14 Novembro 2024
A verdade é que na Comissão Europeia ainda não se cogita a expulsão do X do ecossistema de informações, não houve êxodo de políticos, e parece improvável que Musk decida romper com o mercado europeu, que, por mais que tenha pouco impacto econômico, é crucial no plano político. No caso da Espanha, a difusão de informações falsas sobre o crime de Mocejón não acarretou nenhuma contestação à mídia (X) e apenas iniciou um processo contra o “anonimato” nas redes sociais.
O artigo é de Pablo Elorduy, formado em História da Arte e trabalha como jornalista desde 2008, publicado por El Salto e reproduzido Nueva Sociedad, novembro de 2024.
As guerras que Elon Musk poderia perder
X, ex-Twitter, acumula críticas por sua transformação em máquina de expansão da ultradireita internacional. Cada vez mais, discute-se o rumo dessa rede social que se volta contra Elon Musk, mas as alternativas ainda são minoritárias. Com mais de 250 milhões de usuários – entre eles presidentes, líderes políticos e jornalistas – não é fácil, por enquanto, encontrar um substituto.
Internet é como o velho oeste. Pensávamos que éramos os cowboys, mas, na verdade, somos os búfalos. Essa citação, que o autor neerlandês Geert Lovink atribui ao antropólogo autodenominado AnthroPunk em Tristes por Design, parece não se aplicar a Elon Musk, o Liberty Valance que domina o campo mais influente da política internacional, como o bandido de O Homem que Matou o Facínora (1962) que assombrava o Oeste. Musk, com uma fortuna de 221 bilhões de dólares, tornou-se uma ameaça não só para a esquerda e para os movimentos sociais online, mas também para uma parte fundamental do establishment. Hoje, Musk é o porta-bandeira da nova extrema-direita, aquela conhecida nos Estados Unidos como "Alt-Right", e formou uma aliança com Donald Trump, que pretende voltar à Casa Branca.
Veículos como Financial Times, The Guardian e El País têm criticado duramente o bilionário dono da plataforma X. Sua declaração "é inevitável uma guerra civil", feita em meio a uma onda de ataques islamofóbicos promovidos por essa rede social no Reino Unido no início deste mês, é daquelas que marcam uma época. Também não passou despercebida a entrevista cordial que fez com o próprio Trump no antigo Twitter, o deepfake de Kamala Harris que ele divulgou desrespeitando as regras da sua própria plataforma, ou as tentativas da extrema-direita global de replicar os tumultos da extrema-direita britânica na Espanha, usando como pretexto um estupro em Magaluf (Maiorca) e um assassinato em Mocejón (Toledo).
Antes visto como um empresário inovador e carismático, um Iron Man da vida real, Musk é agora percebido como alguém mais próximo do Doutor Destino e, no plano real, uma ameaça para as democracias ocidentais, em razão da nova orientação da X, a rede social da qual foi primeiro viciado e depois proprietário.
O empresário nascido em Pretória, herdeiro espiritual do apartheid sul-africano, é ao mesmo tempo um milionário em apuros, o homem mais rico e um dos mais influentes do mundo, dono da indústria social que moldou a política internacional na última década, um troll que se considera espirituoso, o novo líder da extrema-direita "anti-woke", um fanfarrão que já teve que se retratar várias vezes por suas gafes, um entusiasta das criptomoedas e um paranoico com problemas de sono e vícios. "Ele quer colonizar Marte e seu ego é quase tão grande quanto o planeta vermelho", conclui um artigo do historiador e escritor Derek Seidman na Little Sis.
Dois pontos de exclamação (!!) tornaram-se a marca usada pelo dono da X para mobilizar e impulsionar a extrema-direita internacional. "É a marca da besta", resume Carlos Benéitez, integrante do projeto de análise de fake news e redes sociais Pandemia Digital. Acostumado a responder às mensagens de outros usuários com um código lacônico de palavras e emojis (💯, cool, wow, etc.), Musk impulsionou, com esses pontos de exclamação, mensagens de contas antimigração como as de Tommy Robinson (Stephen Yaxley-Lennon), antigo líder da Liga de Defesa Inglesa, da conta Iamyesyouareno, e, na Espanha, de Rubén Pulido, analista da La Gaceta, veículo da Fundação Disenso, ligada ao Vox.
Benéitez distingue dois tipos de aceleração na disseminação de conteúdos de extrema-direita na X desde que Musk a adquiriu em outubro de 2022. Um está vinculado à expansão de fake news, discursos de ódio racistas, religiosos e lgbtfóbicos. "Eles alteraram o algoritmo: mostram mais porque esse é o objetivo de Musk", resume o pesquisador. O outro tipo de aceleração está relacionado à promoção, aparentemente casual, que o próprio Musk, a pessoa com mais seguidores na X (não sem truques), faz de alguns desses conteúdos através das exclamações ou outras interações, de forma que "se dispara o alcance e as interações, tanto de pessoas que recebem essas informações quanto de contas automatizadas", explica Benéitez.
Para a jornalista Marta G. Franco, autora do recente As redes são nossas, Musk é possivelmente a melhor notícia que a extrema-direita teve neste período histórico:
Ele é o braço tecnológico da direita reacionária, uma peça a mais da "Alt-Right", ou como queiramos chamar essa mutação ultratóxica do capitalismo que surge como resposta à onda de movimentos de mudança articulados através da internet nas duas últimas décadas. É um passo a mais dessa Internacional do Ódio: primeiro começaram a investir em bots, trolls pagos, sites de fake news e influenciadores alinhados, e com Musk tiveram a oportunidade de comprar o próprio meio para continuar distorcendo a conversa pública.
O analista Jonathan Freedland classificou Musk como "a figura mais importante da extrema-direita mundial" e lembrou que "ele tem o maior megafone do mundo". A verdade é que ele não está sozinho. Aos "supercompartilhadores" como Robinson e aos comentaristas e influenciadores de extrema-direita Andrew Tate ou Ashley St Clair, e a contas como "End Wokeness" e a antimuçulmana "Europe Invasion", somam-se o próprio Trump e o excêntrico britânico Milo Yiannopoulos, ex-redator do Breitbart de Steve Bannon, meio de comunicação oficioso do trumpismo 1.0, que foi expulso do Twitter após liderar ataques racistas e gordofóbicos contra a atriz Leslie Jones.
A chegada de Musk ao comando da X foi um jubileu para os radicais. Ele restaurou as contas de Robinson, Trump, Yiannopoulos, do ultra antitrans Graham Linehan e também do rapper Kanye West – conhecido antissemita –, embora este último tenha voltado a abandonar a conta. Em um artigo de despedida da X, a colunista Katie Martin descreveu a guinada da rede social e como os abusadores tomaram posse dela com um "gotejamento de racismo casual, intolerância dos edgelords [provocadores online], polêmicas de má-fé, dog-whistles [mensagens cifradas], desinformação grotesca, bots pornográficos duvidosos, golpes cínicos, conspirações lunáticas e bobagens de criptomoedas".
As mudanças, no entanto, não se limitaram à explosão desse ecossistema da Alt-Right internacional. A falta de transparência tem sido a marca registrada do X. Embora os caminhos para entender em que se baseavam as decisões do Twitter em relação à sua comunidade de usuários já fossem limitados, Musk decidiu fechá-los completamente. A interface de programação de aplicativos (API), que permitia conhecer o impacto das campanhas, passou a ser paga, tornando muito mais difícil rastrear a expansão da desinformação e das fake news. Além disso, Musk fez uma série de mudanças para impulsionar seu perfil, que se tornou o mais seguido da rede logo após sua aquisição.
Benéitez resume em poucas palavras como essa ascensão ocorreu:
Musk perguntou aos engenheiros do Twitter por que seu conteúdo não tinha mais impacto. E um deles respondeu que isso se devia ao fato de que suas postagens não geravam interesse: o algoritmo analisa esse interesse pelo tempo de retenção, quanto tempo você passa lendo o tweet, as respostas que ele tem, os retweets, os "curtidas", os salvos, etc. Qual foi a resposta? Demitir esse engenheiro e solicitar que sua conta ficasse fora do algoritmo para ser promovida massivamente.
Literalmente, Musk construiu seu próprio cassino com base em uma série de comunidades que haviam crescido sem prestar muita atenção a ele. “Nos deixamos levar porque pensamos que valia a pena; na verdade, ainda acho que durante vários anos valeu a pena”, afirma a autora de As redes são nossas. Jack Dorsey, o antigo manda-chuva do Twitter, tinha um perfil afável, comenta Marta G. Franco, “mas a chegada de Musk nos fez lembrar o problema inicial: não podemos dar tanto poder a ninguém, não podemos depender do magnata da vez.” Em qualquer caso, ninguém questiona que tudo mudou: “Pergunte-se: se o X fosse criado na sua forma atual hoje, você se inscreveria?”, disparava retoricamente Katie Martin em sua despedida da plataforma.
Ernesto Hinojosa, um dos tuiteiros mais populares da história da rede social na Espanha, e que deixou a plataforma pouco depois da conversão do Twitter em X, reforça essa apoteose do narcisismo que acabou, se não com a história comercial da rede social, pelo menos com a impressão anterior de que era um terreno neutro:
Musk é o que você obtém quando junta uma crise de meia-idade com 200 bilhões de dólares. Alguns compram um conversível, ele comprou uma rede social. E o problema é que, justamente, ficar tanto tempo preso ao Twitter fez com que muitas pessoas, que até então só conheciam a versão criada pela mídia sobre o sul-africano, uma espécie de Tony Stark da vida real, vissem sua verdadeira personalidade de menino mimado com muito dinheiro. E isso, para Musk, que está obcecado com seu legado, não caiu bem, e fiel ao que faz essa gente, ele culpou “os woke”, e como os únicos que riem de suas piadas são os nazistas e trolls de extrema-direita, temos agora a rede social no estado em que está.
Um episódio biográfico — a transição de gênero de sua filha — é o marco ao qual Musk se refere para explicar sua conversão no principal agente da extrema-direita contra o que ele chama de "vírus woke". Uma série de artigos de Émile P. Torres na revista digital estadunidense Salon, no entanto, deram mais contexto e profundidade à ideologia elitista do sul-africano, alinhada a uma corrente chamada longtermismo, que propõe uma solução eugenista e malthusiana de redução da população humana e sua substituição por outro tipo de sapiens “melhorados” pela inteligência artificial.
O autor desses artigos define o longtermismo, no qual Musk demonstrou publicamente interesse, como “uma cosmovisão quase religiosa, influenciada pelo transumanismo e pela ética utilitarista, que afirma que poderia haver tantas pessoas digitais vivendo em vastas simulações computacionais milhões ou bilhões de anos no futuro que uma de nossas obrigações morais mais importantes hoje é tomar medidas que garantam a maior quantidade possível dessas pessoas digitais.” O filósofo sueco Nick Bostrom, segundo Torres, é a figura chave para entender o que há além da parafernália anti-woke pop e simplista com que o dono do X se disfarça:
Musk quer colonizar o espaço o mais rápido possível, assim como Bostrom. Musk quer criar implantes cerebrais para melhorar nossa inteligência, assim como Bostrom. Musk parece preocupado com o fato de que pessoas menos “intelectualmente dotadas” têm filhos demais, assim como Bostrom. E Musk se preocupa com os riscos existenciais das máquinas superinteligentes, assim como Bostrom. (...) As decisões e ações de Elon Musk ao longo dos anos fazem mais sentido se você o considerar um bostromiano de longo prazo. Fora desse quadro fanático e tecnocrático, fazem muito menos sentido.
“As estratégias politicamente corretas da ‘sociedade civil’ são todas bem-intencionadas e abordam temas importantes, mas parecem estar avançando para um universo paralelo, incapaz de responder ao design de memes cínicos que rapidamente estão assumindo posições de poder-chave”, escreveu Geert Lovink pouco antes de Musk tomar um espaço político crucial como o Twitter. Desde então, o algoritmo da rede social, que na última década concentrou as comunicações sociais de presidentes, ministros, representantes institucionais e muitas figuras de interesse, tem favorecido a cultura do meme e a ideologia troll mais do que antes daquele outono de 2022.
O próprio Musk deu vários exemplos desse modo de operar. Apesar de que os membros do novo governo trabalhista do Reino Unido foram cautelosos em sua resposta à intervenção direta de Musk no conflito provocado pelos pogroms racistas nas ilhas, Musk não hesitou em desafiar o primeiro-ministro Keir Starmer e divulgar (e apagar) notícias falsas sobre a imigração. Starmer e seu gabinete foram alvo das zombarias e provocações do hiperativo magnata.
Quando, em 12 de agosto, o comissário europeu de Mercado Interno, Thierry Breton, escreveu uma carta ao dono do X, com a retórica burocrática dos centros de governança, advertindo-o sobre a “diligência devida” que obriga o X a moderar o conteúdo da plataforma, Musk voltou a agir como alguém que se acha muito engraçado. O tema é sério do ponto de vista econômico — as multas podem chegar a 6% das receitas do X —, mas o bilionário de Pretória respondeu com uma imagem do filme Trovão Tropical e a mensagem “Dê um passo para trás e vá se f...”. Simultaneamente, seus seguidores mais fervorosos lançaram memes e acusações de “ataque à liberdade de expressão” e “autoritarismo” da Comissão Europeia. Esse argumento e a distorção entre o contexto norte-americano — fundamentado pela Primeira Emenda — e o contexto europeu, mais garantista, ajudaram a agravar a crise entre Musk e as instituições.
Breton referia-se à Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act, DSA), uma diretiva de proteção de direitos fundamentais que não tem equivalentes no Reino Unido ou nos Estados Unidos, e que o X poderia ter violado em uma entrevista entre Musk e Trump. Um parecer preliminar emitido em julho indica que o X pode ter infringido a DSA ao conceder o selo azul de conta verificada para contas falsas. Não é a única investigação pendente pela Comissão Europeia. Até agora, as iniciativas europeias para punir Musk por incitação ao ódio foram levadas adiante apenas por figuras sem mandato. No Brasil, a situação foi diferente: o juiz Alexandre de Moraes iniciou uma ofensiva judicial contra a desinformação, exigindo o fechamento e controle de várias contas associadas à extrema-direita — de políticos, blogueiros e influenciadores — relacionadas à tentativa de invasão do Congresso brasileiro em janeiro de 2023, após a derrota de Jair Bolsonaro e a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva.
Com respaldo da legislação brasileira, que permite bloquear conteúdo para proteger as instituições do país, Moraes iniciou uma investigação contra Musk, acusando-o de obstrução da justiça. O juiz havia ordenado ao X que bloqueasse os perfis de seis apoiadores de Bolsonaro, que é admirador de Musk, mas Musk recusou-se a cumprir a ordem judicial.
Para além de seu repertório habitual de “piadas” e denúncias de “censura” na rede que comanda, Musk respondeu fechando os escritórios do X no país latino-americano. A conta oficial do X para assuntos governamentais aumentou a pressão sobre o magistrado com uma mensagem ameaçadora: “O povo do Brasil precisa escolher, a democracia ou Alexandre de Moraes”. A história continuou, e Moraes ordenou, em uma decisão controversa, a suspensão do X em território brasileiro.
Na União Europeia, contudo, apesar do crescente número de críticas, o poder de Musk parece estar protegido. Bruce Daisley, ex-vice-presidente do Twitter para a Europa, em The Guardian, a assessora da Comissão Europeia Marietje Schaake no Financial Times e um editorial do El País instaram para que não se deixem passar as ações do bilionário, mas nenhum líder optou pela confrontação direta. Schaake apontou um dos pontos fracos menos explorados na crítica dessa indústria social: o fechamento da torneira do dinheiro público:
“Alguns líderes corporativos tornaram-se tão poderosos que acreditam que podem manipular os processos democráticos ou evitá-los completamente. Em vez de ceder, como frequentemente fazem os líderes políticos, as empresas deveriam pagar um preço pela agressão e, em última instância, poderiam perder contratos ou outros acessos lucrativos a governos (que continuam sendo os maiores gastadores em tecnologia da informação).”
Entre os partidos do centro-extremo, o mais claro foi Sandro Gozi, político italiano próximo ao presidente francês Emmanuel Macron: “Se Elon Musk não cumprir as regras europeias sobre serviços digitais, a Comissão Europeia pedirá aos operadores continentais que bloqueiem o X ou, no caso extremo, os obrigará a desmantelar completamente a plataforma no território da União”, afirmou. O primeiro a defender Musk foi outro famoso “Coringa” da extrema-direita, o ex-ministro italiano Matteo Salvini.
A verdade é que na Comissão Europeia ainda não se cogita a expulsão do X do ecossistema de informações, não houve êxodo de políticos, e parece improvável que Musk decida romper com o mercado europeu, que, por mais que tenha pouco impacto econômico, é crucial no plano político. No caso da Espanha, a difusão de informações falsas sobre o crime de Mocejón não acarretou nenhuma contestação à mídia (X) e apenas iniciou um processo contra o “anonimato” nas redes sociais.
No perfil que Marco D’Eramo escreveu sobre Elon Musk em junho de 2022, o jornalista italiano destacou a chave do sucesso empresarial do pretoriano. Além de sua imagem de excêntrico e visionário, D’Eramo ressaltava como a valorização das empresas de Musk, “assim como as estimativas aleatórias de sua riqueza pessoal, sempre se basearam na promessa de expansões futuras e de conquistas iminentes”. Essa fórmula tinha e ainda tem um cliente principal: o próprio governo dos EUA. Apesar das toneladas de retórica lançadas dos centros de poder do Vale do Silício contra os Estados-nação, o fato é que, sem o apoio desses, o crescimento da Tesla, empresa de destaque do império Musk, e de seus outros projetos, a aeroespacial SpaceX, a OpenAI (inteligência artificial) e a Neuralink (neurotecnologia), não seriam compreendidos.
“As empresas de Elon Musk receberam bilhões de dólares em subsídios governamentais nas últimas duas décadas”, resumiu a Business Insider em 2021. Uma investigação do Los Angeles Times de 2015 estimava que, até aquele ano, as empresas de Musk haviam se beneficiado, no total, de um apoio governamental estimado em 4,9 bilhões de dólares. O artigo da Business Insider acrescentava novos números: 2,89 bilhões de dólares para a SpaceX, provenientes da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA, na sigla em inglês), outros 653 milhões de um contrato com a Força Aérea dos EUA e uma parte não divulgada da astronômica quantia de 600 bilhões de dólares que o governo federal colocou à disposição das empresas durante a pandemia.
Assim, o interesse de Musk na campanha de Donald Trump se deve a algo mais do que simpatia pessoal. O artigo já mencionado de Derek Seidman detalha como o dono da Tesla mudou suas afinidades partidárias anteriores, alinhando-se com a atitude da maioria dos bilionários, que doam dinheiro tanto para Democratas quanto para Republicanos – embora não em igual medida – esperando políticas públicas que fortaleçam suas posições ou abram novas vias de acumulação. Segundo seu próprio testemunho, Musk votou nos Democratas no passado, mas a aliança com Trump se consolidou à medida que seu discurso anti-woke cresceu. Em julho, o empresário prometeu doar 45 milhões de dólares por mês para a campanha de Trump através de um Comitê de Ação Política (PAC, grupo de interesse regulamentado para financiamento) no qual participam outros magnatas da economia digital, como o cofundador da Palantir, Joe Lonsdale, e os gêmeos Tyler e Cameron Winklevoss, conhecidos por seu papel na fundação do Facebook e por promoverem a criptomoeda Gemini.
O empenho não é altruísta. O setor do Vale do Silício liderado por Musk, e também o empresariado que ainda apoia a candidatura de Kamala Harris, espera que o novo governo traga a demissão de Lina Khan, presidente da Comissão Federal de Comércio, uma “opositora tenaz de fusões e aquisições que prejudicam consumidores e trabalhadores” e “a primeira defensora real das leis antitruste que os Estados Unidos tiveram em anos”, segundo o comentarista político Jim Hightower. Parece absurdo falar dos problemas econômicos de uma pessoa com uma fortuna de 221 bilhões de dólares, mas o acúmulo de perdas é, ao menos, relevante. A Tesla, empresa de destaque do império Musk, enfrenta anualmente uma redução de sua participação no mercado. Em 2024, a empresa controla 12% do mercado, enquanto há cinco anos sua participação era de 17,5%. Suas vendas estão em queda, e o preço de suas ações caiu 10% no ano.
Se a Tesla parece em baixa, o diagnóstico sobre a X é ainda pior. Desde sua compra e, em grande parte, após a mudança de nome, um desastre em termos de valor de marca, a companhia está à deriva e passou de valer 44 bilhões, valor pago por Musk, para ser avaliada abaixo de 20 bilhões. No final de agosto, o The Wall Street Journal publicou uma notícia que teve repercussão mundial. O título, “Os 13 bilhões de dólares que Elon Musk pediu emprestados para comprar o Twitter se tornaram o pior acordo de financiamento de fusões para os bancos desde a crise financeira de 2008-2009”, apontava para um ponto já conhecido: a X perdeu metade de seu valor desde a chegada de Musk, e os investidores oscilam entre o respeito ao criador da Tesla, visto como alguém capaz de imaginar expansões econômicas futuras, e a crescente percepção de que ele é um indivíduo tóxico para os anunciantes.
A rede social viu seu crescimento de usuários estagnar e, embora sua concorrência ainda não tenha alcançado seus números, estudos indicam que nos últimos processos eleitorais também perdeu influência em relação às eleições anteriores. Com lucros anuais de cerca de 160 milhões de dólares e um serviço da dívida que exige desembolsos de 1,5 bilhão por ano, segundo declarou o próprio Musk, o panorama financeiro é crítico, especialmente porque, desde o nascimento da X, as grandes corporações abandonaram os investimentos publicitários nessa rede. Musk primeiro os chamou de idiotas, depois tentou recuperá-los admitindo seus erros, e posteriormente os acusou de conspirar contra ele. Sua plataforma processou anunciantes como Unilever e Mars, bem como uma agência de marketing, pelo que entende ser um acordo de “boicote ilegal”. Um agente de publicidade citado pelo City AM explicou, de forma crua, as razões dos anunciantes para desinvestirem na X: “Os grandes anunciantes se foram, o sistema de verificação é um desastre, metade dos seus seguidores agora são bots de sexo, as pessoas mais interessantes mudaram para outro lugar, quem ainda está lá publica menos e sua timeline é apenas um fluxo interminável de misérias. Como se pode defender a publicidade em uma plataforma como essa?”
“Ninguém sabe quanto tempo mais a X poderá sobreviver, já que a empresa não publica seus resultados financeiros. Mas, em novembro, o próprio Musk admitiu que a X poderia enfrentar a falência devido ao boicote publicitário”, destacava a revista Fortune. O mesmo artigo indica que, embora o rombo seja relativamente pequeno em relação à sua fortuna, para o dono da Tesla a única opção é continuar vendendo participações da fabricante de automóveis, já que o restante de seus projetos (SpaceX ou Neuralink) ainda funcionam com base na sempre incompleta “promessa de expansões futuras e de conquistas iminentes”.
No entanto, os principais críticos de Musk não deixam de apontar um fato fundamental: sua importância é mais política do que econômica. “Musk não comprou o X para fazer negócios, mas para ganhar influência”, resume Marta G. Franco.
Isso é algo que acontece há muito tempo com meios de comunicação deficitários mantidos por empresários. O que pode acabar com o X não é, portanto, a perda de receita, mas a perda de relevância política: que os políticos deixem de usá-lo como o primeiro lugar onde publicam suas declarações, que os grandes meios de comunicação deixem de se preocupar tanto em ter visibilidade ali, que os influenciadores do X tenham menos alcance do que os de outras plataformas.
Em dezembro de 2020, Ernesto Hinojosa deixou de usar o Twitter. Sua conta, Shine Mcshine, tem 165.000 seguidores e não se move desde aquele dia. “Não era só o número de seguidores, é que eu estava nessa rede social praticamente desde o início. Vi ela crescer, se transformar, tornando-se de fato a praça pública da internet”, resume alguém que, provavelmente a contragosto, se encaixa na etiqueta de influenciador. Hoje, Hinojosa publica no Mastodon, uma rede na qual tem “apenas” 22.000 seguidores. “O que me fez sair foi a deriva que a plataforma tomou após a aquisição de Musk. Sinceramente, eu tinha a sensação de que, se ficasse lá, estaria sendo cúmplice de sua transformação em um lugar feito especialmente para amplificar as opiniões que mais abominava. E agora, quando por curiosidade volto a dar uma olhada lá, vejo que o tempo me deu razão”, aponta.
Embora o abandono do X seja um gesto individual insignificante e a soma desses gestos até agora não tenha feito arranhar a superfície da plataforma, os tentativas e apelos para migrar de rede social estão se tornando cada vez mais frequentes. Após os eventos no Reino Unido, a plataforma Bluesky viu um aumento de 60% na atividade de contas daquele país, e a empresa mencionou a entrada de políticos na rede social. O Threads, concorrente criado pela Meta (Facebook), Bluesky e Mastodon estão em uma corrida para se tornar, primeiro, uma espécie de salva-vidas para as milhares de pessoas que migram do antigo Twitter toda semana e, depois, veremos. O fluxo de saídas do X é constante, mas a tensão dos usuários é considerável: deixar o X pode significar “ficar de fora da conversa pública”, algo que não afeta apenas os políticos.
Uma usuária do Mastodon refletia sobre as consequências individuais de mudar de plataforma:
“Deixar o Twitter e vir para o Mastodon é um salto no vazio, isso é fato. No caminho, você vai perder muitos contatos e amigos que fez nos últimos anos, vai mudar suas rotinas por algo que não sabe o que é. Se além disso você tem muitos seguidores e/ou de alguma forma faz parte do seu trabalho (jornalistas, artistas, artesãos, etc.), pode até significar uma perda econômica, de clientes...”, apontava, antes de deixar uma pequena alfinetada: “É normal que você não se atreva a dar esse salto, mas não me venda isso como algum tipo de ativismo, Mari Pili.”
Hinojosa também prefere ser cauteloso ao sugerir que o momento atual de críticas seja o início de uma derrota definitiva para o magnata sul-africano:
“Eu tomaria muito cuidado em assinar o atestado de óbito do X tão cedo; não é apenas o fato de Musk ter tanto dinheiro para financiar seu brinquedo de forma indefinida, é que enquanto os políticos e as figuras públicas não abandonarem essa rede social, os jornalistas também não vão, e como consequência, o X continuará a ter importância no cotidiano da internet.”
Essa parece ser a chave e o ponto fraco que, pelo menos até as eleições presidenciais de novembro nos EUA, pode afetar o futuro do X. O “jardim murado” que era o Twitter sob o comando de Jack Dorsey se transformou em um terreno baldio superpovoado, hierarquizado e dominado pela extrema-direita sob o comando de Musk, mas a linguagem burocrática da Comissão Europeia continuará se chocando repetidamente com a lógica do trolling instaurada como norma no meio de comunicação mais influente do século XXI. “O elo crítico são, como eu disse, os políticos”, aponta Hinojosa, “enquanto personalidades como o presidente do governo [Pedro Sánchez] continuarem usando a plataforma para seus anúncios públicos, ela terá apelo por um bom tempo. Mesmo estando cheia de bots e nazistas, como é o caso.”
Marta G. Franco vê no curto prazo uma pequena fissura que pode acelerar a crise do antigo Twitter:
“Acho que o declínio do X vai acompanhar a intensidade com que Musk se empenhar em colocá-lo a serviço da campanha de Trump. Se ele exagerar, os democratas vão sair. A dúvida está em saber se eles vão simplesmente se mudar para a Meta [Threads] ou se vão começar a levar o problema mais a sério e diversificar as plataformas. Acho que não são tão burros e será mais provavelmente a segunda opção.”
A capacidade de emanação política dos EAU é, assim, uma das chaves que podem afetar o futuro imediato da indústria, tanto no caso do X quanto no de seus rivais, os corporativos — embora sejam de código aberto como o Bluesky — e os cooperativos — Mastodon. Na UE, o desenvolvimento de uma diretiva de serviços digitais ou, no caso da Espanha, de uma Lei de Imprensa pouco avançada pode amenizar os aspectos mais prejudiciais da cultura troll impulsionada pela direção do X, mas o principal problema continua sendo a acumulação de poder em um único indivíduo. Um fato que não deixa de piorar se esse indivíduo acreditar, entre outras coisas, que a espécie humana deve dar lugar a máquinas superinteligentes, como no passado os búfalos deram lugar aos pistoleiros.
Nota: uma primeira versão deste artigo foi publicada em El Salto, 23/08/2024, com o título “O X pode ser uma vítima da guerra que Elon Musk tanto deseja”.
[1] G. Lovink: Tristes por diseño. Las redes sociales como ideología, Consonni, Bilbao, 2019.
[2] Juanjo Andrés Cuervo: «Racismo y fake news: el alzamiento de la ultraderecha en el Reino Unido» en El Salto, 5/8/2024.
[3] Michael Gold: Entrevista de Musk y Trump: poca polémica, muchos problemas técnicos en The New York Times, 13/8/2024.
[4] Musk comparte un ‘deepfake’ de Kamala Harris en su cuenta de x y asegura que ‘vivimos en los mejores tiempos de la historia’ en Latinus, 26/7/2024.
[5] El Puntual 24h de nuevo en el centro de las noticias falsas racistas en Pandemia Digital, 21/8/2024.
[6] El término "woke" (despierto/consciente), como un estado de alerta contra las injusticias y la discriminación social, especialmente vinculadas al racismo, ha devenido en el término más usado por la extrema derecha contra el progresismo [n. del e.].
[7] These Billionaire Donors Stand to Gain Big from Presidential Election en Little Sis, 15/8/2024
[8] M.G. Franco: Las redes son nuestras. Una historia popular de internet y un mapa para volver a habitarla, Consonni, Bilbao, 2024.
[9] J. Freedland: You Know Who Else Should Be On Trial for the uk’s Far-Right Riots? Elon Musk en The Guardian, 9/8/2024.
[10] Yiannopoulos perdió centralidad en el mundo de la extrema derecha tras varios chistes sobre la pedofilia [n. del e.].
[11] Hace referencia a los lenguajes codificados, comprensibles para un tipo de público pero anodinos para el resto, como los silbatos ultrasónicos para perros pastores, solo audibles para los animales [n. del e.].
[12] K. Martin: How to Break Up with Your x en The New York Times, 17/8/2024.
[13] Entrevista del autor.
[14] É.P. Torrez: Understanding ‘Longtermism’: Why This Suddenly Influential Philosophy Is So Toxic en Salon, 20/8/2022.
[15] G. Lovink: ob. cit.
[16] Karen Kwok: Elon Musk’s Best Move in eu Fight May Be an exit en Reuters, 22/8/2024.
[17] B. Daisley: As an Ex-Twitter Boss, I Have a Way to Grab Elon Musk’s Attention. If He Keeps Stirring Unrest, Get an Arrest Warrant en The Guardian, 12/8/2024.
[18] M. Schaake: Political Leaders Must Push Back against Tech Bullies, en Financial Times, 19/8/2024.
[19] Elon Musk despeja la incógnita de X en El País, 15/8/2024.
[20] M. D’Eramo: Iron Musk en El Salto, 21/6/2022.
[21] Jason Lalljee: Elon Musk is Speaking Out against Government Subsidies. Here’s a List of the Billions of Dollars His Businesses Have Received, en Business Insider, 15/12/2021.
[22] J. Hightower: Beware the Corporate Democratic Donors With Knives Out for Lina Khan» en Common Dream, 16/4/2024.
[23] Tesla ha perdido cuota de mercado en todas las geografías» en E&N, 18/8/2024.
[24] Alexander Saeedy y Dana Mattioli: «Elon Musk’s Twitter Takeover Is Now the Worst Buyout for Banks Since the Financial Crisis» en The Wall Street Journal, 20/8/2024.
[25] Ali Lyon: More Advertisers to Flee x after Recent Elon Musk Lawsuit and Riot Comments en City AM, 9/8/2024.
[26] Christiaan Hetzner: Elon Musk’s Financial Woes at X Have Tesla Bulls Fearing He Will Liquidate More Stock en Fortune, 15/8/2024.
[27] Petarda of the Stars, 20/8/2024, disponível aqui.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
X como megafone neorreacionário. Artigo de Pablo Elorduy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU