10 Outubro 2024
Em Paris, em março de 2024, 20 grupos judaicos de 14 países europeus se reuniram pela primeira vez num encontro internacional em solidariedade à Palestina. A partir daí, iniciou-se um caminho comum, formalizado em setembro deste ano sob a égide da European Jewish for Palestine (Ejp).
A reportagem é de Micol Meghnagi, publicada por Il manifesto, 08-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Entre os participantes estão o Berlin Jewish Bund e o francês Tsedek (em hebraico “justiça”), que nos últimos meses promoveram manifestações significativas pelo fim do ataque militar israelense a Gaza. Há também uma sigla judaica italiana, o Laboratório Judaico Antirracista (Lea), ativo desde 2020 no território e que, desde 7 de outubro, pede um cessar-fogo em Gaza e o fim do apartheid na Palestina.
Entre as ações do Lea, está a coleta de mais de 160.000 assinaturas entregues ao Presidente da República Sergio Mattarella em janeiro de 2024, com o pedido para que as instituições italianas assumam uma posição clara contra as políticas de Netanyahu.
A apresentação da nova rede foi realizada na semana passada na sede do Parlamento Europeu, em Bruxelas, e segue os passos do grupo estadunidense Jewish Voice for Peace. O evento foi organizado por três eurodeputados: Marc Bottenga (The Left, Bélgica), Mounir Stouri (Verdes/EFA, França) e Hanna Jalloul (S&D, Espanha), e contou com a adesão de vários representantes de organizações antirracistas da sociedade civil europeia e palestina.
A data escolhida, 3 de outubro, não foi causal: coincide com o início do Ano Novo judaico, Rosh Hashanah, que marca o ano de 5785 no calendário. “Estamos marcando esse momento importante no calendário judaico com uma mensagem de solidariedade ao povo palestino e um apelo pelo fim do genocídio em Gaza e dos crimes de guerra de Israel”, declarou Gabi Kaplan, coporta-voz da Ejp e membro do grupo dinamarquês Jews for Just Peace, durante as saudações de abertura. E acrescentou: “Sentimos a necessidade de nos organizarmos coletivamente como judeus e judias para expressar a nossa oposição ao genocídio e à limpeza étnica, à ocupação colonial e ao apartheid de Israel na Palestina”. Durante o encontro, foi denunciada “a cínica fusão de antissemitismo e antissionismo”, não sem negar os perigos “crescentes e reais do antissemitismo contemporâneo”.
Nessa direção “o empenho em se opor ao ódio antijudaico onde quer que se manifeste”, mas também “suas instrumentalizações”, especificamente a definição de antissemitismo da Ihra, que “reprime o dissenso e silencia qualquer crítica a Israel”.
O Ejp se refere à International Holocaust Remembrance Alliance (Ihra), uma organização intergovernamental criada no final da década de 1990 para promover a memória do Holocausto. Em 2016, sua assembleia plenária aprovou e divulgou uma definição de antissemitismo, sendo que sete dos onze pontos dizem respeito a atitudes em relação a Israel.
Em poucos anos, a definição tornou-se juridicamente vinculante em muitos países europeus (29), apesar de existirem outras definições, como a Declaração de Jerusalém, elaboradas por acadêmicos da diáspora judaica e israelenses, que veem com abertura as críticas a Israel.
As próprias organizações judaicas que compõem o Ejp foram tachadas de antissemitismo em seu país e isoladas. Daí a exigência de trabalhar em rede, porque “apesar do genocídio em Gaza, aqueles que estão à frente das organizações judaicas europeias continuam a apoiar acriticamente o Estado de Israel”, escreve o Ejp em seu documento de fundação, “pretendendo falar em nome de todos os judeus, ignorando e silenciando o dissenso cada vez maior dentro das comunidades”.
“Não somos tão marginais como nos retratam; desde outubro do ano passado, centenas de milhares de judeus em todo o mundo saíram às ruas contra a guerra sob o slogan Não em meu nome”, conclui Kaplan.
O Ejp rejeita “a centralização da vida judaica em torno do Estado de Israel” e, em vez disso, “busca criar comunidades em todos os lugares, além das fronteiras nacionais e das tradições coloniais”, nas palavras de Eleonore Bronstein, do grupo belga Ajab e De-Colonizer, durante o evento de abertura em Bruxelas.
“Construímos nosso judaísmo com pontes. E justamente por sermos judeus, orgulhosos de nossa história, filhos e netos de exterminados e perseguidos, estamos inequivocamente com o povo palestino”.
A rede pede “direitos iguais para todos na Palestina histórica, desde o Rio Jordão até o Mar Mediterrâneo” e um “futuro digno de justiça e liberdade”. A primeira batalha concreta é parar o envio de armas ocidentais para Israel: “As atrocidades cometidas na Palestina são realizadas com a cumplicidade dos Estados Unidos e da União Europeia” e “não podemos enfrentar a Nakba em curso na Palestina sem olhar para o colonialismo aqui em nossos países”.