04 Outubro 2024
“Furiosa” ou “negativa”, “positiva” ou “pensante”, a laicidade é ainda hoje um tema importante e relevante para a cultura ocidental e para as igrejas cristãs hoje.
A reportagem é de Rocco Gumina, publicada por Vino Nuovo, 25-09-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A laicidade é um tema importante para a cultura ocidental. Séculos de história e de debates filosóficos, além de confrontos políticos e guerras nos campos de batalha, produziram uma estrutura que não está totalmente definida. Prova disso são as várias manifestações atuais da laicidade que parece ora “furiosa” ou “negativa”, ora “positiva” ou “pensante”.
A laicidade – e, portanto, uma teologia para os leigos e as leigas – é uma questão muito relevante também para a Igreja Católica e para o cristianismo em geral. Um tema que tentamos desenvolver com Pietro Cognato, professor de Teologia Moral e Bioética na Pontifícia Faculdade Teológica da Sicília e professor de religião católica em escolas secundárias.
Professor Cognato, em um Ocidente cada vez mais arreligioso, secularizado e descristianizado, qual o sentido de falar em “teologia do laicato”?
A questão sobre o sentido de qualquer teologia conjugada no genitivo (neste caso, o genitivo “laicato”) é a questão sobre o sentido da teologia tout court em cada situação histórica que a comunidade cristã vive. Não há comunidade cristã que possa se autocompreender sem compreender o motivo profundo pelo qual existe como cristã em relação a um “outro”, razão pela qual, se o outro é o mundo hoje arreligioso, secularizado e descristianizado, mais do que causar o esvaziamento de sentido de uma teologia do laicato, provoca sua reavaliação.
Por teologia do laicato, podemos entender muitas coisas, dependendo se desenvolvemos uma reflexão ad intra ecclesiae ou se olhamos ad extra. Se olharmos rapidamente para a história dessa expressão, logo percebemos que o que faz a diferença é sempre o modelo eclesiológico que assumimos, ou seja, a autocompreensão da Igreja na história. Se, na época do nascimento e da difusão do monaquismo, havia por um lado os monges (totalmente doados a Deus) e os clérigos (encarregados dos ofícios e das funções) e, por outro, a massa dos fiéis (que permaneciam não só no mundo, mas também se ocupavam dele), fixando-os, assim, na relação com o mundo e com seus assuntos, tornando-se o povo simples, sem nenhuma exigência particular de desenvolver uma reflexão teológica sobre ele.
Na Idade Média, com a reunião de monges e clérigos unicamente sob a categoria do clero, passou-se para a clara distinção entre clero e leigos, caracterizada por uma doutrina da hierarquia e de seus poderes. Falar de clero e leigos significava distinguir entre dominadores e dominados, não apenas em sentido religioso, mas também cultural. A nossa linguagem ainda traz sinais disso, quando, para indicar uma pessoa que não é competente em um campo, diz-se que ela é leiga.
Hoje, porém, para voltar à pergunta, podemos dizer que as coisas mudaram absolutamente: diante de um Ocidente cada vez mais arreligioso, secularizado e descristianizado, a teologia do laicato não pode mais se limitar a desenvolver uma reflexão em termos controversos em relação aos clérigos, razão pela qual à pergunta “quem é o leigo?”, a resposta ora é o não clérigo, ora quem se reveste de um caráter secular, ora quem difere essencialmente do sacerdócio ministerial, ora quem não age e não fala in persona Christi, ora quem encarna uma forma diferente de participar do tríplice ofício (sacerdotal, profético e régio), mas precisa recomeçar a partir da pergunta (quem é um leigo?) e deve fazer isso fazendo-se outra pergunta: será que a pergunta está posta de forma equivocada?
Em um contexto de diáspora cultural do cristianismo – como alguns teólogos contemporâneos se expressam – é preciso sair das águas rasas de uma eclesiologia hierarcológica à moda antiga (algo que o Vaticano II já fez em princípio, mas que ainda cabe a toda a Igreja levar adiante), para que o leigo não seja um auxiliar, mas sim um protagonista. O Papa Francisco é muito claro em sua exortação apostólica Evangelium gaudium, quando no n. 111 escreve que todo o povo de Deus anuncia o Evangelho, como se dissesse que é preciso passar de uma teologia do laicato entendida como uma doutrina sobre os leigos e as leigas como objeto da pastoral (resolvida principalmente em termos de figuras consultivas e nunca deliberativas em relação ao clero) a uma teologia do laicato entendida como reflexão sobre as potencialidades dos sujeitos da evangelização.
Em relação à teologia do laicato, em síntese, que contribuição emerge das páginas do Concílio Vaticano II?
Eu dizia que o Concílio arquivou em princípio uma eclesiologia hierarcológica à moda antiga e inaugurou e desejou uma eclesiologia de comunhão cuja arquitrave consiste em ser mysterium não no sentido de algo enigmático, mas no sentido de que a Igreja é sempre communio sanctorum, isto é, comunhão dos santos, porque está fundada no projeto de Deus para o mundo. O projeto de Deus para o mundo significa uma realidade em equilíbrio entre o visível, concreto, institucional, tangível, humano e o invisível, transcendente, carismático, intangível, divino.
Esse projeto de Deus para o mundo é fazer do mundo o seu povo a partir de um povo diminuto e escasso, na qual, mesmo antes de toda diferença referente a ofícios, tarefas e poderes, exista a unidade fundamental que abraça todos os fiéis. Mysterion e povo de Deus são as duas coordenadas fundamentais para entender imediatamente que a teologia do laicato não pode mais ser reflexo de um modelo eclesiológico hierarcocêntrico que alimenta um clericalismo que já não é suportável. As afirmações sobre leigos e leigas nos documentos conciliares, a partir das constituições Lumen gentium, Sacrosanctum concilium, Gaudium et spes, ao decreto Apostolicam actuositatem, testemunhando essa mudança de rumo em relação ao passado, valorizam os leigos e as leigas na Igreja e constituem a base para aquela teologia do laicato de que eu falava antes.
Em particular, quero evidenciar alguns temas da constituição Gaudium et spes, a constituição entre as constituições considerada por muitos estudiosos como a mais atravessada e condicionada pelo momento histórico, e, portanto, mais visivelmente datada e datável em relação ao conteúdo das outras constituições que têm um teor menos contingente e mais dogmático, para mostrar, em vez disso, a intenção inovadora e corajosa dos padres conciliares precisamente sobre um texto que se gasta para apresentar a Igreja em sua relação com o mundo e, portanto, para mostrar a própria Igreja ligada indissoluvelmente ao projeto de Deus em relação ao mundo, que me parece ser precisamente a figura que nunca deve faltar em qualquer teologia do laicato.
Acima de tudo, o tema da autonomia das realidades terrestres (n. 36); em segundo lugar, luz, força espiritual e competências de leigos e leigas aos quais os pastores podem recorrer (n. 43); em terceiro lugar, uma visão justa das relações entre a comunidade política e a Igreja (n. 76). Se os juntarmos – autonomia, competência e ação política, tudo dentro de uma conscientização de sermos testemunhas do Evangelho – damo-nos conta do que deveria substanciar uma teologia do laicato em um mundo arreligioso, secularizado e descristianizado.
No número 40 da Lumen gentium afirma-se que a santidade “promove um modo de vida mais humano na própria sociedade terrena”. Que valor tem essa expressão para a forma de vida peculiar dos fiéis leigos e leigas?
Para muitos, essa afirmação pode ser entendida em sentido colonialista, como se precisássemos ser santos para viver uma vida mais humana. Daí a ideia de uma superioridade do ser cristão em relação aos outros, uma espécie de assimetria entre fé e ética. Para evitar esse tipo de leitura, devemos tematizar outra dissimetria que nem sempre é percebida, aquela, desta vez, entre ética e fé. Não se trata do que vem primeiro ou do que é mais importante, mas de como as duas dimensões se relacionam.
Se por “mais humano” entendemos o verdadeiramente humano e, por verdadeiramente humano, pressupomos que o ser humano nem sempre é capaz de ser humano, então por verdadeiramente humano só podemos entender a dimensão ética do agir humano. Se por santidade entendemos aquela realização do agir humano à luz da Revelação (ou segundo o projeto de Deus), por verdadeiramente humano só podemos entender aquela figura de humanidade na qual o valor da pessoa se exprime a partir de sua experiência de consciência, como declara a Gaudium et spes n. 16, que é o cerne da dimensão ética do agir humano. Portanto, é a experiência originária da consciência que medeia a especificidade da experiência de fé, e não o contrário.
Isso significa que a forma de vida peculiar dos fiéis leigos (e não só dos leigos, mas com maior razão deles) é o encontro com Deus em que o ser humano é mais íntimo a si mesmo. Poderíamos dizer que Deus é encontrado pelo ser humano em sua honestidade, ou seja, naquilo que torna o ser humano “humano”. E, então sim, a santidade (o reflexo da santidade de Deus na vida) só pode insuflar na sociedade um modo de vida mais humano. Poderíamos dizer ainda mais claramente que a santidade pressupõe a interpelação ética, porque sem ela o ser humano nem sequer seria capaz de receber o evangelho. Segue-se então que, se alguém pode viver moralmente mesmo sem crer, ninguém pode crer sem viver moralmente. E essa me parece ser a melhor interpretação da afirmação da Lumen gentium n. 40 no que diz respeito à tentação de interpretá-la em termos colonialistas.
Em seu belo livro “Il cristiano testimone. Congedo dalla teologia del laicato” (EDB, 2018), Marco Vergottini defende a urgência de uma reflexão teológica sobre os leigos e as leigas voltada tanto à superação da teologia do laicato quanto a propor uma teologia do testemunho fiel na história. Você concorda?
Concordo sobretudo com a tentativa de impulsionar a reflexão teológica, seja ela qual for, quando esta está a serviço de um aprofundamento da natureza e da identidade do cristão. No entanto, já estamos falando de outra coisa. Se o tema é responder à pergunta sobre o que é o leigo e quem é o leigo, a operação de Vergottini é descartar a pergunta ou talvez deixá-la para outras reflexões, para convergir os esforços para outras questões, e, no caso específico, estas seriam: quem é o cristão e o que se entende por cristão hoje no mundo.
Perguntar-se quem é leigo significa desenvolver uma reflexão dentro de um marco já definido de quem seria um cristão e certamente não o de tentar esclarecer o termo leigo. Poderíamos dizer que a reflexão sobre o termo leigo e, portanto, a reflexão sobre a teologia do laicato é uma reflexão ad intra que busca oferecer um índice de todos aqueles grupos de pessoas muito diferentes entre si, mas todos membros da Igreja com seus compromissos e tarefas em diversos níveis, com base em sua proximidade com o ministério ordenado, dependendo se são realmente assumidos para desempenhar um determinado papel dentro das comunidades.
A tentativa de Vergottini é arquivar toda essa reflexão e se concentrar não tanto naquilo que faz do batizado um leigo na comunidade cristã e sobre o seu raio de ação, mas naquilo que torna o cristão tout court quem ele é. É evidente que a tentativa do teólogo consiste em uma espécie de passagem de um discurso de espécie para um discurso de gênero, de um círculo menor para um círculo maior que o circunscreve. O testemunho de fé torna-se assim o círculo maior dentro do qual estão todos, leigos e clérigos, comprometidos e não comprometidos. É uma questão do que queremos falar, e isso não deve passar necessariamente pelos constrangimentos de uma “superação para” ou de uma “despedida de”.
Acredito que a teologia do laicato continua tendo o seu valor e que a teologia do testemunho de fé não é uma passagem de bastão. Atrevo-me a dizer que, se fosse assim, então por que não dizemos também que uma teologia do testemunho de fé pode nos ajudar a superar a teologia do sacerdócio ordenado?
Como professor da religião católica há mais de 20 anos, você acredita que tal ensino – devido à sua natureza articulada – pode oferecer alguma contribuição à reflexão teológica sobre o laicato?
Quando falo de índice de todos aqueles grupos de pessoas que são muito diferentes entre si, mas todos membros da Igreja com seus compromissos e tarefas em diversos níveis, dependendo se são realmente assumidos para desempenhar um certo papel dentro das comunidades, tenho em mente também os teólogos leigos e leigas que exercem um ministério eclesial e, entre eles, os professores de religião católica em todas as escolas do território nacional italiano.
Essa questão me afeta muito, porque, se há uma categoria de leigos e leigas que pode mostrar a contiguidade entre uma teologia do laicato e uma teologia do testemunho de fé, é precisamente a dos professores de religião católica. E creio que essa contiguidade é a maior contribuição para a reflexão teológica sobre o laicato, uma espécie de alargamento de tarefas dessa reflexão que a faz passar da teologia sobre o laicato para uma “teologia da laicidade”.
Como leigo em comunidade, o professor de religião católica é enviado para uma nova comunidade (a da escola) e é nesta condição que pode realizar encontros como os aprendidos no evangelho, uma possibilidade que traduz a laicidade como presença galilaica dos cristãos na sociedade, como diria Theobald. Em um contexto de pick-up religioso, não no sentido de uma colcha de retalhos de religiões todas diferentes entre si, mas no sentido de interpretar a oferta religioso-cultural ou os pedaços de oferta mais condizentes a partir do próprio ponto de vista, de uma forma totalmente inesperada o estranho (o aluno) pode se tornar meu próximo, estabelecendo assim uma proximidade, que pode ser interpretada como revelação.
Nessa dinâmica relacional, e só nela, é possível adorar a Deus em Espírito e em verdade, ou seja, é possível descobrir Deus mesmo sem citá-lo explicitamente. Um dos métodos que o professor de religião católica deveria adotar é o medieval do remoto Christo: sua fé (confissão) está tão no centro de sua existência que não precisa ser continuamente extrovertida, porém, precisamente porque está no centro e constitui o centro de seu agir, torna-se a força vital (de sua profissão). Pergunto sempre de forma provocativa: qual clérigo tem a possibilidade de se encontrar com mais de 100 crianças e adolescentes por semana? O professor de religião católica sim! Acredito que a Igreja precisa hoje mais do que nunca dos professores de religião católica, porque as novas paróquias são as escolas. E não digo isso porque tenho em mente uma visão do antigo regime. Pelo contrário, digo isso assumindo a condição pós-moderna não como um fardo, mas como uma oportunidade.