06 Abril 2020
"Quando se trata de fazer as contas com a realidade, especialmente quando estamos sujeitos a uma situação de emergência ou urgência (isso nos lembra alguma coisa?), voltar a refletir sobre o que queremos dizer com o termo "moral" não prejudica", escreve Pietro Cognato, professor de Teologia Moral e Bioética na Faculdade Teológica da Sicília, no Instituto de Estudos Bioéticos S. Privitera e na Faculdade de Serviço Social - LUMSA, em artigo publicado por Il Regno, 03-04-2020 A tradução é de Luisa Rabolini.
“Em astronomia (...) para fins de pesquisa, seria melhor que as estrelas tivessem uma órbita circular ( ...) no entanto, o fato de elas se moverem não circularmente, mas em elipses, e até mesmo em elipses imperfeitas e com variações, não exclui esses fenômenos do campo da investigação científica: com paciência e diligência, aprendemos como reduzir a princípios e como calcular até essas noções mais complicadas (...) De maneira completamente semelhante, como moralistas, queremos saber o que deve ser feito no mundo real em que vivemos”.
Essa breve passagem de Os métodos de ética [1] de Henry Sidgwick pode nos ajudar a entender, precisamente neste mundo real em que vivemos e precisamente nesta realidade precisa em que devemos viver - seja ela bonita ou feia, pacífica ou turbulenta, quieta ou agitada, cheia de gente ou isolada, reconfortante ou desolada - que, mesmo quando somos forçados a ser práticos, mesmo renunciando aparentemente à pretensão de cobrir todo o campo da moralidade, não estamos abdicando da ética.
Ou seja, há uma parte, aquela dos ideais, que nem sempre é perfeitamente absorvível por outra parte que gira em torno da utilidade. Explico: nem sempre perfeitamente absorvível não significa de forma alguma componível.
Quando se trata de fazer as contas com a realidade, especialmente quando estamos sujeitos a uma situação de emergência ou urgência (isso nos lembra alguma coisa?), voltar a refletir sobre o que queremos dizer com o termo "moral" não prejudica. Pelo contrário: é no impacto com concretude que a teoria nos aparece menos nebulosa. A teoria, que no silêncio de leitura dos livros nos parecia ser uma questão sem importância, no hoje que estamos vivendo pode nos fazer exclamar: ah aqui está! Agora está tudo claro! O que está claro para nós? Torna-se claro para nós que por "moral" sempre se entendem duas coisas: a) o que diz respeito a outras pessoas; b) o que diz respeito a si mesmo.
Diferenciados esses dois significados (não estamos separando nada), estamos agora em posição de ver, e ver muito bem, o que acontece toda vez que, em plena emergência, os ânimos se exaltam e os debates se multiplicam: acontece que existe um contraste entre os interesses pelas outras pessoas e os próprios ideais, que podemos traduzir em um exemplo que hoje nos parece muito, mas muito, familiar: a liberdade de se locomover e não ser rastreados ou a segurança e a integridade pessoal e social?
É um verdadeiro slogan, que transforma todos nós em espectadores de uma discussão acalorada entre duas figuras, que se impõem e colocam todos os outros perfis em segundo plano: de um lado, o fanático, pelo outro, o ponderado. O primeiro é assim porque seus ideais resistem aos fatos, o segundo é caracterizado por uma consideração geral dos fatos.
O primeiro - o fanático - não é fanático por causa de seus ideais, ou seja, não são os ideais que o tornam fanático, mas a mera consideração deles sem chegar a fazer as contas com os fatos; o segundo - o ponderado - também estaria de acordo com os ideais do fanático, se este último pudesse entender que o melhor ideal em um conflito entre o ideal e o interesse das outras pessoas seria ver nesse interesse (o da maioria das pessoas) o verdadeiro ideal!
Isso significa que, com uma maneira de abordar o que se entende por "moral", lentamente identificamos o fio da meada que consiste na capacidade - em situação de emergência, repito - de incluir os interesses dos outros em seus ideais.
Portanto, não é o conflito entre ideais que deve nos atrair, porque é um conflito que não existe. O que deve atrair nossa atenção e ativar nossa capacidade de solução é o conflito entre ideais e interesses. Este é o verdadeiro e único conflito! O raciocínio moral deve se concentrar em como conciliar interesses conflitantes, embora não possa pretender eliminar aqueles que continuam a perseguir seus ideais em detrimento dos outros.
A partir disso, o apelo que me sinto impelido a lançar: vamos falar com os ponderados (os não fanáticos), porque é com eles que se pode tentar argumentar, distinguindo estes, que talvez estejam inclinados a raciocinar claramente, dos fanáticos (os não ponderados) em relação aos quais a lógica não funciona. Diante da impossibilidade de eliminar os fanáticos, o raciocínio moral que aqui desenvolvi não perde importância, pelo contrário, realiza uma contínua obra de distinção para esclarecer, identificar os fatos das avaliações, os princípios das argumentações.
Pietro Cognato ensina Teologia Moral e Bioética na Faculdade Teológica da Sicília, no Instituto de Estudos Bioéticos S. Privitera e na Faculdade de Serviço Social - LUMSA. Entre suas obras: Fede e morale tra tradizione e innovazione. Il rinnovamento della teologia morale (2012); Etica teologica. Persone e problemi morali nella cultura contemporanea (2015). Foi responsável por diversos verbetes do Nuovo dizionario di teologia morale (2019).
[1] H. Sidgwick, Os métodos de ética, Calouste, 2013.
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Ética: quando a emergência é o teste de estresse das nossas teorias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU