24 Outubro 2024
A Prefeitura de Porto Alegre vem, ao longo dos anos, terceirizando a gestão do lixo, firmando contratos milionários com empresas responsáveis por aterros, contêineres e transporte e transbordo de resíduos sólidos. Enquanto isso, a renda dos catadores – que realizam serviços de triagem, classificação, beneficiamento e venda de recicláveis – tem sido continuamente afetada, se resumindo, em média, a R$ 800 mensais.
A reportagem é de Yasmmin Ferreira, publicada por Sul21, 22-10-2024.
Atualmente, os resíduos sólidos domiciliares da Capital são levados para a Estação de Transbordo da Lomba do Pinheiro. A partir desse ponto, eles são transportados até a Companhia Riograndense de Valorização de Resíduos (CRVR), um aterro sanitário privado localizado no município de Minas do Leão. Com contrato vigente até 2028, a CRVR receberá R$301 milhões para realizar o serviço de “disposição final em aterro sanitário de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU)”.
Neste mesmo cenário, os contratos com associações de catadores, em 2020, giravam entre R$ 87 mil e R$ 110 mil. Em 2024, o valor máximo de novas contratações foi reduzido para R$ 88 mil, enquanto as empresas privadas com parcerias firmadas com o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) irão receber R$ 84 milhões neste ano.
Desde 2021, vem sendo planejado pela gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB) um modelo integral privado dos contratos relacionados a resíduos sólidos no município. A proposta, que aparece na campanha eleitoral de Melo, pretende substituir, ainda em 2024, o atual sistema de coleta e destinação de lixo doméstico, baseado em licitações individuais, por uma parceria público-privada (PPP) que centralizará a administração em uma única empresa por 35 anos.
Para Fagner Jandrey, catador e militante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), a entrega desse serviço a uma gestão privada por tanto tempo, sem a participação da sociedade civil, pode perpetuar um modelo que enriquece um grupo de empresários, enquanto empobrece os catadores e prejudica o meio ambiente.
“Todo este processo está sendo construído ‘por baixo dos panos’, sem que ninguém saiba o que de fato vai ser. O pouco que tivemos acesso, mostra a intenção de continuar o velho modelo de gestão de resíduos, que é enriquecer ainda mais quem já está rico, empobrecer ainda mais que já é pobre e prejudicar o meio ambiente. Porque (o plano) pretende continuar enterrando a maioria dos resíduos, não tem propostas para o resíduo orgânico, pretende colocar as cooperativas de catadoras/es como empregadas da concessionária vencedora, sem a devida contratação e pagamento pelos serviços ambientais prestados pelas catadoras/es”, alerta Jandrey.
Em entrevista ao Sul21, o catador argumentou que essa proposta pode ser prejudicial para as associações de catadores, especialmente porque a gestão dos aterros influencia diretamente a cadeia de reciclagem. Aterros estes que, segundo Jandrey, deveriam receber apenas os rejeitos, enquanto o restante seria reciclado. “Em relação à questão dos aterros, o principal ponto é enviar somente os rejeitos para ele. Para isso acontecer, é preciso ampliar a coleta seletiva para os orgânicos também, investir em iniciativas de aproveitamento destes resíduos e trabalhar para que a sociedade não produza mais embalagens não recicláveis, o que tem a ver com design de produtos e cultura de preservação ambiental”, pontua.
De acordo com os últimos dados de reciclagem de Porto Alegre, referentes ao ano de 2021 e presentes no Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS), 96,8% dos resíduos coletados pela Prefeitura não foram aproveitados para reciclagem ou compostagem, embora tenham resultado em despesas com a coleta, o transporte e o descarte.
Uma rota de fuga para isso, conforme explica Jandrey, está na educação ambiental, o que deveria ser prioridade do governo municipal. “(O ensino) deve ser um processo permanente na sociedade, um tema transversal, estar dentro de todos os órgãos públicos, privados, nas empresas, escolas, entre outras. A educação gera a consciência, porém a permanência da campanha é o que garante o estímulo necessário para que as pessoas transformem este hábito em cultura”, diz. Nesse processo, para ele, a participação dos catadores é essencial, “porque, desde que se iniciou este trabalho, (os catadores) são os principais responsáveis por isso acontecer”.
Ainda acerca dos catadores, ele enfatiza a inclusão formal dos mesmos no sistema de limpeza urbana como igualmente fundamental. Segundo ele, isso engloba fornecer condições dignas de trabalho, com infraestrutura adequada, equipamentos modernos e contratos justos. Porém, essa realidade é apenas utopia, uma vez que a categoria denuncia estar vivenciando uma situação de atraso e/ou falta de pagamentos, quebras de contratos, sucateamento da profissão e queda dos preços de materiais.
“O preço do material reciclável caiu muito nos últimos 2 anos, devido a decisões internacionais de não se importar mais resíduos e se potencializar a reciclagem interna, como é o caso da China, por exemplo. No Governo Bolsonaro se isentou a taxação da importação dos resíduos, o que ocasionou um aumento deste material vindo para o Brasil, fazendo com que os preços baixassem muito. Atualmente, o Governo subiu esta alíquota para 18%, eu acho, mas o correto é não importar, e potencializar a reciclagem no país. Todas estas questões fizeram com que o preço da matéria virgem se tornasse mais vantajosa do que a reciclada”, afirma Jandrey, ao falar sobre a queda acentuada nos rendimentos dos catadores de resíduos.
Neste mesmo enquadramento, o catador mencionou a implementação insuficiente da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o que, de acordo com ele, agrava a situação. “A maioria das prefeituras não contratam dignamente, com contratos justos, as cooperativas de catadoras/es”, fala.
Quando questionado sobre quais políticas públicas seriam eficientes para melhorar a situação dos catadores e a gestão de resíduos na cidade, Jandrey, além de reafirmar a importância de investimento em educação ambiental, elenca algumas medidas, como: investimento na Coleta Seletiva Solidária, incluindo resíduos orgânicos para compostagem e geração de energia limpa; implementação da logística reversa, responsabilizando o setor privado por seus resíduos e contribuindo financeiramente para o sistema público de gestão; garantia de transparência e participação social na administração dos resíduos sólidos; e envolvimento de instituições de pesquisa e universidades para desenvolver soluções para resíduos não recicláveis e promover a economia circular.
“São mudanças de paradigmas. É preciso ter coragem de enfrentar, porque atualmente é uma necessidade, neste contexto de crise climática, e as catadoras/es são parte desde sempre da solução deste problema”, conclui.
O Sul21 procurou o DMLU durante a produção desta reportagem, obtendo como resposta do departamento que os contratos com associações de catadores são de responsabilidade da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS). A pasta não retornou os contatos da reportagem.
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Renda de catadores cai enquanto Melo direciona gestão de resíduos para empresas privadas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU