20 Janeiro 2024
"Enquanto continuarmos somente acreditando na possibilidade remota de que as crianças de hoje sejam os adultos ambientalmente corretos de amanhã, continuaremos numa condição insolúvel de degradação, dilapidação e destruição do planeta, além de seguirmos caminhando precocemente para a extinção de nossa espécie. Toda humanidade está necessitando de Educação Ambiental efetiva e se não acontecer nada nesse sentido, dificilmente haverá possibilidade de mudanças positivas no quadro atual", escreve Luiz Eduardo Corrêa Lima, biólogo, professor, pesquisador, escritor e ambientalista, em artigo publicado por EcoDebate, 17-01-2023.
O tempo vai passando e tenho ficado cada vez mais preocupado com a situação planetária da sobrevivência da espécie humana. Cada dia ouço mais conversas e vejo menos interesse e ação, nesse aspecto, por parte da humanidade. Ouço muita gente falando da carência de Educação Ambiental, do excesso de consumo dos Recursos Naturais, da Poluição Ambiental, do Aquecimento Global, além de outras questões planetárias e da necessidade de que essas questões sejam resolvidas para o bem da humanidade. Entretanto, salvo raras e importantes exceções, não tenho visto quase nada efetivamente acontecer.
A maioria dos problemas ambientais planetários são antigos e já existiam, mesmo antes de Estocolmo, em 1972, quando o mundo tardiamente acordou para as questões relacionadas ao Meio Ambiente. Naquela época, alguns dos problemas já estavam bastante complicados e de lá para cá, a coisa só piorou. A partir daquele momento, muito tem sido falado, particularmente sobre a Educação Ambiental nas escolas, como a grande “Salvadora do Planeta”, mas até aqui nada de significativo aconteceu. A humanidade segue à procura de dias melhores, mas não trabalha de maneira efetiva para que esses dias possam acontecer.
Pois então, nesse artigo, vou falar um pouco sobre essa questão da Educação Ambiental para nas escolas como a pretensa e grande “Salvadora do Planeta”. E obviamente vou tentar demonstrar que isso é um erro que tem custado caro ao planeta, porque se investe muitos recursos econômicos em algo que, na verdade, não resolve os problemas existentes. Para efetivar meu pensamento vou fazer um breve relato histórico, no intuito de posicionar a questão no tempo.
Como já foi dito, os problemas ambientais passaram a ser conhecidos mais diretamente a partir do encontro promovido pela ONU, em Estocolmo (1972) – “Man And Biosphere” (O homem e a biosfera), logo de pois da publicação do Relatório do Clube de Roma – “The Limits to Growth” (Os limites do crescimento), no início daquele mesmo ano (1972). Desde de então, muita gente e muitas entidades começaram a promover reuniões e discussões sobre como solucionar os problemas e a Educação Ambiental, uma nova maneira de preparar a sociedade em relação aos recursos naturais e ao meio ambiente para as questões que se anteviam, foi logo pensada e trabalhada.
Assim, já em 1975, houve o encontro de Belgrado, de onde saiu a “Carta de Belgrado”, que afirmava taxativamente que: “Governos e formuladores de políticas podem ordenar mudanças e novas abordagens para o desenvolvimento, podem começar a melhorar as condições de convívio do mundo, mas tudo isso não passa de soluções de curto prazo, a menos que a juventude mundial receba um novo tipo de educação [Educação Ambiental]. Esta implicará um novo e produtivo relacionamento entre estudantes e professores, entre escolas e comunidades, e entre o sistema educacional e a sociedade em geral.”
Nesse mesmo ano, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), junto do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), lançou o Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA), conforme havia sido recomendado pela Conferência de Estocolmo de 1972.
Dois anos depois, em 1977, foi realizada a Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, em Tbilisi, que se constitui no marco referencial decisivo para as atividades ligadas à Educação Ambiental. Partindo da Carta de Belgrado, o evento de Tbilisi estabeleceu os Objetivos e os Princípios Básicos da Educação Ambiental e apresentou uma série de Recomendações sobre a Educação Ambiental para os países-membros da ONU. (UNESCO,1980)
Meus amigos, vejam bem, Estocolmo, aconteceu em 1972, Belgrado, aconteceu em 1975 e Tbilisi, aconteceu em 1977. Hoje, estamos em 2020, ou seja, já se passaram 48, 45 e 43 anos respectivamente. E o que aconteceu até agora em prol do Meio Ambiente? Alguém colocou arbitrariamente na cabeça que Educação Ambiental é para as crianças e adolescentes, o que é um mal sociológico. Na verdade a Educação Ambiental tem que ser para todas as pessoas da Sociedade e ela interessa principalmente para os adultos, porque são esses indivíduos que atuam de maneira conflitante na sociedade, degradam o Meio Ambiente significativamente e adulteram, por força do mal exemplo, o comportamento das crianças e dos jovens ao longo de suas respectivas formações.
Peço vênia, pela minha ousadia, mas creio que não adianta tentar formar crianças boas numa sociedade que continua generalizadamente ruim, porque ainda que num primeiro momento as crianças se encaminhem corretamente para aquilo que se pretende e até cobrem ações efetivas dos adultos, ao longo do tempo, a grande maioria daquelas crianças vão assumindo os defeitos e vícios do restante da sociedade. Por fim, quando chegam a condição de adultos, aparentam ter esquecido o que haviam aprendido e repetem exatamente aquilo que a maioria dos adultos fazem, sem demonstrar nenhum valor ao Meio Ambiente.
Ou seja, Educação Ambiental para as crianças só funciona para as crianças, mas quem modifica o mundo são os adultos e esses é que precisam ser educados. A Sociedade humana está doente e aparentemente despreocupada das questões ambientais e as crianças, os jovens e os adolescentes sozinhos são incapazes de tratar essa doença e curar a humanidade. Ao contrário, quando ficam adultos, eles adoecem também. Se isso não fosse verdade, alguma coisa já deveria ter mudado para melhor e de maneira significativa nesses 48 anos, depois de Estocolmo ou, pelo menos nos 45 anos depois de Belgrado.
Meus amigos, temos que transformar a humanidade em pessoas preocupadas e sensibilizadas realmente com as questões ambientais planetárias. A maioria das crianças naturalmente respeita o meio ambiente e mesmo aquelas que, por ventura, não respeitem, causam muito pouco impacto. Os problemas são produzidos não pelas crianças, mas sim pelos adultos, pela sociedade ativa e pensante, que atua contra os interesses planetários de leviana e descaradamente. Quem precisa de Educação Ambiental é a sociedade humana e não as crianças.
Aqui, cabe uma ressalva importante, o encontro de Tbilisi já previa essa necessidade, quando definiu os objetivos da Educação Ambiental, que segundo Dias (2015) dizem exatamente o seguinte:
1 – “Promover a compreensão da existência e da importância da interdependência econômica, social, política e ecológica (grifo nosso)”;
2 – “Proporcionar a todas as pessoas (grifo nosso) a possibilidade de adquirir os conhecimentos, o sentido de valores, o interesse ativo e as atitudes necessárias para progredirem e melhorarem o meio ambiente”.
3 – “Induzir novas formas de conduta, nos indivíduos e na sociedade (grifo nosso) a respeito do meio ambiente”.
Entretanto, a humanidade não seguiu devidamente a informação e sorrateiramente resolveu atribuir a responsabilidade apenas as novas gerações, as quais ficam adultas e velhas muito rapidamente e, pelo mal exemplo que é dado pela sociedade, passam a agir de acordo com a condição imperante, como sempre aconteceu. Isto é, sem nenhuma preocupação ambiental, ou, o que é pior, degradando cada vez mais o planeta Terra, mesmo com toda Educação Ambiental que tiveram quando crianças. É por isso, que, apesar dos 45 anos de Educação Ambiental no mundo, as pessoas continuam agindo do mesmo jeito que sempre agiram. Meus amigos, é preciso acabar com essa falácia, pois quem precisa ser ambientalmente educado é a sociedade, particularmente os adultos.
Aqui no Brasil, a Constituição Nacional (1988), no Capítulo do Meio Ambiente (Artigo 225), em seu parágrafo primeiro, alínea VI estabelece que: “incumbe ao poder público: promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Entretanto, as coisas só começaram a acontecer mais apropriadamente a partir da implantação da Lei 9795/1999, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, mas infelizmente seguindo o mesmo padrão do resto do mundo, ou seja, muita conversa e pouca ação.
Ainda que existam vários trabalhos importantes pesquisadores sérios e muita gente boa atuando na área, o efeito é sempre paliativo, porque, na maioria das vezes, não há uma verdadeira atividade educacional e assim não se consegue produzir as mudanças comportamentais necessárias na sociedade. Tive a oportunidade de escrever sobre essa questão das dificuldades da Educação Ambiental no Brasil (Lima, 2015 e Lima, 2018) e de comentar sobre algumas dessas dificuldades.
A Humanidade precisa parar de fingir, ela tem que acordar e exigir uma postura social diferente e ambientalmente correta de toda sociedade.
É claro que nós devemos continuar ensinando as crianças e adolescentes, para que elas cresçam e se amadureçam dentro de padrões ambientalmente corretos. Entretanto, temos que desenvolver mecanismos que perpetuem esse aprendizado ao longo da vida.
Assim, também precisamos, produzir medidas que garantam a perpetuação dos ensinamentos manifestados pela Educação Ambiental.
Precisamos, principalmente, cobrar mais posturas ambientalmente corretas dos indivíduos adultos que compõem a sociedade não, apenas ficar esperando que somente as crianças futuramente possam tentar resolver os problemas que a sociedade historicamente tem criado e mantido no planeta.
As crianças, ao longo da vida, modificam seus respectivos aprendizados por força da pressão da sociedade, que tem agido frontalmente contra os interesses ambientais. Deste modo, a criança ambientalmente educada, por conta de um problema generalizado da sociedade, se torna um adulto igual aos demais.
Essa situação necessita ser resolvida para que possamos garantir as condições mínimas necessárias à vida humana no Planeta e consequentemente o futuro da humanidade. Se a sociedade não mudar seu comportamento, continuaremos “enxugando gelo”, pois continuaremos não atingindo o resultado satisfatório esperado, apesar de todo investimento econômico, físico e temporal na Educação Ambiental das crianças. Aliás, do jeito que a coisa anda, o futuro da humanidade é preocupante e bastante incerto, exatamente porque a sociedade está viciada e não consegue mudar seus hábitos ambientais errôneos.
Enquanto continuarmos somente acreditando na possibilidade remota de que as crianças de hoje sejam os adultos ambientalmente corretos de amanhã, continuaremos numa condição insolúvel de degradação, dilapidação e destruição do planeta, além de seguirmos caminhando precocemente para a extinção de nossa espécie. Toda humanidade está necessitando de Educação Ambiental efetiva e se não acontecer nada nesse sentido, dificilmente haverá possibilidade de mudanças positivas no quadro atual.
BRASIL, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil, Congresso Nacional do Brasil, Brasília, 05 de outubro de 1988.
BRASIL, 1999. Lei Federal 9.795 de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a Educação Ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências.
DIAS, G. F., 2015. Educação ambiental: princípios e práticas, Gaia, São Paulo, 550p.
LIMA, L. E. C., 2016. Educação ambiental: infelizmente ainda está faltando muito, disponível aqui (Nº 2.467), 08 de fevereiro de 2016.
LIMA, L. E. C., 2018. Conceitos e contextualização da educação ambiental com enfoque regional, disponível aqui (Nº 2.976), 10 de maio de 2018.
MEADOWS, D. H.; MEADOWS, D.L.; RANDERS, J.; BEHRENS III, W.W., 1972. The Limits to Growth, Potomac Associates Book, Washington.
UNESCO, 1980. La educación ambiental: las grandes orientaciones de la Conferencia de Tbilisi, Paris.
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A Educação Ambiental sozinha não vai ‘‘salvar o planeta’’. Artigo de Luiz Eduardo Corrêa Lima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU