trump declarou que o regime não seria renovado quando expirasse em 2025 e, durante a campanha eleitoral de 2024, ele se comprometeu a implementar uma tarifa universal de 10% sobre todos os bens produzidos no exterior. Isso inevitavelmente levaria a uma redução de produtos africanos no mercado dos EUA.
Nesse contexto, a iniciativa Prosper Africa (que auxilia as empresas estadunidenses que desejam investir na África), lançada em 2018 por ele principalmente para combater a crescente influência econômica da China no continente, foi vista pelos analistas como negligenciada, embora, dada a continuação do grande impacto da China na África, é possível que seja revitalizada no segundo mandato.
A África, conforme relatado pela BBC, recebe a maior parte das ajudas dos Estados Unidos, que declararam ter doado quase US$ 3,7 bilhões durante este ano fiscal. Como já mencionado, Trump havia prometido reavaliar o dossiê de ajudas à África e usar a tesoura de forma pesada, e é muito provável que siga nessa direção a partir de agora. Uma eventualidade que, conforme declarado pelo Council on Foreign Relations, um conhecido think tank de Washington, levaria ao desmantelamento das “políticas tradicionais em matéria de saúde dos EUA” (está entre os mais importantes o programa antiaids Pepfar, ou o programa de vacinas).
Ao contrário da China e da Rússia, de qualquer forma, os Estados Unidos não parecem particularmente atraídos pela África. É verdade que Joe Biden - que, assim como Trump, nunca pôs os pés na África em seu mandato de quatro anos - demonstrou mais interesse pela África, mas suas estratégias não levaram a um avanço real. Certamente, alguns progressos significativos nas relações e nos esforços, bem como algumas iniciativas específicas, levaram a uma mudança de rumo e a uma nova atenção pelo continente.
Certamente vão nesse sentido a proposta histórica de Biden, durante a cúpula EUA-África em dezembro de 2022, de nomear a União Africana para um assento permanente entre os países do G20 e seu compromisso de apoiar a expansão do Conselho de Segurança da ONU para incluir a representação da África. A estratégia, como o Secretário de Estado Blinken gostava de repetir, visava oficialmente “promover a governança democrática no continente”, pois “a história mostra que as democracias fortes tendem a ser mais estáveis e menos propensas a conflitos”.
O objetivo mais estratégico, no entanto, era combater o rápido crescimento da influência da Rússia, da China, da Turquia e de outros novos atores, incluindo o Irã, e um relançamento econômico-comercial. Não por acaso, durante a presidência de Biden, um número significativo de acordos comerciais foi assinado e o volume de comércio entre os EUA e a África aumentou para US$ 60 bilhões. Pequim, no entanto, continua inalcançável com seus 180 bilhões em comércio.
E também no plano da influência geopolítica e militar, registram-se clamorosos retrocessos, como a retumbante expulsão do histórico contingente de soldados dos EUA do Níger, um dos muitos países afetados por golpes militares nos últimos anos, todos com os olhares voltados muito mais para o Oriente do que para o Ocidente.
Os resultados obtidos por Biden correm sério risco de serem desfeitos pelo novo curso trumpiano. Se pensarmos nas tentativas de Biden de promover uma maior relevância da África no cenário internacional por meio de assentos em órgãos transnacionais, deve-se dizer imediatamente que as possibilidades diminuem drasticamente, sem o apoio do novo presidente estadunidense que, além disso, vê as instituições multilaterais com grande desconfiança.
No plano geopolítico, os analistas, como escreve a Al Jazeera, esperam que Trump exerça pressão sobre os países africanos para que se distanciem de Pequim (mais do que de Moscou). Mas isso levaria a escolhas praticamente impossíveis para os muitos países que dependem pesadamente da China tanto para financiamento de infraestrutura quanto para trocas comerciais.
Ao fazer isso, no entanto, Trump se exporia a um desmanche progressivo e quase total das relações dos EUA com um continente que, ao que tudo indica, representa o futuro com seus recursos infinitos, as potencialidades até agora pouco expressadas e uma população com idade média de 19 anos, que poderia definitivamente buscar outras parcerias e relações mais profundas com nações da Ásia e do Oriente Médio, bem como relações intracontinentais mais estáveis.
“Se a África quiser continuar recebendo esmolas e ajuda dos EUA”, disse Christopher Isike, professor de estudos africanos e relações internacionais da Universidade de Pretória, à Al Jazeera, “então a eleição de Trump é catastrófica. Mas se souber buscar outros parceiros comerciais e alianças, será um bem”.
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Redução de investimentos e racismo: a África tem medo de Trump 2.0 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU