09 Setembro 2024
"A Santa Sé nunca deixou de buscar formas de diálogo e de encontro para dar voz àquela ampla parte da humanidade que, independentemente da fé a que pertence, deseja viver em paz. Para isso, ela nunca deixou de buscar interlocutores respeitados para dar força a empenhos comuns que não querem ser meramente simbólicos", escreve Francesco Peloso, jornalista, em artigo publicado por Domani, 06-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com o encontro com o grande imã Nasaruddin Umar em Jacarta, na mesquita Istiqlal, a mais imponente de toda a Ásia, se encerra idealmente um caminho de diálogo com o Islã que levou Francisco a se encontrar com alguns dos principais líderes religiosos muçulmanos do mundo. Não só: a assinatura de uma Declaração conjunta entre o pontífice e o imã constitui a continuação ideal da Declaração sobre a Fraternidade Humana, assinada em 2019 nos Emirados Árabes, em Abu Dhabi, por Francisco e o grande imã de Al Azhar, Ahmad Al Tayyeb, uma das maiores autoridades religiosas do Islã sunita.
Entre outras coisas, o Pontífice observou: “Gostaria de lembrar que essa mesquita foi projetada pelo arquiteto Friedrich Silaban, que era cristão e venceu o concurso. Isso atesta o fato de que, na história desta nação e na cultura que se respira nela, a mesquita, assim como outros locais de culto, são espaços de diálogo, de respeito mútuo, de convivência harmoniosa entre religiões e diferentes sensibilidades espirituais".
"Esse é um grande dom, que vocês são chamados a cultivar todos os dias, para que a experiência religiosa possa ser um ponto de referência para uma sociedade fraterna e pacífica e nunca um motivo de fechamento e confronto”. A etapa indonésia da visita do Pontífice terminou com uma missa celebrada no Estádio Principal Gelora Bung Karno, diante de dezenas de milhares de pessoas.
Além disso não deve ser esquecido que Bergoglio tinha se encontrado em 2021 no Iraque com o aiatolá al Sistani, representante de destaque do islã xiita, defensor de um Iraque independente das ingerências estrangeiras; em 2023, em uma carta endereçada a al Sistani, Francisco escreveu: “Caro irmão, ambos estamos convencidos de que o respeito pela dignidade e pelos direitos de cada pessoa e de cada comunidade, especialmente a liberdade de religião, pensamento e expressão, pode ser uma fonte de serenidade pessoal e social e de harmonia entre os povos”.
O Papa Francisco beija a mão de Nasaruddin Umar, grande imã da Mesquita Istiqlal em Jacarta, Indonésia, na conclusão de um encontro inter-religioso em 5 de setembro de 2024. (Foto:Lola Gomez | CNS)
Em 2024, Francisco, durante sua visita a Istambul, também foi à famosa Mesquita Azul, onde se reuniu em oração silenciosa, acompanhado pelo Grande Mufti, a mais alta autoridade religiosa da Turquia, em frente ao “mirhab”, o nicho que indica a direção da Meca, a cidade sagrada do Islã. Um gesto semelhante ao feito por seu antecessor, Bento XVI, em 2006, na mesma mesquita em Istambul. Um evento que, na época, contribuiu para desmontar a imagem de um Ratzinger empenhado apenas em defender a identidade cristã de viés europeu e incapaz de gestos de abertura em relação ao mundo islâmico. Certamente, um forte impulso ao diálogo entre as grandes tradições religiosas foi dado por João Paulo II, que inaugurou a temporada dos encontros inter-religiosos em Assis (o primeiro ocorreu em 27 de outubro de 1986). Foi uma estratégia que foi duramente testada pelas tensões desencadeadas pelos ataques da Al Qaeda em 11 de setembro de 2001 e depois pelos conflitos que se iniciaram no Oriente Médio, começando pela guerra no Iraque desencadeada pelos Estados Unidos. Sem mencionar a sucessão de conflitos étnico-religiosos do Cáucaso aos Bálcãs, do próprio Oriente Médio à Ásia, nos quais as correntes mais extremistas do Islã foram muitas vezes protagonistas (mesmo que nem sempre: basta pensar nas perseguições a que estão sujeitas as populações étnicas Rohingya de Mianmar, de fé muçulmana, fato frequentemente evocadas pelo Papa Francisco).
Em um contexto marcado pelo terrorismo de matriz islâmica, pelo ressurgimento de improváveis califados, por recrudescimentos fundamentalistas, enquanto crescia o abismo que separava os países ricos das nações pobres, a Santa Sé nunca deixou de buscar formas de diálogo e de encontro para dar voz àquela ampla parte da humanidade que, independentemente da fé a que pertence, deseja viver em paz. Para isso, ela nunca deixou de buscar interlocutores respeitados para dar força a empenhos comuns que não querem ser meramente simbólicos. Assim, ao longo dessas décadas, foi escrita uma espécie de encíclica do diálogo inter-religioso, na qual os papas, não raramente, deram o primeiro passo, encontrando para isso acolhimento e reconhecimento em um Islã que também vivia em meio a vitimismo e senso de vingança.
Tudo isso, obviamente, não apaga as dificuldades, “as instrumentalizações da religião” denunciadas também na Indonésia por Francisco, nem desaparecem por encanto os problemas ligados ao exercício da liberdade religiosa em determinadas realidades; no entanto, a mensagem do papa é clara: “Caros irmãos e irmãs, promover a harmonia religiosa para o bem da humanidade”, disse ele em seu discurso na mesquita de Jacarta, “é a inspiração que somos chamados a seguir e que também dá o título à Declaração Conjunta preparada para esta ocasião. Nela, assumimos com responsabilidade as graves e às vezes dramáticas crises que ameaçam o futuro da humanidade, em particular as guerras e os conflitos, infelizmente também alimentados pelas instrumentalizações religiosas, mas também pela crise ambiental, que se tornou um obstáculo ao crescimento e à convivência dos povos. E, diante desse cenário, é importante que os valores comuns a todas as tradições religiosas sejam promovidos e fortalecidos, ajudando a sociedade a derrotar a cultura da violência e da indiferença”.
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O papa na mesquita de Jacarta fecha o ciclo aberto por João Paulo II em Assis. Artigo de Francesco Peloso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU