02 Setembro 2024
"Nas últimas duas décadas, com Bento XVI e Francisco, ambos eleitos em idade avançada, o ritmo das viagens papais internacionais diminui um pouco: 24 com Ratzinger e 45 com Bergoglio", escreve Giovanni Maria Vian, historiador e ex-diretor do L'Osservatore Romano, em artigo publicado por Domani, 01-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quase trinta e três mil quilômetros em doze dias: a quadragésima quinta viagem do Papa é exigente. De 2 a 13 de setembro ele estará na Indonésia, Papua Nova Guiné, Timor Leste e Singapura.
O itinerário - o mais longo do pontificado - parece uma réplica do último de Paulo VI, o pontífice que, entre 1964 e 1970, passou pela primeira vez por todos os cinco continentes em nove rotas simbólicas cuidadosamente escolhidas, chegando até Samoa e Hong Kong. Mas talvez a verdadeira competição de Francisco seja com João Paulo II, o viajante.
Os papas, no entanto, sempre viajaram, embora frequentemente sob coação ou até mesmo deportados. Para o mais antigo - Clemente I, considerado o autor de uma importante carta no final do século I - tardia e lendária é a tradição que o quer exilado na que hoje é a Crimeia e mártir: uma história que provavelmente reflete os contrastes entre o papado e o império bizantino. Por sua vez, Ponciano, bispo de Roma, e seu rival Hipólito, o primeiro antipapa, são condenados a trabalhos forçados e deportados para a Sardenha, onde morrem em 235.
Quando, no alvorecer da Idade Média, os papas começam a viajar, o destino é forçado por contingências políticas mais que por escolha. Por quase dois séculos, o destino é, de fato, sempre Constantinopla, a sede imperial em crescente conflito com Roma, que tenta escapar da incômoda tutela do soberano bizantino. Reside permanentemente em sua corte um apocrisário, ou seja, um embaixador papal, cargo importante frequentemente desempenhado por clérigos mais tarde eleitos pontífices.
Em 526, para interromper a perseguição imperial contra os arianos, o rei godo Teodorico, um cristão de fé ariana, envia o próprio João I a Constantinopla. O papa é recebido com todas as honras pelo imperador Justino - é a primeira viagem de um pontífice a Constantinopla -, mas a embaixada fracassa e, em seu retorno, por ordem de Teodorico, o papa é aprisionado em Ravena, onde morre, possivelmente devido às torturas sofridas.
Mais ou menos o mesmo roteiro se repete em 536 com Agapito I, que, enviado a Constantinopla pelo soberano godo Teodato para impedir a invasão da Itália planejada por Justiniano, encontra-se o imperador e, dessa vez, a missão - que o papa é obrigado a financiar – tem sucesso pela metade e aumenta o prestígio papal. Agapito, no entanto, morre por uma doença e, após solenes exéquias, seus restos mortais, fechados em um caixão de chumbo, são enviados a Roma.
Dramático é o destino de Vigílio, no contexto da guerra entre os bizantinos e os godos, principalmente devido à sua resistência, embora não tão ferrenha, à linha teológica do imperador Justiniano, à qual se opunham os bispos ocidentais e africanos. Inicialmente levado para a Sicília, o pontífice chega mais tarde a Constantinopla, onde a disputa entre o papa e o imperador dura por oito anos. Vigílio se recusa a participar de um concílio especialmente convocado em 553 - é o segundo constantinopolitano - mas acaba reconhecendo-o, morrendo dois anos mais tarde ao voltar para Roma.
Um século depois, é o entrelaçamento entre política e teologia que decreta a morte de Martinho I, nascido em Todi e venerado como o último papa mártir. Eleito em 649, o pontífice decide não esperar pela confirmação necessária do imperador bizantino Constante II - defensor de uma doutrina cristológica duvidosa condenada no Ocidente - e imediatamente se faz consagrar. O soberano, enfurecido, ordena sua prisão, mas o representante bizantino sai em defesa de Martinho. Somente quatro anos depois, o imperador consegue capturá-lo e deportá-lo para Constantinopla: condenado por alta traição e exilado na atual Crimeia, o papa morre em 655.
Um sucesso, mas efêmero, revela-se em 710, a convite do imperador Justiniano II, a viagem do Papa Constantino, a última de um pontífice a Constantinopla. Ao retornar àquela sede - mas agora como a moderna Istambul - serão de fato Paulo VI em 1967 e, nas décadas seguintes, os três sucessores não italianos.
Desde a alta Idade Média e por mais de um milênio, as viagens papais se multiplicam. São pelo menos umas trinta fora da Itália - quase todas para a França ou para os territórios do império germânico - entre o final de 753, quando Estêvão II cruza os Alpes para pedir a ajuda franca contra os lombardos, e a primavera de 1814, que marca o retorno de Pio VII a Roma após cinco anos de cativeiro napoleônico, primeiro em Savona e depois em Fontainebleau.
A mobilidade, se não mesmo a itinerância, do papado é explicada nesses séculos pela adaptação aos eventos políticos, pela necessidade de encontrar apoio, pela busca de novos equilíbrios e pelo contexto romano.
A transferência do papado para Avignon por um período de setenta anos (1309-1377) é bem conhecida, mas muito menos conhecido é o fato de que, já no século anterior, o pontífice e sua cúria estão ausentes de Roma por quase 60% do tempo total, quando viajam entre várias cidades do Lácio e da Úmbria: Anagni, Viterbo, Assis, Perugia, Orvieto.
Portanto, não é coincidência que a consolidação do estado papal no início da idade moderna tenha reduzido as viagens papais para fora da Itália, que desaparecem entre 1533 e 1782, quando Pio VI se torna “peregrino apostólico” por cinco meses para se opor em Viena à política do imperador. Mas sem sucesso. Os dois pontífices (Pio VI e Pio VII) da época revolucionária e napoleônica são deportados para a França, enquanto o último papa rei a viajar nos seus domínios - em 1857, por mais de um mês - é Pio IX. Após a tomada de Roma, os papas não saem dos palácios vaticanos e dos jardins ao redor por sessenta anos. Depois de 1929 - com Pio XI, o fundador do moderno Estado do Vaticano - voltam para a residência de verão de Castel Gandolfo, predileta por Pio XII, que fez a viagem mais longa de seu pontificado em 1957: cerca de sessenta quilômetros até a área extraterritorial de Santa Maria di Galeria para inaugurar o novo centro transmissor da Rádio vaticana. Portanto, causa sensação, em 1962, a viagem de João XXIII, que vai de trem para Assis e Loreto para rezar nos dois santuários na véspera da abertura do Concílio.
A verdadeira revolução, entretanto, é a de Paulo VI. Entre 4 e 6 de janeiro de 1964, realiza a primeira de suas nove viagens internacionais (outras são impedidas pelas autoridades políticas: na Síria, Polônia, Espanha, Vietnã). O itinerário - preparado em segredo - é para a Terra Santa, onde nenhum papa jamais havia estado.
Para cobrir a viagem, a Paris Match envia quase toda a equipe editorial a bordo de um avião especialmente fretado, e o resultado é uma documentação fotográfica única. Os jornais italianos mobilizam os melhores colunistas: Eugenio Montale, Dino Buzzati, Alberto Cavallari, Giorgio Bocca, Vittorio Gorresio, Camilla Cederna. No final, Buzzati faz um balanço: “Esperava-se escrever páginas fulminantes de comoção e amor, mas não foi possível”. Talvez porque - essas são as últimas palavras do seu caderno publicado no Corriere della Sera de 8 de janeiro - “trata-se de um daqueles fenômenos misteriosos que escapam completamente à razão e ao controle do homem”.
No rastro de Montini, se movem os três sucessores não mais italianos, mas o papa viajante por excelência é João Paulo II, com estatísticas impressionantes. Em vinte e seis anos, 104 viagens internacionais e 146 na Itália; 129 países visitados - alguns várias vezes, como a Polônia (oito), a França e os Estados Unidos (sete) - e cerca de mil cidades visitadas; um milhão duzentos e cinquenta mil quilômetros percorridos em oitocentos dias, quase nove por cento da duração de todo o pontificado.
“Qual é a diferença entre Deus e o papa?”, ironizam os curiais perturbados: “Deus está em toda parte, Wojtyła já esteve lá”. Se Paulo VI explica a novidade das viagens em 8 de maio de 1968, seu sucessor as teoriza no longuíssimo discurso de 28 de junho de 1980. Referindo-se à virada de Montini, o papa polonês afirma que, “entre os vários métodos de atuação do Vaticano II, esse parece ser fundamental e particularmente importante”.
Nas últimas duas décadas, com Bento XVI e Francisco, ambos eleitos em idade avançada, o ritmo das viagens papais internacionais diminui um pouco: 24 com Ratzinger e 45 com Bergoglio. Mas a fórmula já parece repetitiva - incluindo as coletivas de imprensa durante o retorno, que acabam obscurecendo midiaticamente as próprias viagens - e parece ter chegado a hora de repensar até mesmo essa forma de exercício do papado.
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Até os confins da terra, as viagens papais já viraram um padrão. Artigo de Giovanni Maria Vian - Instituto Humanitas Unisinos - IHU