16 Outubro 2024
Como vamos de Sínodo mundial? Que se tem passado na aula sinodal nesta segunda sessão? Que podemos esperar? As conferências de imprensa regulares e os segmentos do programa que têm sido transmitidos em direto pela internet dizem e mostram que está tudo a correr bem. Que, ao fim de quase duas semanas de trabalhos, já se entrou (na última quarta-feira) na terceira parte do documento-base de trabalho (o Instrumentum Laboris). Mas será que tudo vai bem?
A reportagem é de Manuel Pinto, publicada por 7Margens, 11-10-2024.
A par das informações oficiais, vão-se sabendo mais coisas. Apesar da contenção com que os membros da assembleia estão comprometidos, no que a declarações sobre os trabalhos diz respeito, ligando informações e comentários daqui e dali, vai-se sabendo um pouco mais.
Uma coisa é certa: os organizadores têm feito o que podem para assegurar que o foco dos trabalhos, quer nos círculos menores (grupos) quer nas congregações gerais (plenárias), se centre na sinodalidade e não se desviem do guião que lhes tem sido proposto em cada módulo, pelo cardeal Hollerich, relator geral do Sínodo. E com aparente sucesso, diga-se.
Porém, o primeiro sinal de alerta e, pode dizer-se, a primeira derrapagem verificou-se logo no início, quando no programa foram convidados a intervir representantes dos dez grupos criados em março último pelo Papa Francisco, para aprofundar questões mais complexas e polémicas, emergentes da primeira sessão, que exigiriam mais estudo e, portanto, mais tempo.
As informações que transpiraram para o exterior, acerca desses relatos, foram de desconsolo e de preocupação. De desconsolo porque, em vários casos, o discurso era tão vago e indefinido que, espremido, pouco dava. De preocupação porque, pelo menos em alguns casos, os sinodais entenderam que, ao aceitar, há um ano, que algumas matérias careciam de aprofundamento, não deixariam de as acompanhar e sobre elas se pronunciar, em algum momento.
Várias vozes se fizeram, por isso, ouvir, dando conta de que os relatos dos grupos feitos em sessão plenária deixaram um sentimento de insatisfação e de dúvidas e que seria vantajoso que esse sentimento fosse dissipado. As vozes tiveram eco, já que logo no dia seguinte, o secretário geral do Sínodo, o cardeal Mario Grech, anunciava que uma das tardes livres do programa, seria ocupada com encontros dos interessados com representantes dos grupos, para apresentarem questões e obterem esclarecimentos.
Mais ainda: o mesmo Cardeal Grech surgiu, num vídeo nas redes sociais a explicar que os trabalhos dos 10 grupos de estudo criados pelo Santo Padre “não são estranhos ao percurso do Sínodo e, sobretudo, ao estilo sinodal” e receberam a recomendação de trabalharem nesse espírito e com esse método. Isso significa, observa Grech, que esses grupos devem ser participativos no seu seio, e devem estar “abertos a uma ampla participação de todo o povo de Deus”. Por isso, acrescenta, durante todo o tempo em que estiverem operacionais (ou seja, até junho de 2025), é possível “a todos o envio de contributos, observações e propostas”. “Pastores e líderes eclesiais, mas também, e sobretudo, cada fiel, homem ou mulher, qualquer grupo, associação, movimento ou comunidade têm a possibilidade de participar”, reforçou o cardeal.
Esses contributos devem ser enviados ao secretariado geral do Sínodo que os fará chegar aos respetivos grupos.
Fica a dúvida sobre o papel de um vídeo deste tipo, aparentemente feito para acalmar inquietações e disponível apenas em inglês. E, ainda, qual a eficácia de um apelo deste tipo a ampla participação de todo o povo de Deus, quando o sínodo está a terminar e quando os grupos de estudo pelo menos definiram já a metodologia de trabalho a seguir. A não ser que haja decisões em perspectiva que não são ainda do conhecimento público.
O que está aqui em jogo, pelo menos para uma parte dos participantes, é que se gere um “bypass” relativamente à sede do Sínodo. Daí que, após aprovação do Papa Francisco, a quem a proposta foi apresentada, os participantes tenham votado, no último sábado, dia 5, uma tarde de encontros com os grupos de estudo, o que acontecerá na sexta-feira, dia 18.
Comentando esta situação, a irmã Mary Teresa Barron, que participa no Sínodo na qualidade de presidente da União Internacional das Superioras Gerais das religiosas de todo o mundo, explicou, na conferência de imprensa da última segunda-feira, que os participantes consideraram os relatos dos grupos de estudo “muito curtos” e desejavam saber “o que realmente está a acontecer”. Especificamente, Barron disse haver um desejo de “saber mais sobre quem está envolvido” e que os membros do Sínodo participem diretamente nos grupos de estudo (referia-se, no seu caso, ao grupo que estuda as relações entre os bispos e as comunidades religiosas).
Para ver que os problemas que se levantam sobre as opções tomadas para a condução do processo sinodal não são menores, bastará ter em conta o que disse, a este propósito, na mesma conferência de imprensa da última segunda feira o cardeal Oswaldo Gracias. Ele confessou que, ao longo dos últimos meses, foi “repetidamente inquirido, por vezes em tom de alarme” sobre se o Papa, com a criação dos grupos de estudo e, especificamente dos ministérios das mulheres, não teria procurado evitar discutir a questão no Sínodo. O cardeal negou, naturalmente, que seja essa a intenção. Porém, a leitura deste processo deixa manifestamente dúvidas no ar.
Entre as matérias em análise nesses grupos, destaca-se a forma como os bispos são escolhidos na Igreja de rito latino, a escuta da voz dos pobres, o repensar da educação nos seminários, como melhorar as relações entre os bispos e as comunidades religiosas presentes nas respetivas suas dioceses, o ministério para os católicos LGBTQ (matéria que surge escondida nas tarefas do grupo 9) e possíveis funções ministeriais das mulheres na Igreja Católica, incluindo o ministério ordenado.
Ainda que, como notava uma reportagem da revista America, dos Jesuítas americanos, nenhum participante o tenha confirmado expressamente, um dos fatores que mais terá desencadeado a vontade de reagir ao que se passou na tarde da apresentação dos grupos de estudo na aula sinodal foi a intervenção do cardeal Victor Fernandez, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, órgão da Cúria a quem está atribuída a tarefa do já famoso “grupo 5”, que aborda precisamente “algumas questões teológicas e canónicas sobre formas ministeriais específicas”.
Na apresentação aos membros sinodais, o prefeito lembrou que cabia ao grupo por si coordenado aprofundar teológica e pastoralmente, “o lugar das mulheres na Igreja e a sua participação nos processos de decisão e de liderança comunitária” e, particularmente, a questão do possível acesso das mulheres ao diaconato.
Porém o que suscitou estranheza foi o fato de, tratando-se de um grupo que está a estudar um assunto, vir comunicar à partida que já parte para esse estudo com uma resposta (e já confirmada pelo próprio Papa): o acesso das mulheres ao diaconato não é possível. “O dicastério considera que ainda não há espaço para uma decisão positiva do Magistério sobre o acesso das mulheres ao diaconato, entendido como um grau do sacramento da Ordem”, afirmou, perante os membros do Sínodo o cardeal Fernandez, como o 7MARGENS noticiou.
Sobre os pressupostos e subentendidos do texto lido pelo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, o teólogo italiano Andrea Grillo, entre outros, já fez um exame detalhado e contundente. Mas é sobretudo o modo como tudo isto acontece e é apresentado que faz alguns setores pensar que o estilo sinodal é o que importa cultivar, exceto naquelas matérias em que esse estilo não convém.
Ao mesmo tempo, não se pode negar a multiplicação das iniciativas do Papa para ouvir as mulheres e para as envolver em cargos de responsabilidade, abrindo um campo de reflexão que desde João Paulo II estava bloqueado. E não se esqueça que são poderosos os setores da Igreja que se opõem terminantemente a aceitar o reconhecimento das consequências da igualdade batismal das mulheres na Igreja, especialmente em África e entre as igrejas orientais.
Mas é isso mesmo que se torna necessário colocar sobre a mesa, de forma aberta e séria, escutando, em vez de esgrimindo argumentos, para encontrar caminhos.
É, no mínimo, problemático, que quando surge um problema como este, que é cultural, antes de ser teológico-pastoral, se acionem mecanismos antigos de lidar com ele, na base do secretismo e da autoridade, arriscando ampliar as rupturas que se pretendia evitar.
Os desafios das mudanças na Igreja Católica são mais amplos do que a questão das mulheres. Esta matéria não pode ser colocada em termos de sim ou não. A concretização da sinodalidade aos diferentes níveis das igrejas locais pode ser um passo que abrirá horizontes para novas práticas. Mas uma coisa parece certa e muitos membros sinodais parecem estar cientes disso: as expectativas sobre este Sínodo já recuaram significativamente; se não houver convergência para caminhos de ousadia, em sintonia com o Evangelho e em ruptura com o clericalismo – que se revela viçoso no tratamento do papel das mulheres – os riscos poderão ser devastadores, também pelo descompasso da Igreja com a sociedade, numa matéria que é, no essencial, de dignidade humana.
Resta acreditar que, no segredo em que os trabalhos sinodais decorrem, o Espírito, tão invocado, esteja a inspirar todos os membros, num discernimento que é, sem dúvida, de uma exigência (e de um alcance) enorme.
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Interrogações sobre o Sínodo dentro e fora do salão sinodal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU