31 Março 2022
"Como na época colonial, a história se repete, com outros atores, mas com os mesmos resultados: os africanos agora se tornaram os atendentes dos chineses", escreve Angelo Ferrari, em artigo publicado por Rivista Africa e reproduzido por Settimana News, 30-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A China continua sendo o principal parceiro comercial da África por 12 anos consecutivos. Soma-se a isso os investimentos em infraestrutura. Os bancos de desenvolvimento chineses emprestaram mais do que o dobro em relação àqueles dos Estados Unidos, Alemanha, Japão e França juntos.
O superpoder da China na África é absoluto. Isso é demonstrado pelos dados sobre o comércio bilateral que alcançou seu nível máximo. De acordo com a Administração Geral das Alfândegas de Pequim, o comércio bilateral total entre o continente africano e a China em 2021 atingiu 254,3 bilhões de dólares, um aumento de 35,3% em relação ao ano anterior. A África exportou 105,9 bilhões de dólares em mercadorias para a China, um aumento de 43,7%.
Assim, a China manteve-se como o principal parceiro comercial de África durante 12 anos consecutivos. Soma-se a isso os investimentos em infraestrutura. Os bancos de desenvolvimento chineses emprestaram mais do que o dobro em relação àqueles dos Estados Unidos, Alemanha, Japão e França juntos. Se considerarmos o período 2007-2020, o banco China Exim e o banco de desenvolvimento da China forneceram empréstimos de 23 bilhões de dólares, enquanto todas as principais instituições financeiras de desenvolvimento combinadas forneceram apenas 9,1 bilhões de dólares.
Entre elas estão o Banco de cooperação internacional do Japão e a Agência de cooperação internacional do Japão, os alemães KFW e DEG, a corporação internacional de financiamento ao desenvolvimento dos Estados Unidos, o holandês FMO, o Banco de desenvolvimento da África Meridional e o francês Proparco. O mesmo vale para os bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial. Essas instituições bancárias forneceram uma média de apenas US $ 1,4 bilhão por ano para acordos sobre infraestrutura público-privadas na África Subsaariana de 2016 a 2020.
A China não tem concorrentes e isso também foi visto na votação de ontem na Assembleia Nações Unidas onde foi votada a condenação da invasão russa da Ucrânia. Quando se olha para o mapa do mundo onde estão marcados com cores diferentes os países que votaram a favor, contra e aqueles que se abstiveram, pode-se ver, de forma plástica, que uma parte da África votou como a China e a Índia, ou seja, se absteve. Se a estes, 17, somarmos a Eritreia que votou contra e os 8 que estavam ausentes, a soma é 26, pouco menos de metade das 54 nações africanas. Pode-se dizer que o olhar do continente está cada vez mais voltado para o leste e o ocidente corre o risco de se tornar cada vez mais marginal.
Não há dúvida de que o poder econômico de Pequim é bastante tentador para todos e que ninguém consegue competir economicamente, mas isso não é suficiente para entender o “sucesso” da China na África. Há razões políticas: a China não foi uma potência colonial, e isso ajudou, mas sobretudo aplicou uma política de não ingerência nos assuntos internos dos países em que investiu. A China, porém, não se limitou a investir em infraestrutura em troca de matérias-primas, mas construiu um sólido castelo, alicerçado nos cinco pilares que tornam o império inexpugnável.
A China não empresta dinheiro "grátis", pretende ser reembolsada, como é normal, mas garante a devolução do dinheiro emprestado estipulando cláusulas que muitas vezes são suspensas.
Um exemplo significativo desse ponto de vista é o Djibuti, onde fica a primeira base permanente da China no exterior. Pequim investiu US$ 15 bilhões para o desenvolvimento do principal porto e das infraestruturas relacionadas. 82% da dívida externa é detida por Pequim e, em caso de inadimplência, o Djibuti poderá ceder aos chineses o controle do porto estratégico de Doraleh, na entrada do Mar Vermelho e do Canal de Suez.
Outro exemplo. O porto de Mombaça (Quênia), um dos mais movimentados da África Oriental, foi utilizado como garantia do empréstimo de 3,2 bilhões de dólares utilizados para a construção da linha férrea de 470 quilómetros entre Mombaça e Nairóbi. Se o Quênia não pagar a dívida, o Exim Bank da China assumirá o controle.
O castelo deve ser defendido. A presença militar intensificou-se nos últimos anos. A "base de apoio estratégico" da China é o Djibuti. O significado político-estratégico é proteger os interesses no exterior. No entanto, o soft power não é mais suficiente para a China, mas busca criar uma rede de bases militares que possam fortalecer sua presença no continente africano. O interesse estaria agora concentrado em Angola, Quênia, Seychelles, Tanzânia e Namíbia.
O relatório "Desenvolvimentos militares e de segurança envolvendo a República Popular da China", escrito pelo Departamento de Defesa dos EUA, fala sobre isso e do fato de Pequim estar sondando a disponibilidade de pelo menos outras doze nações para criar estruturas logísticas de apoio naval, aéreo e terrestre. No documento final da Cúpula China-África, que foi realizado em Dakar, no Senegal, em novembro de 2021, não podia faltar a “cooperação no âmbito da segurança”, vista como o ponto “focal” das relações sino-africanas.
Foram anunciados, e isso é uma novidade, exercícios conjuntos para operações de manutenção da paz, no combate ao terrorismo, tráfico de drogas e pirataria. Finalmente, de acordo com o Instituto Chinês de Estudos Internacionais em Pequim, a China se tornou o segundo maior fornecedor de armas para o continente africano.
A moeda. Mas há outro pilar do castelo fortificado, por enquanto apenas nas intenções, que poderia tornar-se realidade. Ou seja, uma moeda ligada ao yuan. Uma tentativa de fortalecer a influência chinesa no continente africano. A oportunidade surgiu quando os países da África Ocidental - a maioria deles ex-colônias francesas com o Franco CFA ancorado ao euro e garantido pelo Tesouro francês - começaram a pensar em uma moeda própria, abandonando aquela colonial.
Os chineses entraram imediatamente no debate, apoiados pelos países anglófonos e com a insistência de Gana, tentando pressionar por uma moeda - a eco – justamente ancorada ao yuan. A tentativa, por enquanto, foi segurada pela França e por alguns estados francófonos. A moeda chamada eco nascerá, mas ainda estará ancorada no euro. Mas é um jogo ainda a ser jogado.
O sistema de informação se adapta aos equilíbrios geopolíticos e serve para fortalecer os objetivos econômicos das potências mundiais. Antigamente todo o sistema de informação mundial costumava se referir às grandes agências ocidentais para falar sobre a África. Hoje as coisas mudaram.
Entre as grandes se inseriu, com presença total, a agência chinesa Xinhua, que se tornou onipresente na África. Pode-se dizer que o continente africano que conhecemos hoje e do qual temos notícias é em grande parte o que a China quer que se conheça. A Xinhua tem uma grande capacidade de interceptar e divulgar notícias da África e possui mais de 30 escritórios de correspondência em todo o continente. A agência, que não tem nada de independente, está diretamente subordinada ao Conselho de Estado da República Popular da China.
Além de exportar mercadorias para a África, a China também exporta mão de obra agrícola de suas zonas rurais. O fluxo migratório da China explodiu nos últimos vinte anos e continua a um ritmo impressionante.
Os números são desconhecidos, desta vez Pequim não os divulga, mas a presença chinesa é claramente visível. Nos últimos cinco anos, investiu bilhões de dólares na agricultura na África. A intenção de Pequim é deslocalizar a produção de alimentos. Tudo isso está acontecendo na Zâmbia, Uganda, Tanzânia e Zimbábue.
Como na época colonial, a história se repete, com outros atores, mas com os mesmos resultados: os africanos agora se tornaram os atendentes dos chineses.
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O superpoder da China na África - Instituto Humanitas Unisinos - IHU